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Medidas executivas atípicas: Uma breve retrospectiva dos julgados do STJ e uma aposta para o julgamento do Tema 1137

sexta-feira, 24 de março de 2023

Atualizado às 08:40

Desde que o seu uso foi generalizado pelo art. 139, IV, do Código de Processo Civil de 20151, as chamadas medidas executivas atípicas, têm sido alvo de polêmicas tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.

Em fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 59412 a qual, dentre outros temas, questionava a constitucionalidade de quatro medidas atípicas: apreensão da carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir; a apreensão de passaporte; a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública. As medidas foram consideradas constitucionais pelo Tribunal, nos termos do voto do relator, Ministro Luiz Fux, desde que não avancem sobre os direitos fundamentais e que observem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Segundo Fux, é inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados. O Ministro destacou, contudo, que o juiz, ao aplicar as medidas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e de promover a dignidade da pessoa humana (art.8º do CPC). Também deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado (art. 805 do CPC). Nessa direção, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso3.

A despeito da relevância deste julgamento, o principal palco de discussão acerca dos contornos do art. 139, IV, do CPC, considerado uma cláusula geral aberta, tem sido o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ao julgar o Habeas Corpus (HC) 711.1944, por exemplo, o Tribunal decidiu que as medidas executivas atípicas, quando coercitivas, não devem ter limitação temporal. Nessa direção, o Tribunal assentou que não deve haver um tempo pré-estabelecido fixamente para a duração da medida coercitiva, que deve perdurar pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso adimplir a obrigação do que, por exemplo, não poder realizar viagens internacionais.

E não é só. Encontra-se pendente na Corte a análise do Tema 1.1375, que vai definir, sob o rito dos recursos repetitivos, "se, com esteio no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, é possível ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade das medidas, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos". Foram selecionados dois Recursos Especiais, 1.955.539 e 1.955.574, como representativos da controvérsia. A relatoria do tema ficou sob a incumbência do ministro Marco Buzzi.

Longe de ofuscar a futura análise do tema pelo STJ, o julgamento da ADI n.5941, que se limitou a proclamar a constitucionalidade do art. 139, IV, do CPC, ressalvando expressamente que sua aplicação deve observar casuisticamente os princípios processuais e constitucionais dos artigos 1º, 8º e 805, do CPC, deixou para o STJ a complexa missão de detalhar quais são os requisitos para a aplicação no caso concreto das medidas executivas ativas.

Considerando o protagonismo do Tribunal da Cidadania na delimitação deste importante instituto, nosso singelo artigo se propõe a recuperar a trajetória das medidas executivas atípicas no mencionado Tribunal como forma de antever o resultado do julgamento do Tema 1.137.

Assim, através da citação de 10 julgados envolvendo a aplicação das medidas executivas atípicas no âmbito do STJ, convidamos o leitor a percorrer novamente esse, desde sempre controverso, mas igualmente instigante, caminho, para, ao final, conhecer a nossa aposta quanto ao julgamento do Tema 1.137.

Em junho de 2018, a 3ª Turma do STJ se deparou com o instituto pela primeira vez. O HC 97.8766 questionava a medida executiva atípica de retenção do passaporte. O relator do recurso, ministro Luiz Felipe Salomão, reconheceu a validade da utilização do uso do habeas corpus para questionar a apreensão de passaporte, uma vez quem, no seu entendimento, a medida limitava a liberdade de locomoção. O HC, no entanto, foi deferido, pois como não havia sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprovava necessária. Não obstante, a Turma firmou precedente importante no sentido de que seria ilegal e arbitrária a retenção do passaporte em decisão judicial não fundamentada e sem a observação do contraditório: "O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência", registrou o voto do relator.

