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Comissão de juristas vota relatório final do Código Civil em abril

Texto traz importantes alterações nas áreas dos direitos de família, digital e dos animais.

19/3/2024

No final de fevereiro, a comissão de juristas encarregada da revisão e modernização do Código Civil (lei 10.406/02) teve a oportunidade de analisar os relatórios elaborados pelos professores Flávio Tartuce e Rosa Maria de Andrade Nery. Está previsto que a votação do relatório final ocorra na primeira semana de abril, marcando um passo significativo na atualização desta legislação fundamental.

Leia o relatório completo.

De acordo com a relatora, professora Rosa Maria, o novo texto trará de forma clara que “a vida termina com a morte encefálica”, o que pode colaborar com os transplantes de órgãos. Segundo a professora, temas relacionados a crianças, animais, domicílio, obrigações e situações de ausências foram “alargados” no texto de seu relatório. Ela também reconheceu que a parte de direito empresarial deve gerar divergências que demandam mais debate.

Comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil conheceu os relatórios apresentados pelos professores Flávio Tartuce e Rosa Maria de Andrade Nery.(Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado)

Rosa Maria ainda disse que, na parte da família, haverá a previsão de direitos para a mulher gestante. Ela adiantou ainda que, em outros temas da família, será difícil encontrar consenso. Para a professora, no entanto, será possível chegar a um acordo mesmo em temas polêmicos.

Na ocasião, o professor Flávio Tartuce também apresentou um resumo de seu relatório, que abrange questões como Direito Digital e direito das coisas (que trata dos direitos de posse e propriedade de bens), revisão contratual e sucessões. Ressaltando que a comissão tem como membros “alguns dos civilistas mais importantes do país”, o jurista pediu um esforço de todos os colegas em busca de acordo sobre o relatório final. Ele ainda informou que preferiu não tratar do sistema de garantias por ser um tema que está sendo abordado em alguns projetos de lei dentro do Congresso. 

Veja detalhes:

A relatora, desembargadora Rosa Nery, afirmou que a intenção das alterações, na parte geral do Código, foi trazer, nos primeiros artigos, uma alusão à personalidade internacional, incluindo no sistema a declaração de respeito a tratados internacionais, dando a todos os sujeitos de direito a possibilidade de exercer direitos civis. 

No art. 5º foram propostas mudanças para dar mais expressão às crianças, que poderão expor vontades em casos de direitos de família, principalmente quando os pais não concordarem entre si.

No mais, foi sugerido o acréscimo do termo "morte encefálica", no art. 6º, que trata do fim da existência da pessoa natural. 

Rosa Nery destacou que nos artigos que abrangem registro civil das pessoas naturais e respectivas averbações, foi proposta exigência de documentação mais precisa quanto a dados pessoais. 

Segundo a relatora, foram propostas modificações em diretivas de vontades no fim da vida, práticas das pessoas no trato de interesses personalíssimos (imagem, nome, identidade) e relações entre pessoas e seus animais (afetividade).

Foi proposto o uso do termo "convivente" em vez do termo "companheiro", nos casos de união estável. 

A relatora Rosa Nery apontou que no art. 91-A foi proposta definição de animais como seres vivos, passíveis de proteção jurídica própria em virtude de sua natureza especial.

No art. 108 foi proposta modificação para que se exija escritura pública em toda relação que transmita bens imóveis, não importando o valor.

Professor Flávio Tartuce pontuou que quanto a juros, foi sugerida a adoção da teoria mais simples, de 1% com possibilidade de, no máximo, dobrá-los, conforme lei de usura.

Rosa Nery destacou que temas sobre responsabilidade civil terão grande incidência nos debates futuros.

Segundo a relatora, especificidades de contratos empresariais configuram ponto nevrálgico no tema de direito empresarial.

Os dois relatores entendem que colocar o assunto no centro do livro de empresas, como propôs a subcomissão, é tratar a matéria de forma assistemática. Eles concordam que tais especificidades devem ser alocadas no livro que aborda os demais contratos. 

Flávio Tartuce relatou que a ampliação da liberdade contratual foi aceita nos contratos paritários e simétricos.

Segundo o professor, talvez o primeiro tópico a ser debatido nos próximos dias será a posição da "renúncia prévia à herança" dentro do Código. Tartuce entende que o assunto deve estar no art. 426 do CC, já Rosa Nery entende que deve ficar no art. 1.695, em regime de bens.

