Advogado que escreve quer ser lido. Advogado que escreve para a imprensa quer, além disso, ser publicado - e de preferência num daqueles jornais que os colegas comentam e o LinkedIn comemora. Mas entre o seu arquivo Word e as páginas de um grande veículo existe uma barreira quase mística: o editor. Ele recebe dezenas de artigos por dia, centenas por semana, e rejeita textos com a rapidez com que juízes indeferem pedidos mal fundamentados.
Depois de décadas trabalhando com redação e assessoria de imprensa, recebo diariamente textos de clientes que vão do “maravilhoso, é só apertar enviar” ao “meu Deus, isso tem 18 páginas e três notas de rodapé”. E percebo sempre a mesma dinâmica: os artigos não são recusados pelo que falta, mas pelo que sobra. Sobra juridiquês, sobra extensão, sobra tecnicidade. E falta o essencial: atualidade, concisão e contexto.
O primeiro grande tropeço de quem quer entrar na imprensa é o tema. O texto precisa estar quente, pulsante, quase fumegando. Se o assunto não está nas conversas do dia, dificilmente ganhará espaço no jornal. A imprensa se pauta cada vez mais pelas ferramentas de social listening. Isso quer dizer que se um tema está no Google Trends, ele chamará a atenção dos editores. A lógica é simples: veículo vive de atualidade, e atualidade não admite delay. Há uma multidão de advogados disputando poucos centímetros de coluna. Nesse cenário, artigo sobre assunto morno é o que chamamos, tecnicamente, de “carta de reprovação garantida”.
Depois vem outro clássico: o tamanho. Muitos autores escrevem como se estivessem preparando um parecer para o STJ, não um texto para jornal. A maior parte dos veículos trabalha com espaços de 2.500 a 4.000 caracteres. Isso equivale a um tweet em versão estendida, não a um capítulo de dissertação. Artigo jornalístico não aceita aquecimento, não aceita introdução explicando a introdução nem citações à jurisprudência original. É cortar, lapidar, cortar de novo - e aceitar que concisão é uma virtude editorial, não uma humilhação intelectual.
E já que estamos falando de excessos, vamos ao título. Advogado adora um título grandioso, quase épico, que parece criado para explicar o conteúdo inteiro que vem logo abaixo. Mas jornal gosta do oposto: títulos curtos, diretos, com personalidade. Nada de “Da imprescindibilidade da observância interdisciplinar das diretrizes regulatórias no âmbito sistêmico da…”. Se o editor precisa respirar três vezes antes de terminar o título, ele simplesmente não vai terminar. Títulos longos não são rejeitados: são ignorados.
Outro ponto decisivo é a contextualização com dados. Editor nenhum quer publicar opinião solta no ar - jornalista gosta de fatos para sustentar argumentos. Artigos com dados relevantes têm até 60% mais chance de serem lidos até o final, segundo métricas de comportamento de leitores em plataformas de analytics. Isso significa que números, percentuais e indicadores não são enfeite: são o bilhete de entrada na conversa pública. E aqui não é necessário citar Harvard ou ONU; dados de tribunais, relatórios setoriais, pesquisas públicas e indicadores oficiais já fazem um belo serviço.
Agora, há um detalhe que poucos autores conhecem - e que costuma aumentar a frustração: a exclusividade. Muitos veículos exigem que o artigo seja inédito, enviado só para eles e não compartilhado com nenhum outro jornal enquanto estiver em avaliação. E avaliação, acredite, pode demorar dependendo do prestígio - e da fila. Isso significa que você precisa escolher com cuidado o primeiro destino, respirar fundo e esperar. E esperar dói, eu sei. Editor não funciona no ritmo da advocacia; ele trabalha com prazos próprios, fila própria e critérios que mudam conforme o noticiário. Mas é preciso paciência. Se enviar para cinco jornais ao mesmo tempo, corre o risco de perder todos - e, no fim, terá de recomeçar do zero.
E aqui entra um ponto que sempre reforço com clientes: a frustração faz parte do processo editorial. Não existe autor - absolutamente nenhum - que só colecione aprovações. Publicar é como pilotar avião em dia de vento: exige ajustes constantes, repertório, estratégia e uma boa dose de resiliência. Quem entende isso, cresce. Quem não entende, desiste antes de perceber que estava quase lá.
Por fim, há algo que advogados às vezes subestimam: a força da assinatura. Em um país com mais de 1,4 milhão de advogados, assinar um artigo é declarar ao mundo “eu domino este tema”. Publicação em jornal reforça autoridade, aumenta visibilidade, melhora posicionamento de mercado e muitas vezes abre portas inesperadas. Já vi clientes receberem convites de rádio, TV e eventos importantes depois de um único artigo bem colocado. Palavra, quando publicada, vira reputação - e reputação é um dos bens mais valiosos no mercado jurídico.
Escrever para a imprensa não é sobre esbanjar conhecimento; é sobre comunicar com precisão, relevância e clareza. É sobre entregar ao editor aquilo que ele mais deseja: um texto enxuto, atual, bem contextualizado e com personalidade. A boa notícia é que isso não exige talento literário sobrenatural - exige disciplina, adaptação e, claro, uma boa assessoria para lapidar as arestas.
Publicar em um grande jornal não é golpe de sorte. É técnica. É estratégia. E, como tudo na vida jurídica, é também prática. A cada nova tentativa, o autor afia o estilo, aprimora o olhar e descobre que o segredo não é escrever mais, mas escrever melhor.