Em dezembro de 2018, ao julgar o HC 99.6067, o Tribunal novamente enfrentou o tema e reconheceu a legalidade da decisão judicial que restringia a saída do país do executado como medida coercitiva indireta para pagamento do débito. Neste caso concreto, o devedor embora tenha alegado o princípio da menor onerosidade, deixou de indicar quais seriam os meios menos onerosos e mais eficazes para a quitação da dívida. A Ministra Nancy Andrighi, relatora do HC, entendeu que essa omissão seria uma conduta violadora aos deveres de boa-fé e de colaboração. Assim, a 3ª Turma denegou a ordem de habeas corpus ao devedor e ressalvou a possibilidade de modificação posterior da medida de constrição caso venha a ser apresentada sugestão alternativa de pagamento.

Logo na sequência, em 2019, seguindo as diretrizes da doutrina, no julgamento do REsp 1782418-RJ8, o Tribunal delineou os requisitos necessários para a adoção de medidas atípicas pelo juízo, quais sejam: (i) esgotamento dos meios tradicionais para satisfação do crédito, (ii) devido processo legal, (iii) decisão fundamentada, (iv) não indicação de bens à penhora, (v) indícios de ocultação de patrimônio.

Neste mesmo ano, 2019, no julgamento do AREsp 1.495.012/SP9, considerado paradigma, o STJ afastou a utilização das medidas executivas atípicas como penalidade processual, bem como determinou que as medidas atípicas de satisfação de crédito não poderiam extrapolar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo respeitar ainda ao princípio da menor onerosidade ao devedor, previsto no art.805, parágrafo único, do CPC.

Ainda em 2019, outro importante julgado, o HC 453.870/PR10, fixa o entendimento de que a apreensão de passaporte em execução fiscal é desproporcional e inadequada à busca da satisfação do crédito da Fazenda Pública.

Já em 2020, no julgamento do REsp 1.864.19011, a 3ª Turma, na mesma direção do enunciado n° 12 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis (FPPC)12, ressaltou que as medidas executivas atípicas, previstas no art. 139, inciso IV, do CPC, tem caráter subsidiário em relação aos meios típicos e, por isso, o juízo deve observar  a presença de alguns pressupostos para autorizá-las, como por exemplo, indícios de que o devedor tem recursos para cumprir a obrigação e a comprovação de que foram esgotados os meios típicos para a satisfação do crédito.

Em março de 2021, ao julgar o RMS 61717/RJ13, a ministra Laurita Vaz da 6ª ¨Turma, em importante julgado envolvendo a Facebook Brasil, assentou o entendimento, encampado de maneira unânime pela Turma, que é possível fixar medidas executivas atípicas no processo penal, no caso de descumprimento de obrigações judiciais impostas à terceiros. 

Em junho de 2021, ao julgar o REsp 1.929.230/MT14, de relatoria do ministro Herman Benjamin, a 2ª Turma assentou o entendimento de que as medidas executivas atípicas são admitidas em casos em que o cumprimento da sentença busca a tutela da moralidade e do patrimônio público. O julgamento envolvia a fixação das mencionadas medidas em uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

No apagar de 2021, por meio do julgamento do REsp 1.951.176/SP15, de Relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma, por unanimidade, concluiu pela impossibilidade da quebra de sigilo bancário para a satisfação de um direito patrimonial disponível, tal como o adimplemento de obrigação pecuniária, de caráter eminentemente privado, mormente quando existentes outros meios suficientes ao atendimento dessa pretensão.  

Recentemente, como ressaltamos ao introduzir nosso singelo artigo, a Terceira Turma, por meio do HC 711.194/SP16, teve que se pronunciar a respeito da limitação temporal das medidas coercitivas atípicas, tema até então inédito no STJ. A questão foi alvo de divergências.

De acordo com o voto do ministro relator, Marco Aurélio Bellizze, a ordem de habeas corpus deveria ser concedida. Segundo o entendimento do ministro, não é possível que as medidas executivas atípicas sejam impostas por tempo indeterminado sem a demonstração de uma justificativa plausível, e que se revele apenas como uma penitência imposta ao devedor sem a potencialidade de coagi-lo ao adimplemento.

