Antes de processar administradores por suposta corrupção, é preciso anular assembleia que aprovou contas. Assim concluiu a 3ª turma do STJ ao julgar, nesta terça-feira, 11, recurso envolvendo grupo empresarial que acusava ex-diretores de receber vantagens ilícitas milionárias em contratos supostamente lesivos às companhias, num esquema de corrupção corporativa entre 2012 e 2015.
Decisão se deu por maioria, com placar de 3 a 2, seguindo o voto-vista do ministro Villas Bôas Cueva.
De acordo com a ação, os ex-administradores teriam recebido mais de R$ 98 milhões por meio de intermediação de outra empresa. O TJ/RS havia extinguido o processo sem julgamento de mérito, entendendo que, conforme a lei das S. A. (lei 6.404/76), a ação de responsabilidade civil contra administradores exige a prévia anulação da assembleia que aprovou suas contas.
O grupo recorreu ao STJ buscando afastar essa exigência.
Voto da relatora
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, defendeu que a ação deveria prosseguir, sem necessidade de anulação prévia das assembleias.
Ela reconheceu que há jurisprudência do STJ no sentido de que a aprovação das contas exonera os administradores de responsabilidade, salvo anulação judicial. Contudo, ponderou que o entendimento não se aplica quando o que se discute são atos de corrupção, que não se enquadram nas atividades normais de gestão.
“Quando se discute a prática de atos de corrupção corporativa, os quais não podem ser enquadrados entre os atos do administrador submetidos à deliberação da assembleia, é reconhecer a impossibilidade da aplicação automática desse entendimento.”
Nancy destacou ainda que, no caso concreto, nem todas as assembleias foram realizadas, o que inviabilizaria exigir a anulação de ato inexistente. Para ela, subordinar a ação indenizatória à anulação prévia seria premiar o administrador que atuou de má-fé, violando deveres de lealdade, diligência e informação. “A clássica lição de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza é plenamente aplicável aqui.”
Assim, votou por dar parcial provimento ao recurso para permitir o retorno do processo à 1ª instância e o prosseguimento da apuração dos fatos.
O ministro Moura Ribeiro acompanhou o voto.
Voto divergente
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apresentou voto-vista divergente, defendendo a manutenção da decisão do TJ/RS. Para ele, a lei das S.A. é clara ao estabelecer que a aprovação das contas em assembleia tem efeito liberatório para os administradores, e somente sua anulação judicial pode afastar esse efeito.
“A aprovação das contas do administrador pela assembleia de acionistas exonera de responsabilidades e impede ação posterior, salvo nos casos de erro, dolo, fraude ou simulação.”
Cueva frisou que o STJ tem jurisprudência consolidada nesse sentido e advertiu que a flexibilização desse entendimento poderia gerar insegurança jurídica no mercado acionário. "Alterar essa lógica e o equilíbrio de forças estabelecido em lei tem o potencial de colocar em risco a estabilidade de todo o mercado."
Assim, o ministro votou por negar provimento ao recurso.
O ministro Humberto Martins acompanhou S. Exa.
Desempate
Em voto de minerva, Daniela Teixeira também entendeu que a melhor solução para o caso seria no sentido do voto divergente.
Ao manifestar-se, destacou que não há registro de inquérito, denúncia ou ação penal relacionada aos fatos narrados na ação. Segundo ela, a ausência de elementos criminais e as conclusões de uma auditoria independente e de uma arbitragem anterior, que consideraram regulares os contratos questionados, reforçam a inexistência de indícios de conluio.
“Não havendo imputação dolosa de conluio dos diretores, não é possível presumir má-fé apenas em razão do prejuízo eventualmente suportado pela empresa.”
Daniela concluiu que o caso não apresentava fundamentos suficientes para afastar a jurisprudência firmada pelo STJ, e acompanhou o voto divergente, formando maioria para negar provimento ao REsp.
- Processo: REsp 2.207.934