Migalhas Quentes

CNJ muda entendimento e permitirá aos bancos privados administrarem os depósitos judiciais

Estima-se R$ 700 bilhões em depósitos judiciais atualmente.

16/8/2019

A partir de pedido do TJ/SP, o CNJ voltou a debater a possibilidade de os depósitos judiciais serem realizados em bancos privados.

O TJ/SP requereu autorização para realizar uma licitação entre bancos públicos e privados para contratação de serviços de administração de depósitos judiciais.  

O julgamento no plenário virtual já conta com 12 votos favoráveis ao pedido do Tribunal bandeirante e apenas um contrário. Como só falta um voto a ser proferido, é improvável uma mudança no resultado.

Entendimento vigente

A questão não é nova no Conselho: em 2008, com poucos anos de existência, o CNJ decidiu que os bancos privados não poderiam administrar depósitos judiciais, segundo decisão que anulou os convênios realizados entre o Bradesco e os TJs do RJ e de MG.

Na ocasião, por 9 votos a 4, prevaleceu o entendimento do então relator do processo, conselheiro Altino Pedrozo, que afirmou no voto que os bens penhorados, segundo estabelece o CPC/73, serão preferencialmente depositados no BB, na CEF ou em um banco estadual, podendo ser depositados em bancos particulares apenas quando não houvesse instituições financeiras oficiais.

O julgamento, com tese contrária à defendida pelo BB, contou com três pareceres de peso, assinados por Adilson Dallari, Luís Roberto Barroso e Candido Rangel Dinamarco.

À época, Migalhas já defendia que o argumento de que os depósitos judiciais só podem ficar em bancos oficiais parecia meio antiquado, já que foi feito na época em que o sistema financeiro era outro – e era bem o caso de o CNJ, com as devidas cautelas, dar um bom norte à coisa, considerando o fato de que com o dinheiro parado em banco oficial, alguém está ganhando. E, nem só o Estado, pois o banco tem acionistas privados. Em minoria, mas tem.  

Fim do monopólio

Agora, o CNJ caminha para a permissão dos depósitos ficarem sob gestão dos bancos privados. O relator, conselheiro Arnaldo Hossepian, anotou  no voto que a interpretação de que os depósitos judiciais devem ser efetivados prioritariamente nos bancos públicos estaria em descompasso ao princípio federativo, do artigo 1º da CF, cujo norma preconiza que o “Estado Democrático de Direito” deve ter como fundamento, dentre outros, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

A hermenêutica constitucional não consagra qualquer espécie de “monopólio” em favor dos bancos públicos, sob pena de vulneração aos princípios federativo, da livre iniciativa e das normas que vedam o favorecimento de empresas estatais quando exploradoras da atividade econômica. Oportuno assinalar que o art. 177 da Constituição Federal, ao definir as atividades exercidas sob o monopólio da União, não estabeleceu, dentre elas, a atividade que importa para a administração dos depósitos judiciais.

O conselheiro argumentou que o Judiciário apenas e tão somente é responsável provisório dos valores, não podendo se eximir de entregar/devolver a quem de direito, com a devida atualização.    

Qualificando-se como guardião do patrimônio penhorado, tem o Poder Judiciário a missão de adotar mecanismos necessários para a seleção de instituição financeira com suporte logístico e creditício suficiente para a segurança dos depósitos judiciais, observado o volume operacional de cada Estado e as particularidades inerentes.”

De acordo com o relator, ao empregar o advérbio preferencialmente (art. 840 do CPC), o legislador atribuiu margem de discricionariedade ao agente público, facultando-lhe o exercício de escolhas motivadas, devidamente fundamentadas na realidade do caso concreto.

Respeitada a evolução histórico-sistemática da norma, tem o condão de assegurar o reconhecimento da necessária autonomia do Tribunal (e do respectivo juízo) em poder avaliar a proposta mais adequada para a administração dos depósitos judiciais, afastando aquelas economicamente desvantajosas para a rentabilidade das contas.”

Assim, o conselheiro Arnaldo propôs facultar à administração do Tribunal a possibilidade de:

(i) efetuar os depósitos judiciais no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal, ou,

(ii) não aceitando o critério preferencial proposto pelo legislador e observada a realidade do caso concreto, realizar procedimento seletivo (licitação) visando à escolha da proposta mais adequada para a administração dos recursos dos particulares, com aplicação dos regramentos legais e princípios constitucionais aplicáveis.

Em voto convergente, o conselheiro Henrique Ávila ressaltou que "um verdadeiro duopólio institucional em favor das duas maiores instituições bancárias estatais" foi estabelecido com a aquiescência do CNJ. Ponderou ainda que a questão em debate diz respeito aos valores depositados em juízo cuja titularidade é do particular — no caso, das partes em disputa.

"É imprescindível, no caso presente, que o tratamento dado para situações similares também guardem identidade entre si, de modo a se conferir maior segurança jurídica aos agentes econômicos (instituições bancárias, pessoas naturais e jurídicas — estatais ou não, e o administrador judiciário)."

Ávila lembrou que o sistema bancário brasileiro se encontra dentre os mais sólidos do mundo, com rígidos parâmetros de monitoramento e de fiscalização pelo BC.

"Em igualdade de condições, portanto, não se justifica a manutenção de um tratamento anti-isonômico, anticoncorrencial e monopolizante em benefício de instituições bancárias integrantes da Administração Pública."

Confirmada a possibilidade dos bancos privados gerirem os depósitos judiciais, a expectativa é que Banco do Brasil e Caixa acionem o STF contra a mudança.

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