Quanto à doação de cônjuge ao cúmplice, a comissão propôs a revogação, com a qual Tartuce concordou e Rosa Nery discordou.

Os relatores propuseram que o prazo para ação anulatória será contado do registro, ou da ciência anterior, o que ocorrer primeiro. 

Tartuce afirmou que a matéria do direito das coisas tem diversos pontos que não se encontram maduros para abordagem, como o novo sistema de garantias proposto por PL ainda em trâmite no Congresso ou a adoção da propriedade fiduciária como patrimônio separado.

Com relação ao pacto comissório, o relator admitiu sua liberação em contratos paritários e simétricos, mas Rosa Nery a refutou.

Outra divergência entre os relatores esteve no critério para a usucapião: Tartuce entende que deve ser o da justa causa, Rosa Nery entende que deve ser o do justo título.

Eles ressaltaram que os casos de locação por aplicativo foram incluídos no texto, além de um regramento para estabelecer que a propriedade obriga o proprietário e proposições de melhorias no tratamento da multipropriedade.

Ademais, destacaram que foram feitas alterações pontuais em todos os direitos reais.

Segundo Rosa Nery, não há possibilidade de unanimidade nos assuntos de família. Ainda assim, as decisões devem ser práticas com um olhar voltado à segurança. 

Os relatores divergem quanto à denominação do título: direito de família ou direito das famílias? Para Rosa Nery a primeira opção é mais própria, por abranger famílias "indefinidas". Ela entende que a opção "das famílias", defendida por Tartuce, seria mais restritiva.

Foram incluídas no CC proposições de proteção à gravidez dentro do espaço de segredo familiar, para evitar a impertinência de comentários e interferências desnecessárias nas decisões da mulher e dos casais.

Houve, ademais, proposta de separação dos conceitos de família conjugal, abrangendo casamento e união estável (registrada ou não), e de família não conjugal. Esta última abarca pessoas que se unem, na intenção de constituir família, mas composta por membros como irmãos que passam a morar juntos após a viuvez.

Os relatores apontaram que o termo concubinato foi retirado do Código Civil, e o processo de habilitação de casamento foi ajustado, tendo sido proposto um "procedimento pré-nupcial", mais simples. 

Ainda, afirmaram que divergem quanto a manutenção, ou extinção, de causas impositivas de separação de bens. Para Tartuce elas devem ser extintas; Rosa Nery entende que devem ser mantidas.

Tartuce afirmou que o trust não foi considerado como integrante do fideicomisso. 

Já quanto à proposta da manutenção da concorrência sucessória, feita pela subcomissão, os relatores não a acataram. Eles sugeriram a adoção de um sistema mais simples, conforme o existente no CC de 1916, separando regime de bens e sucessão.

Uma inovação do texto, segundo Flávio Tartuce, foi o livro de Direito Digital que provavelmente ficará localizado no final do CC. 

Os relatores anunciaram a criação dos seguintes capítulos:

Eles também apresentaram propostas de artigos tratando do direito de desindexação e ao esquecimento, com a retirada de conteúdo ofensivo a partir de alguns critérios e sem prejuízo da responsabilidade civil.

Ao final, pontuaram que o tema dos "neurodireitos", conforme proposto pela subcomissão, não foi tratado profundamente pela relatoria geral, até este momento.

Atualização do CC

Criada em setembro de 2023 por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a comissão de juristas que trabalha na atualização do Código Civil é presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ. A relatoria do projeto compete à desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery e ao professor Flávio Tartuce.

Ademais integram a comissão ministros Marco Aurélio Bellizze (vice-presidente), Marco Buzzi, Cesar Asfor Rocha, João Otávio de Noronha e ministra Maria Isabel Gallotti. O grupo conta também com nomes importantes de professores, desembargadores, juízes, um procurador e um advogado.

No total, 38 integrantes, divididos em oito subcomissões temáticas (cada uma com um sub-relator) discutiram a parte geral do Código, obrigações e responsabilidade civil, contratos, direito das coisas, direito das famílias, sucessões, direito digital e direito empresarial.

Segundo a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da ADFAS - Associação Brasileira de Direito de Família e Sucessões, entre os temas trabalhados pela comissão que podem sofrer alterações no Código Civil estão casamento, união estável, paternidade socioafetiva, pensão alimentícia e heranças.

Esteja imerso no tema!

Quer entender melhor as mudanças? Não perca o evento online do Migalhas "A Reforma do Código Civil", que acontece no dia 7 de maio, das 9h às 12h30. 

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