Todo final de ano, vemos o mesmo cenário em muitos municípios do Brasil: anúncios oficiais, discursos positivos e notícias destacando o pagamento de abonos salariais aos profissionais da educação.
A história contada é sempre parecida: o gestor, atento às necessidades da categoria, oferece um gesto de reconhecimento e valorização aos professores.
Mas a questão que realmente importa é outra: esse abono representa uma melhoria real e duradoura na carreira docente, ou é apenas uma solução temporária que esconde problemas antigos?
O abono salarial, geralmente pago no fim do ano fiscal, está ligado a sobras de recursos do FUNDEB ou a restrições legais que impedem sua inclusão permanente na folha de pagamento. Assim, o que é apresentado como um "benefício extra" na verdade é um ajuste orçamentário provisório, sem impactos duradouros no salário do professor.
Na prática, o abono não faz parte do salário base. Ele não influencia férias, 13º salário, aposentadoria ou avanços na carreira. Em vez de fortalecer a profissão, ele apenas mascara por um tempo suas fraquezas.
A Constituição Federal é clara sobre isso. Ela define a educação como um direito social essencial (art. 6º) e, no art. 206, inciso V, estabelece a valorização dos profissionais da educação por meio de planos de carreira, piso salarial profissional e entrada via concurso público.
Portanto, a verdadeira valorização dos professores não vem de ações isoladas, mas de políticas públicas permanentes, bem planejadas e previsíveis. Essas políticas devem garantir:
- Remunerações justas e atualizadas regularmente;
- Condições de trabalho adequadas;
- Oportunidades de formação contínua;
- Proteção contra a precarização.
Não se pode negar que o abono traz um alívio financeiro imediato para os servidores, especialmente em tempos de dificuldades econômicas. Isso é importante e não deve ser ignorado. O problema surge quando essa medida temporária é tratada como uma grande conquista, transformando o improviso em algo que parece uma política oficial.
Ao elogiar o abono como um avanço, acabamos normalizando a instabilidade na carreira docente. Em vez de debater reajustes permanentes, planos de carreira e valorização constante, o foco se volta para soluções rápidas que não resolvem o problema de raiz.
Em um sistema bem estruturado, esses valores pagos como abono já estariam incorporados ao salário, gerando ganhos reais, duradouros e protegidos pela lei.
O professor não deveria depender de "sobras no orçamento" para ter uma renda decente. Em vez disso, precisa de uma carreira estável, previsível e valorizada, como determina a Constituição.
O debate aqui não é contra o abono em si, mas contra a ideia falsa de valorização que ele promove. A pergunta que deve guiar gestores, legisladores e a sociedade é simples: queremos continuar celebrando abonos de fim de ano, ou vamos construir uma carreira docente decente e protegida pela Constituição?
Enquanto a valorização do magistério for vista como um favor político e não como uma obrigação institucional, os abonos continuarão sendo aplaudidos - não como sinal de progresso, mas como prova de que a profissão ainda não é tratada com a seriedade que merece.