O atual cenário dos arranjos de pagamento - definidos pelo art. 6º, I, da lei 12.865/13 - é composto por uma rede complexa de agentes que atuam de forma coordenada para viabilizar transações financeiras com cartões.
Fazem parte dessa rede o portador, pessoa física ou jurídica que utiliza um instrumento de pagamento para realizar compras e movimentar recursos; o emissor (geralmente banco ou instituição financeira), responsável pela emissão de cartão, concessão de crédito ao portador e por autorizar a transação e efetuar o pagamento inicial; e a bandeira, instituição que conecta os participantes do sistema, define regras, padroniza operações e fiscaliza as transações.
Além desses agentes, há a credenciadora, empresa que credencia lojistas para aceitar cartões, oferece as conhecidas “maquininhas”, captura transações, comunica autorizações e realiza a liquidação dos valores; a subcredenciadora ou facilitadora de pagamentos, que atua na captação de transações e credenciamento de pequenos lojistas e profissionais liberais e cuja contratação é opcional; e o lojista, estabelecimento comercial que aceita cartões como meio de pagamento.
Nesses arranjos de pagamento, quando o portador realiza uma compra com cartão, o dinheiro percorre uma cadeia: o banco emissor envia o valor da transação à bandeira, que repassa o montante à credenciadora e essa, por sua vez, remete os valores para a subcredenciadora - quando ela existe - ou diretamente para o lojista. Em cada etapa desse processo, há descontos referentes à remuneração pelos serviços prestados.
Cada integrante dessa estrutura comercial - credenciadora, subcredenciadora, bandeira, instituição financeira e lojista - assume papéis e responsabilidades específicas por meio de contratos independentes. O risco e o benefício do negócio são aceitos livremente pelas partes, ainda que os contratos sejam celebrados por adesão. Cada agente se vale do negócio para incrementar seus lucros, além de facilitar e concentrar a arrecadação do crédito. Isso afasta a incidência do conceito de consumidor nessa cadeia de relações.
Ao julgar o REsp 1.990.962/RS, a 3ª turma do STJ já havia estabelecido efetivamente o entendimento de que não há relação de consumo nessa cadeia de relações, o que foi reafirmado recentemente no julgamento do REsp 2.212.357/RS.
No caso mais recente, a 3ª turma reformou um acórdão do TJ/RS, que havia reconhecido a responsabilização solidária de uma credenciadora pelas dívidas contraídas pela subcredenciadora.
Na situação analisada, a subcredenciadora deixou de fazer repasse de valores ao lojista e logo em seguida entrou entrou em recuperação judicial. Não havia contrato entre credenciadora e lojista - apenas entre o lojista e a subcredenciadora -, mas a justiça gaúcha entendeu que haveria responsabilidade solidária na cadeia de arranjo de pagamentos, sendo possível o direcionamento da dívida subcredenciadora à credenciadora, com base em uma suposta relação de consumo.
O STJ, porém, entendeu que cada agente somente detém responsabilidade com aqueles com quem contratou diretamente. Dessa forma, a credenciadora responderia apenas diante da subcredenciadora contratada. Já a subcredenciadora, no caso analisado, teria obrigações apenas com o lojista.
A extensão da responsabilidade da credenciadora a terceiro com quem não contratou (lojista) foi considerada indevida pelo STJ, já que a solidariedade não se presume, de acordo com o art. 265 do CC, não sendo cabível a aplicação do CDC nas relações entre os agentes de pagamento.
O julgamento do STJ evidencia a importância de compreender a estrutura financeira dos arranjos de pagamento e a lógica contratual que os sustenta. A correta análise e interpretação dos contratos empresariais é essencial para evitar distorções na definição de quem responde por eventuais danos, especialmente diante da complexidade das operações que envolvem múltiplos agentes.
Cabe ao Poder Judiciário manter um olhar atento e técnico sobre novas dinâmicas do mercado, assegurando previsibilidade e segurança jurídica, sem desconsiderar a autonomia privada e os princípios que regem as relações interempresariais.
O STJ vem assumindo essa postura para estabelecer os parâmetros interpretativos a serem seguidos pelos tribunais estaduais e regionais. Ao adotar essas balizas, esses órgãos poderão ajudar a reduzir a repetição de ações idênticas, que tanto sobrecarrega a Justiça.