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Os Justos e os Ímpios

“E Abraão replicou: Que o Senhor não se irrite se falo ainda uma última vez! Que será, se lá forem achados dez (justos)? E Deus respondeu: Não a destruirei por causa desses dez” - Livro do Gênesis, Capítulo 18, Versículo 16. Este é apenas o final do diálogo entre Deus e Abraão a respeito do desejo manifestado pelo primeiro de promover a destruição de Sodoma e Gomorra em face dos recorrentes desmandos cometidos pelos habitantes das duas cidades.

19/10/2007


Os Justos e os Ímpios

Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

"E Abraão replicou: Que o Senhor não se irrite se falo ainda uma última vez! Que será, se lá forem achados dez (justos)? E Deus respondeu: Não a destruirei por causa desses dez" - Livro do Gênesis, Capítulo 18, Versículo 16.

Este é apenas o final do diálogo entre Deus e Abraão a respeito do desejo manifestado pelo primeiro de promover a destruição de Sodoma e Gomorra em face dos recorrentes desmandos cometidos pelos habitantes das duas cidades. Abraão argumenta, barganha com Deus, e termina vencendo a discussão. Aduz, com propriedade, que se há lá justos e ímpios por que deveriam aqueles pagar por estes? O Todo Poderoso acata a ponderação e, pouco a pouco, mediante a insistência de Abraão, vai reduzindo o número de justos necessários para impedir a destruição de ambas as cidades.

O resto da história é bem conhecido: Lot escapa apenas com as duas filhas virgens porque sua curiosa mulher virou uma estátua de sal. O Deus bíblico era implacável. Mas o Supremo Tribunal Federal não o é e também a Câmara e o Senado brasileiros não são, nem de longe, Sodoma e Gomorra. O número de justos supera em muito o dos ímpios embora o mau-cheiro e a pestilência destes últimos contaminem, vez por outra, as duas casas.

As instituições se ajudam mutuamente e, desta feita, o Supremo colaborou de forma corajosa e expressiva com o Congresso Nacional mediante o mero pronunciamento de sábios conselhos. Para fazê-lo, adotou com rara maestria os ensinamentos do relativismo e da verdade sob perspectiva de Friedrich Nietzsche: "Os fatos são exatamente o que não existe, mas apenas interpretações."

A fidelidade partidária nada mais é do que uma ficção. Não é possível ser fiel a algo inteiramente oco que só existe na aparência frágil, feito um balão de gás à deriva soprado pelos ventos de ocasião. Sequer se vislumbram cores nas bandeiras dos partidos. As ideologias há muito deram lugar às questões pragmáticas. Os partidos se dividem entre aqueles que detêm e usufruem o poder e os outros. Os estatutos podem divergir na semântica, mas a afinidade discursiva é a mesma: educação para todos, assistência plena à saúde, redução da desigualdade social, trabalho digno e salário justo, defesa das minorias, do patrimônio público e da riqueza nacional, da natureza e do meio-ambiente, da moral e da ética.

Por isso, os representantes dos partidos têm o mesmo alfaiate e a mesma figurinista. É certo que pode haver grupos com identidade de propósitos e proveitos comuns: os ruralistas, os religiosos, os empresários etc. Aliás, para estes, menos ainda importa a qual partido pertençam, visto que em primeiro lugar está a defesa do seu interesse real, embora subjacente.

Assim, o partido é o que menos conta para o parlamentar e, por que não dizer, também para o eleitor. Ora, o Supremo nada disso ignora. Por que, então, cobrar a fidelidade partidária se a própria lei não lhe dá a mínima atenção? Creio ser um gesto de louvação à Democracia mediante o fortalecimento do Poder Legislativo.

Os votos dos Ministros Relatores Carmem Lúcia Antunes Rocha e Celso de Mello sinalizam para este objetivo. Eles cavalgaram as nuvens, desconheceram os fatos e perseguiram a outra verdade. Lá, do mais remoto ponto do infinito, trouxeram para o Tribunal uma antiga idéia de civismo. Fizeram bem.

O Supremo exige lealdade de postura partidária, mas quer mesmo é mudança acentuada de compostura. O Supremo deseja restabelecer a auto-estima dos partidos bem como a sua responsabilidade perante o país. O partido deve ser a primeira trincheira contra os ímpios, o tribunal eleitoral a segunda e, finalmente, o voto do povo a terceira. O Supremo exige dos parlamentares princípios elementares de cuidados democráticos, mas quer mesmo é a valoração e o respeito da Sociedade pelas instituições.

O Supremo puxa as orelhas dos políticos argüindo o decoro, mas quer mesmo é o equilíbrio e a harmonia dos poderes. O Supremo repudia um preceito que, aos poucos, furtivamente, se agiganta no país: a crença dos jovens <_st13a_personname productid="em um Pai" w:st="on">em um Pai da Nação. Para isso, mediante o enfrentamento dos fatos e a invocação da verdade, o Supremo faz uma súplica aos parlamentares para que os ímpios se transformem <_st13a_personname productid="em justos. Amém." w:st="on">em justos. Amém.

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*Advogado do escritório Candido de Oliveira - Advogados









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