A análise do cenário contemporâneo da responsabilidade civil bancária exige uma percepção aguçada sobre a transição interpretativa do Poder Judiciário, especialmente no que tange ao tratamento das fraudes perpetradas por meio de engenharia social. Historicamente, a aplicação do CDC e a consolidação da responsabilidade objetiva das instituições financeiras geravam uma tendência de responsabilização automática, fundamentada quase exclusivamente no risco do empreendimento. No entanto, tal exegese, por vezes desprovida de uma análise detida sobre o nexo de causalidade e a conduta do próprio consumidor, passou a demandar um refinamento doutrinário e jurisprudencial para evitar que o sistema de proteção ao vulnerável se transformasse em um regime de responsabilidade integral e irrestrita, o que desvirtuaria os fundamentos da justiça comutativa e do equilíbrio contratual.
A compreensão clássica da responsabilidade objetiva no setor bancário encontra seu alicerce na teoria do risco profissional, partindo do pressuposto de que aquele que aufere lucros com uma atividade deve suportar os danos dela decorrentes. Todavia, a evolução das técnicas de fraude, que migraram de falhas sistêmicas brutas para manipulações psicológicas sofisticadas, conhecidas como engenharia social, impôs a necessidade de distinguir o fortuito interno do fortuito externo. Enquanto o primeiro se refere a eventos inerentes à estrutura organizacional e aos riscos da prestação do serviço, o segundo diz respeito a fatos que, embora relacionados à atividade, ocorrem por circunstâncias estranhas ao controle da instituição, muitas vezes decorrentes da atuação decisiva da própria vítima e/ou de terceiros.
Nesse contexto de amadurecimento interpretativo, ganha especial relevo a atuação da TNU - Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que, ao julgar o Tema 352 como representativo de controvérsia, estabeleceu balizas fundamentais para a aferição da responsabilidade nas operações via pix. A tese fixada pela TNU reconhece expressamente que, embora a responsabilidade das instituições financeiras seja objetiva, ela não se reveste de caráter absoluto nem opera de forma automática diante de qualquer evento danoso. A fixação da Tese 352 representa um marco de racionalidade jurídica ao dispor que o dever de indenizar pode ser afastado mediante a comprovação de que não houve falha na prestação do serviço, especificamente quando a transação decorre de uma conduta voluntária do consumidor, ainda que esta tenha sido induzida por estratagemas de terceiros.
A Tese 352 da TNU guarda estrita coerência com a súmula 479 do STJ, permitindo concluir que há rompimento do nexo causal quando a fraude se caracteriza como um fortuito externo, ou seja, quando o evento é estranho à organização do serviço e decorre de uma quebra de deveres de cuidado por parte do usuário.
Ao entregar credenciais de acesso, senhas ou autorizar transações sob induzimento, o consumidor atua como o agente motor, o que retira do banco a possibilidade de controle direto sobre a manifestação de vontade expressa naquele ato específico, salvo se houver indícios claros de atipicidade que deveriam ter sido sensibilizadas.
A aplicação do art. 14, § 3º, inciso II, do CDC torna-se, portanto, a viga mestra para apuração da responsabilidade das instituições financeiras em casos de engenharia social. A norma é clara ao prever que o fornecedor de serviços não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Na engenharia social, o vício não reside no sistema do banco, que muitas vezes funciona perfeitamente ao processar uma ordem legítima emitida por quem detém as chaves de acesso, mas sim na esfera volitiva do usuário, que é manipulada por agentes externos. Exigir que a instituição financeira antecipe cada nuance de uma interação psicológica entre o golpista e a vítima equivaleria a impor um dever de onisciência e de tutela totalitária sobre a vida financeira do indivíduo, o que confronta o princípio da autonomia da vontade e da responsabilidade individual.
Outro ponto de extrema relevância introduzido e reforçado pela discussão do Tema 352 é a admissibilidade da culpa concorrente, prevista no art. 945 do CC, no âmbito das relações de consumo. Embora o CDC não mencione expressamente a concorrência de culpas como causa de redução da indenização, a doutrina moderna e a jurisprudência mais refinada admitem o diálogo das fontes. Quando ambos, banco e consumidor, contribuem para o dano, o consumidor por negligência e o banco por algum tipo de falha, a indenização deve ser ajustada à medida da contribuição de cada um. Isso impede o enriquecimento sem causa e promove uma distribuição equânime do prejuízo, incentivando tanto a melhoria dos sistemas de segurança bancários quanto a adoção de posturas mais cautelosas pelos usuários de serviços digitais.
Dessa forma, a evolução interpretativa do Judiciário caminha para um sistema onde a responsabilidade objetiva não serve de biombo para a irresponsabilidade do consumidor. O reconhecimento de que protocolos mínimos de segurança devem ser observados pelo usuário é essencial para a higidez do sistema financeiro. A transferência irrestrita de riscos para as instituições financeiras em casos de atos conscientemente praticados, ainda que sob erro, geraria uma externalidade negativa capaz de encarecer o crédito e os serviços bancários para toda a coletividade, punindo o bom consumidor pelos atos de negligência de outrem. O sistema legal deve, portanto, proteger o vulnerável contra abusos e falhas do serviço, mas não pode blindá-lo contra as consequências de sua própria conduta quando esta rompe o nexo causal indispensável para a configuração do dever reparatório.
Em conclusão, a análise esmiuçada de cada caso concreto, conforme preconizado pela Tese 352 da TNU, é o único caminho para a entrega de uma prestação jurisdicional justa. O Poder Judiciário, ao amadurecer este entendimento, reafirma que o Direito Civil e o Direito do Consumidor devem coexistir em harmonia, aplicando-se os institutos da culpa exclusiva e concorrente como ferramentas de calibração da justiça, assegurando que a reparação de danos ocorra apenas onde houver, efetivamente, um defeito na prestação do serviço que possa ser imputado ao risco da atividade desenvolvida.