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O médico e a Ortotanásia

O Conselho Federal de Medicina, em atitude corajosa e até mesmo revolucionária, editou a Resolução nº. 1805/2006, que regulamentava a realização da ortotanásia no Brasil. O procedimento permite ao médico limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a vida do paciente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, desde que haja consentimento do paciente ou seu representante legal.

27/12/2007


O médico e a Ortotanásia

Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

O Conselho Federal de Medicina, em atitude corajosa e até mesmo revolucionária, editou a Resolução nº. 1805/2006, que regulamentava a realização da ortotanásia no Brasil. O procedimento permite ao médico limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a vida do paciente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, desde que haja consentimento do paciente ou seu representante legal.

Ortotanásia difere da eutanásia. É o procedimento em que o médico suspende ou limita os meios artificiais para prolongar a vida de um doente terminal, ministrando-lhe, no entanto, medicamentos para diminuir seu sofrimento, além de conferir conforto familiar, psíquico e espiritual. A eutanásia, por sua vez, nada mais é do que a antecipação da morte do doente terminal, com a contribuição efetiva de alguém, aplicando-lhe, por exemplo, alguma droga.

O tema é polêmico não só no Direito e na Medicina, mas em todas as áreas que envolvem a ética do conhecimento humano. Tanto é que, recentemente, o Juízo da 14ª Vara Federal do Distrito Federal suspendeu os efeitos da Resolução nº. 1805/06, não permitindo, desta forma, a realização do procedimento.

Juridicamente analisada, a Resolução nada mais é do que uma decisão tomada por uma corporação a respeito de determinado tema e, na hierarquia das leis, não é superior ao Código Penal (clique aqui), este sim resultado de uma lei discutida e aprovada pelo Parlamento, com legitimidade para tanto. Quer isto dizer que, mesmo na vigência da Resolução do Conselho Federal de Medicina, o médico que praticasse a ortotanásia estaria isento de qualquer processo administrativo de natureza ética, porém não teria afastada sua responsabilidade criminal, vez que, pelo critério do Código Penal, praticou um crime de homicídio.

O imbróglio continua. Tramita pelo Congresso Nacional a reforma do Código Penal e, em sua parte especial, prevê a inclusão de privilégio ao homicídio cometido por eutanásia e a descriminação da ortotanásia. Enquanto, porém, não for solucionado o impasse legislativo permissivo da conduta, o procedimento médico é condenável do ponto de vista jurídico, embora tenha uma carrada de argumentos favoráveis.

É interessante observar que no documento "Declaração sobre a Eutanásia", da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aprovado em 5.5.<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1980, a">80, a Igreja Católica considera lícita a conduta do médico que, na iminência de uma morte inevitável, depois de ter lançado mão de todos os recursos necessários, renuncia a tratamento que daria somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao paciente.

Na realidade, a Igreja Católica repudia a eutanásia e a distanásia, sendo esta a morte lenta e sofrida de um doente terminal, com a utilização de todo arsenal terapêutico para prolongar o processo da morte. A aceitação da ortotanásia, aquela considerada pelos gregos como a morte correta, na hora certa, que incorpora o atributo da dignidade humana, faz ver que o Conselho Federal de Medicina, apesar de agir imbuído de bons propósitos, trilhou caminho impróprio.

Os médicos, desta forma, devem agir ativamente, cuidar de seus pacientes incuráveis com o mesmo zelo e jamais optar pela ação ou omissão criminosas. Em outras palavras, nada mais resta do que cumprir o juramento de Hipócrates: não dar veneno a ninguém, embora solicitado a assim fazer, nem aconselhar tal procedimento.

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*Promotor de Justiça aposentado, advogado, Pró-Reitor da Unorp




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