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STF derruba marco temporal para demarcação de terras indígenas

Julgamento virtual afastou a limitação temporal e manteve divergências sobre indenização a ocupantes de áreas reconhecidas.

19/12/2025
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O STF decidiu, nesta quinta-feira, 18, em Brasília/DF, reconhecer a inconstitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas, ao invalidar o entendimento de que os indígenas só teriam direito às áreas que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da CF, ou que estivessem em disputa judicial na época.

Com o resultado, foi invalidado o entendimento de que a ocupação ou a existência de litígio em 5 de outubro de 1988 funcionaria como requisito para o reconhecimento territorial indígena. 

Ainda assim, não houve consenso em relação a diversos pontos apresentados pelo relator, ministro Gilmar Mendes, como regras para indenizações a produtores rurais que ocupem propriedades que venham a ser reconhecidas como terras indígenas, entre outros aspectos discutidos no julgamento. 

Os detalhes da decisão seriam publicados após a finalização oficial do julgamento virtual, previsto para ser encerrado às 23h59 desta quinta-feira, 18.

Entenda

Dois anos após o STF declarar o marco temporal inconstitucional, os ministros voltaram a analisar o tema. Em 2023, o STF considerou que o marco temporal é inconstitucional. No mesmo ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parte da lei 14.701/23, na qual o Congresso Nacional validou a regra, mas os parlamentares derrubaram o veto.

Após a votação do veto presidencial, PL, PP protocolaram ações no STF para manter a validade do projeto de lei que reconheceu a tese do marco temporal. Em sentido oposto, entidades representativas de indígenas e partidos governistas também recorreram ao Supremo para contestar novamente a constitucionalidade da tese.

Em paralelo ao julgamento no STF, o Senado Federal aprovou, na semana passada, a PEC 48/23, que insere a tese do marco temporal na Carta Magna.

STF reconhece inconstitucionalidade do marco temporal em terras indígenas.(Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress)

Voto do relator

Relator dos processos, ministro Gilmar Mendes defendeu a adoção de uma solução estrutural e transitória para enfrentar os conflitos fundiários envolvendo terras indígenas.

Segundo o ministro, o tema deve ser examinado à luz da CF, da jurisprudência consolidada do STF - especialmente no Tema 1.031, que afastou o marco temporal - e dos precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nesse sentido, propôs o reconhecimento da omissão da União quanto às demarcações, a fixação de diretrizes constitucionais para a aplicação da lei 14.701/23 e a adoção de medidas estruturais voltadas à pacificação dos conflitos fundiários envolvendo terras indígenas.

Leia o voto do relator.

O entendimento foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes.

Em voto, Moraes reforçou que o marco temporal não pode funcionar como critério definitivo para impedir demarcações e destacou que a referência a 5/10/88 deve servir apenas para definir o regime protetivo e indenizatório aplicável, conforme as teses do Tema 1.031.

Leia o voto do ministro Alexandre de Moraes.

Ressalvas

Ministro Flávio Dino acompanhou o relator na maior parte do voto, no entanto, apresentou ressalvas pontuais, defendendo a inconstitucionalidade de dispositivos específicos da lei 14.701/23 que, para S. Exa., fragilizariam a proteção territorial indígena, como regras que subordinam o usufruto indígena à gestão de unidades de conservação por órgãos ambientais e normas que flexibilizam a exploração econômica por não indígenas.

Para S. Exa., o caso envolve forte colisão entre direitos constitucionais, exigindo harmonização pela unidade da CF, porém com prioridade interpretativa aos direitos indígenas, por serem o grupo mais vulnerável e historicamente dependente da atuação estatal.

Dino concordou com o reconhecimento da omissão inconstitucional da União na demarcação, mas ressaltou que a mora prolongada agrava tanto a ameaça à existência das comunidades indígenas quanto a insegurança jurídica de não indígenas afetados.

S. Exa. também afirmou que qualquer tentativa de instituir o marco temporal, inclusive via emenda constitucional, seria materialmente inconstitucional por violar o núcleo essencial do art. 231 da CF, já que a Constituição reconhece direitos originários e não permite condicioná-los à ocupação em 5 de outubro de 1988, o que configuraria retrocesso e proteção insuficiente.

Além disso, tratou da autodeterminação dos povos indígenas, defendendo que cabe às próprias comunidades definir seus modos de vida, sem imposições etnocêntricas do Estado ou do Judiciário, com a CF atuando como instrumento de máxima proteção e mínima ingerência.

Por fim, acompanhou o relator no reconhecimento do descumprimento do art. 67 do ADCT, mas propôs prazo maior para cumprimento, de 180 dias, em razão da complexidade das providências necessárias para concluir as demarcações.

Leia o voto do ministro Flávio Dino.

Na mesma linha, ministro Cristiano Zanin destacou que a análise deve se restringir ao texto da Constituição e à máxima efetividade dos direitos indígenas, reconhecidos como originários, com terras pertencentes à União, inalienáveis e imprescritíveis. 

No mérito, aderiu à declaração de inconstitucionalidade de trechos que vinculavam a caracterização de terras tradicionalmente ocupadas à data de promulgação da CF e que estruturavam o marco temporal, ao mesmo tempo em que manteve a necessidade de comprovação dos requisitos constitucionais por critérios objetivos. 

Por fim, registrou convergência com as ressalvas de Flávio Dino quanto ao art. 10, por entender suficientes as regras da lei 9.784/99 para o processo administrativo, e quanto ao art. 23, ao apontar inversão do regime de proteção ao subordinar o usufruto indígena ao órgão gestor ambiental. 

Leia o voto de Zanin.

Já o ministro Dias Toffoli reafirmou a originalidade dos direitos indígenas e acompanhou o relator para declarar inconstitucionais os trechos que sustentavam o marco temporal, afastando referências à data da promulgação da CF e a 5/10/88 como condicionante. 

S. Exa. também aderiu a interpretações conformes para ajustar dispositivos do procedimento demarcatório, fez ressalva para considerar constitucional o art. 9º, §1º (vinculando a boa-fé das benfeitorias até a Portaria Declaratória), considerou inconstitucional o art. 11, parágrafo único, por ampliar indevidamente a indenização por “posses legítimas” com base em mero documento estatal, e acompanhou as ressalvas de Flávio Dino sobre o art. 10. 

Por fim, Toffoli acompanhou o reconhecimento da omissão inconstitucional do art. 67 do ADCT, com ressalvas pontuais sobre itens do procedimento proposto, e aderiu à ampliação do prazo para 180 dias, dada a complexidade das providências para concluir demarcações. 

Leia o voto do ministro Dias Toffoli.

O ministro Edson Fachin seguiu o relator ao afastar o marco temporal, mas abriu divergência em pontos centrais da lei 14.701/23. Ele acompanhou as razões do ministro Flávio Dino para declarar inconstitucionais o art. 10, o art. 23, §§ 1º e 2º, e o art. 26, § 2º. Além disso, apontou inconstitucionalidade formal nos arts. 20, parágrafo único; 22; 24, § 3º; e 25, por tratarem de matéria reservada à lei complementar, e reconheceu inconstitucionalidade material do art. 4º, § 7º, dos arts. 5º e 6º, do art. 9º, caput e §§ 1º e 2º, e do art. 11, caput e parágrafo único.

Leia o voto do ministro Edson Fachin.

A ministra Cármen Lúcia acompanhou a divergência de Fachin.

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