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Indisponibilidade de bens pela Fazenda depende de decisão judicial, decide STF

Por maioria, os ministros admitiram a averbação de forma administrativa, mas vetaram a indisponibilidade de bens sem ordem judicial.

9/12/2020

(Imagem: Freepik)
O plenário do STF decidiu nesta quarta-feira, 9, que a Fazenda Nacional não pode, administrativamente, decretar a indisponibilidade de bens. Por maioria, os ministros admitiram a averbação, mas vetaram a indisponibilidade de bens sem ordem judicial.

O caso

As seis ações foram ajuizadas pelo PSB - Partido Socialista Brasileiro, ABAD - Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores, CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Conselho Federal da OAB, CNI - Confederação Nacional da Indústria, CNT - Confederação Nacional do Transporte.

As entidades questionam o artigo 25 da lei 13.606/18, que prevê a indisponibilidade de bens por meio da averbação pré-executória da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos. A norma assim prevê:

"Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados

§ 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

II - averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis."

Para autores da ação, ao atribuir à Fazenda Pública Federal o poder indiscriminado de regulamentar e decretar, unilateralmente e sem intervenção do Judiciário, a indisponibilidade dos bens de particulares, o dispositivo viola o princípio da separação de Poderes e os direitos à propriedade, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.

Na última semana, o ministro Marco Aurélio, relator do caso, votou por invalidar artigo 25 da lei 13.606/18 que possibilita à Fazenda Pública averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora, tornando-os indisponíveis. Para o decano, o dispositivo é medida coercitiva e constritiva, que se enquadra no conceito de sanção política.

Na tarde de hoje, votaram os demais ministros. Nunes Marques seguiu o entendimento de Marco Aurélio, no sentido de ser contra indisponibilidade de bens pela Fazenda independentemente de decisão judicial. Segundo o ministro, a sistemática implementada pela lei impugnada inverte a ordem das coisas ao determinar a indisponibilidade de bens antes mesmo de ter execução ajuizada.

Para o ministro, o argumento da ampliação da eficiência na cobrança de crédito tributário não impressiona como justificação para a medida, pois não se pode buscar satisfação do crédito em detrimento das garantias individuais, como direito à propriedade e a inafastabilidade do poder Judiciário.

“Indisponibilidade de bens por meio de ato exclusivamente administrativo um meio gravoso e desproporcional, tendo em vista atingir o direito à propriedade sem o devido processo legal”, afirmou. O ministro salientou que a medida soa como “sanção política” e meio coercitivo para a satisfação do crédito. 

Em breve voto, o ministro Edson Fachin seguiu o entendimento de que o bloqueio unilateral dos bens dos devedores rompe, por completo, o procedimento de sua cobrança instruído historicamente, consistindo em mecanismo indireto de cobrança. Portanto, segundo S. Exa., a previsão é inconstitucional.

Embora o ministro Luís Roberto Barroso considere legítima a forma de averbação prevista na lei, entende que a indisponibilidade de bens exige reserva de jurisdição, ou seja para S. Exa. é inconstitucional a indisponibilidade de bens de forma automática.

“A intervenção drástica sobre o direito de propriedade exige a atuação do poder Judiciário”, afirmou. Barroso entende que a Administração Pública tem meios legítimos e singelos de recorrer ao meio Judiciário para conseguir a indisponibilidade de bens. “A indisponibilidade não prescinde de reserva de jurisdição”, disse.

O ministro Ricardo Lewandowski entende que a norma, ao conferir a um órgão da administração tributária do Executivo o poder de tornar indisponíveis unilateralmente os bens de contribuintes inadimplentes, incorreu em afronta ao princípio de separação de poderes, pela reserva de jurisdição.

O ministro Gilmar Mendes iniciou seu voto ressaltando que a estipulação de indisponibilidade genérica pelo simples não pagamento de débito tributário é medida ofensiva ao princípio da proporcionalidade. “Há um grave problema quanto à chamada reserva legal”, ressaltou. De acordo com o ministro, a indisponibilidade de bens será eventualmente alcançável, desde que conte com a participação do Judiciário. O ministro fez uma ressalva quanto ao voto do relator, validando o modelo de averbação, mas declarando a inconstitucionalidade apenas do trecho “tornando-os indisponíveis” da lei.

O presidente Fux entendeu que a averbação da “indisponibilidade vai muito longe”, frisando que o direito de propriedade significa “usar, gozar e dispor”. “Não poder dispor significa não poder alienar”, afirmou. A averbação é possível, porque protege o Fisco e o terceiro, mas não é possível a indisponibilidade “não tem nenhum respaldo na lei processual e constitucional”, concluiu. 

O ministro Dias Toffoli abriu a divergência no sentido da constitucionalidade da indisponibilidade de bens pela Fazenda Pública independentemente de decisão judicial. Para o ministro, no dispositivo impugnado:

Para Dias Toffoli, a averbação pré-executória não resulta em expropriação de bens, mas em sua indisponibilidade temporária. O ministro frisou que o novo modelo de cobrança busca enfrentar a morosidade das execuções fiscais, que respondem a mais de 30% dos 78 milhões de processos que correm no Brasil. 

Por fim, o ministro julgou improcedentes as ações, pois entendeu que a medida contestada veio para aprimorar a eficiência e a eficácia da cobrança do crédito inscrito em dívida ativa, sem se desgarrar da garantia ao Judiciário. 

O ministro Alexandre de Moraes afastou a alegação de inconstitucionalidade formal, pois trata-se de matéria de um mero instrumento de cobrança do crédito tributário, “não amplia ou diminui patrimônio de devedor”, frisou.

O ministro também afastou a alegação da inconstitucionalidade material, no sentido de que não há afronta ao contraditório e à ampla defesa, pois na legislação há a previsão de meios de impugnação do devedor e, inclusive, de terceiro interessado.

Além disso, Moraes ressaltou que a norma não representa expropriação de bens, mas apenas uma indisponibilidade de bens de forma temporária. O ministro reiterou fundamento de Toffoli de que não há violação ao princípio da autonomia, pois a finalidade é de evitar fraude fiscal. Por fim, o ministro afirmou que a norma vem para aumentar a eficiência das execuções fiscais.

“Esse dinheiro devido, que precisa ser executado via execução fiscal, é dinheiro da sociedade para possibilitar o impulsionamento de políticas públicas.”

No mesmo sentido votou a ministra Rosa Weber ao ressaltar a diferença entre a indisponibilidade e a inalienabilidade. "A denominada averbação pré-executória provoca indisponibilidade restrita e temporária suscetíveis a satisfazer o crédito inscrito em dívida ativa da União e não se confunde com a penhora".

A ministra Cármen Lúcia entende que a matéria se refere à procedimento para que se dê eficácia plena, do ponto de vista administrativo, ao que deliberado na execução fiscal. Por fim, julgou improcedentes as seis ações. 

 

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