Não obstante, o voto-vista da ministra Nancy Andrighi, que inaugurou a divergência, prevaleceu. Analisando detalhadamente as sutilezas do caso concreto, a ministra consignou que as medidas atípicas "devem ser mantidas enquanto conseguirem operar sobre o devedor restrições pessoais suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores".

Resta pendente, porém, à Corte a importante tarefa de definir, em sede de recursos especiais repetitivos, a possibilidade ou não do magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos, através do julgamento do Tema 1137, cuja decisão de afetação suspendeu todos os feitos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão.

Depreende-se dos julgados elencados neste artigo que o STJ tem utilizado os seguintes critérios para avaliar a concessão ou não das medidas executivas atípicas: (i) ponderação; (ii) contraditório substancial; (iii) proporcionalidade;  (iv) observância dos valores em discussão;  (v) análise da existência de comportamento desleal para que não se configure medida de punição; (vi) adequação da medida ao caso concreto; (vii) existência de patrimônio; (ix) menor onerosidade do devedor e até mesmo (x) o equilíbrio entre as partes; sempre com o olhar no potencial satisfativo do crédito exequendo.

É importante registrar que os critérios não são estanques, mas dinâmicos, pois podem oscilar, segundo a análise do caso concreto. Nessa direção, nos parece que o magistrado de primeira instância, por conhecer melhor os melindres e os desdobramentos da causa, é o sujeito processual mais adequado para fixar as medidas executivas atípicas.

Considerando a trajetória das medidas executivas atípicas no Superior Tribunal de Justiça, apostamos que ao julgar o Tema 1137, a Corte  irá reiterar a jurisprudência do Tribunal que tem reconhecido que a adoção de medidas executivas atípicas é lícita e possível pelo magistrado, desde que exauridos previamente os meios típicos de satisfação do crédito exequendo e quando a medida se afigure adequada, necessária e razoável para efetivar a tutela do direito do credor em face do devedor, especialmente quando este demonstrar possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, mas intentar frustrar injustificadamente o processo executivo.

__________

1 Art.139, IV do CPC: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5941. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília.  Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

Disponível aqui

4 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 711.194-SP (2021/0392045-2). 3ª Turma. Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Relator para o acórdão: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, julgado em 21 jun. 2022.  Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023

5 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ProAfR no REsp n. 1.955.539/SP. Relator Ministro Marco Buzzi - Segunda Seção. julgado em 29/3/2022, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 07 abr.2022. 

6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 97.876-SP (2018/0104023-6). Relator: Min. Luis Felipe Salomão - 4ª Turma. Julgado em: 05 jun. 2018. Publicado em: 09 ago. 2018. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 99.606-SP (2018/0150671-9). Relatora: Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma. Julgado: 13 nov. 2018. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.782.418-RJ (2018/0313595-7). Relatora: Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma. Julgado em: 23 abr. 2019. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no Recurso Especial n. 1949624-SP (2021/0223200-3). Relatora: Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma. Julgado em: 04 abr. 2022. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

10 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 453.870-PR (2018/0138962-0). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho - 1ª Turma. Julgado em: 25 jun. 2019.Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.861.190-SP (2020/0049139-6). Relatora: Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma. Julgado em: 16 jun. 2020. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

12 Enunciado 12 FPPC: A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II.

13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança n. 61.717-RJ (2019/0257887-7). Relatora: Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma. Julgado em: 02 mar 2021. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.929.230-MT (2020/0165756-0) - Relatora: Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma. Julgado em: 04 mai. 2021. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.951.176-SP (2021/0235295-1) - Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze - 3ª Turma. Julgado em: 19 out. 2021. Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.

16 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 711.194-SP (2021/0392045-2). Relatora: Ministra Nancy Andrighi - 3ª Turma. Julgado em: 21 jun. 2022.Disponível aqui. Acessado em 05.02.2023.