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Há relação de consumo entre agentes de arranjos de pagamento?

STJ define que cada participante nos sistemas de pagamento responde apenas por contratos diretos, afastando solidariedade indevida e aplicação do CDC.

1/12/2025
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O atual cenário dos arranjos de pagamento ­- definidos pelo art. 6º, I, da lei 12.865/13 - é composto por uma rede complexa de agentes que atuam de forma coordenada para viabilizar transações financeiras com cartões.

Fazem parte dessa rede o portador, pessoa física ou jurídica que utiliza um instrumento de pagamento para realizar compras e movimentar recursos; o emissor (geralmente banco ou instituição financeira), responsável pela emissão de cartão, concessão de crédito ao portador e por autorizar a transação e efetuar o pagamento inicial; e a bandeira, instituição que conecta os participantes do sistema, define regras, padroniza operações e fiscaliza as transações.

Além desses agentes, há a credenciadora, empresa que credencia lojistas para aceitar cartões, oferece as conhecidas “maquininhas”, captura transações, comunica autorizações e realiza a liquidação dos valores; a subcredenciadora ou facilitadora de pagamentos, que atua na captação de transações e credenciamento de pequenos lojistas e profissionais liberais e cuja contratação é opcional; e o lojista, estabelecimento comercial que aceita cartões como meio de pagamento.

Nesses arranjos de pagamento, quando o portador realiza uma compra com cartão, o dinheiro percorre uma cadeia: o banco emissor envia o valor da transação à bandeira, que repassa o montante à credenciadora e essa, por sua vez, remete os valores para a subcredenciadora - quando ela existe - ou diretamente para o lojista. Em cada etapa desse processo, há descontos referentes à remuneração pelos serviços prestados.

Cada integrante dessa estrutura comercial - credenciadora, subcredenciadora, bandeira, instituição financeira e lojista - assume papéis e responsabilidades específicas por meio de contratos independentes. O risco e o benefício do negócio são aceitos livremente pelas partes, ainda que os contratos sejam celebrados por adesão. Cada agente se vale do negócio para incrementar seus lucros, além de facilitar e concentrar a arrecadação do crédito. Isso afasta a incidência do conceito de consumidor nessa cadeia de relações.

Ao julgar o REsp 1.990.962/RS, a 3ª turma do STJ já havia estabelecido efetivamente o entendimento de que não há relação de consumo nessa cadeia de relações, o que foi reafirmado recentemente no julgamento do REsp 2.212.357/RS.

No caso mais recente, a 3ª turma reformou um acórdão do TJ/RS, que havia reconhecido a responsabilização solidária de uma credenciadora pelas dívidas contraídas pela subcredenciadora.

Na situação analisada, a subcredenciadora deixou de fazer repasse de valores ao lojista e logo em seguida entrou entrou em recuperação judicial. Não havia contrato entre credenciadora e lojista - apenas entre o lojista e a subcredenciadora -, mas a justiça gaúcha entendeu que haveria responsabilidade solidária na cadeia de arranjo de pagamentos, sendo possível o direcionamento da dívida subcredenciadora à credenciadora, com base em uma suposta relação de consumo. 

O STJ, porém, entendeu que cada agente somente detém responsabilidade com aqueles com quem contratou diretamente. Dessa forma, a credenciadora responderia apenas diante da subcredenciadora contratada. Já a subcredenciadora, no caso analisado, teria obrigações apenas com o lojista. 

A extensão da responsabilidade da credenciadora a terceiro com quem não contratou (lojista) foi considerada indevida pelo STJ, já que a solidariedade não se presume, de acordo com o art. 265 do CC, não sendo cabível a aplicação do CDC nas relações entre os agentes de pagamento.

O julgamento do STJ evidencia a importância de compreender a estrutura financeira dos arranjos de pagamento e a lógica contratual que os sustenta. A correta análise e interpretação dos contratos empresariais é essencial para evitar distorções na definição de quem responde por eventuais danos, especialmente diante da complexidade das operações que envolvem múltiplos agentes.

Cabe ao Poder Judiciário manter um olhar atento e técnico sobre novas dinâmicas do mercado, assegurando previsibilidade e segurança jurídica, sem desconsiderar a autonomia privada e os princípios que regem as relações interempresariais.

O STJ vem assumindo essa postura para estabelecer os parâmetros interpretativos a serem seguidos pelos tribunais estaduais e regionais. Ao adotar essas balizas, esses órgãos poderão ajudar a reduzir a repetição de ações idênticas, que tanto sobrecarrega a Justiça.

Autores

Debora Chaves Sócia do escritório Machado Meyer Advogados

Henrique de Araújo Gonzaga Advogado da área de Contencioso do escritório Machado Meyer Advogados.

Agnes Domingues Advogada da área de Contencioso do escritório Machado Meyer Advogados.

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