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A responsabilidade dos bancos em meio a fraudes em boletos bancários

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Atualizado às 07:26

Os recursos resultantes do mundo tecnológico facilitaram e otimizaram as relações econômicas, a exemplo do pagamento das contas por plataformas, evento comum hodienarmente. Segundas vias de boleto, ou negociações financeiras podem ser facilmente realizadas pelo site da instituição financeira, por e-mail, ou até mesmo por WhatsApp. Todos esses artifícios são disponibilizados para que os consumidores tenham maior facilidade para realizar transações e honrar seus compromissos financeiros.

O pagamento de contas por meio de boletos é uma das formas mais comuns utilizadas pelos brasileiros para saldar suas dívidas de forma rápida e segura. No entanto, o espaço virtual apresenta problemas de segurança, como na emissão de boletos ou qunado golpistas se aproveitam da fragilidade do sistema e se fazem passar pelas empresas, para obter vantagem econômica dos consumidores.

Nesse universo de golpes cibernéticos, a indignação e frustração do consumidor lesado se mistura com a dúvida: quem vai arcar com os prejuízos sofridos?

Com esse crescente número de casos de boletos falsos, os Tribunais estão se movimentando para criar um entendimento uniforme sobre o assunto. Não obstante, isso se mostra uma tarefa difícil aos julgadores.

Nesse diapasão indaga-se, a responsabilidade nesses casos é da Instituição Financeira, que tem o dever de implementar políticas de segurança para evitar fraudes aos seus clientes? Ou, a responsabilidade é do cidadão médio, que se utilizou de meios não oficiais para tirar o boleto, não tendo o cuidado de conferir o beneficiário ao realizar o pagamento?

Em casos de pagamento de boletos fraudados, salienta-se que a tutela jurídica enquadra-se  na relação de consumo, sendo entre a instituição financeira uma fornencedora (ofertante profissional de forma onerosa) de serviços e recursos e o cliente, como adquirente definitvo, conforme art. 3º, §2º e art. 2º. do CDC.

Esses dispositivos e o enquadramento da atividade bancária como relação de consumo são ratificados pela súmula 297 do STJ, que dispõe que "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Logo, é dever das instituições financeiras prover a segurança necessária no acesso e uso dos serviços para seus clientes dentro (ou até meso fora) de suas dependências, independentemente de ser virtual ou física.

Considerando que o consumidor é sempre vulnerável (presunção absoluta) e na instrução probatório-processual é, em significativa parcela de casos, hipossuficiente, passa-se a analisar a responsabilidade do banco e a demonstração do nexo de causalidade entre o risco proveito e o dano sofrido pelo consumidor no caso de fraude de boletos, com base no art. 6º, inciso VIII, do CDC.

Importante garantia assegurada ao consumidor, diante de flagrante hipossuficiência deste em relação às grandes instituições financeiras, é a inversão do ônus da prova em juízo, visando restabelecer o equilíbrio na instrução processual, amenizando a diferença de forças entre polos processuais.

No caso em questão, a vulnerabilidade do consumidor não e apenas fática (socioeconômica), própria da relação de poder por parte do fornecedor, mas informacional e técnica, pois o desconhece o funcionamento sistêmica/funcional (o que pressupõe conhecimento técnico-científico), e a complexidade não permite acesso claro da informação sobre a oferta e uso do serviço.

Em função das dificuldade sobre o domínio técnico e o acesso probatório sobre o funcionamento do sistema eletrônico de serviços bancários, cabe à instituição financeira o ônus da prova, devendo comprovar a existência, no caso concreto, das excludentes de responsabilidade previstas nos art. 12, §3º e art. 14, §3º, ambos do CDC, quais sejam:  demonstrar inexistência de defeito na prestação do serviço, ou comprovar que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Nesse sentido, colaciona-se entendimento do TJ/DFT. In verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. BOLETO. EMISSÃO. MEDIANTE FRAUDE. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 1. A instituição financeira tem o dever de zelar pela segurança do sistema e das informações de seus consumidores, empregando mecanismos que impeçam a atuação de fraudadores. 2. É objetiva a responsabilidade da instituição financeira que permite que terceiros acessem o seu sistema e obtenham informações privilegiadas acerca de débitos vencidos e não pago, bem como dos dados de contato do cliente, dos valores em atraso, entre outras informações, facilitando a emissão de boletos mediante fraude. 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJ/DF 07383526820208070016 DF 0738352-68.2020.8.07.0016, relator: MARIA DE LOURDES ABREU, data de julgamento: 20/4/21, 3ª turma Cível, data de publicação: Publicado no PJe : 4/5/21 . Pág.: Sem Página Cadastrada).

No entanto, logo ao lado do TJ/DFT, o TJ/GO esposa entendimento sobre a necessidade da apresentação de provas mínima de envolvimento ou facilitação do banco no ato delituoso, desconfigurando a responsabilidade de indenizar quando o nexo de causalidade não foi completamente visualizado. Nesses termos:

EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. INADIMPLÊNCIA. PREJUÍZO MATERIAL. PAGAMENTO DE BOLETO FALSO EMITIDO POR TERCEIRO ESTELIONATÁRIO. DANOS MORAIS. COBRANÇAS. ILICITUDE AFASTADA. I - Ausentes provas do envolvimento ou facilitação do banco apelante no ato delituoso, não se tem os requisitos completos da responsabilidade civil, afastando-se, outrossim, o dever reparatório material (ressarcimento), nos termos do art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. II - O próprio autor confessa a inadimplência por 06 (seis) meses e, depois, mesmo tendo promovido o que achava ser a negociação da dívida, restou comprovado que o pagamento foi destinado ao estelionatário, continuando, pois, inadimplente, o que autoriza o credor a exercer seu legítimo direito de cobrança, não havendo, provas de excesso de ligações ou de pertubação exacerbada promovida pelo requerido a fim de se constituir o alegado dano moral, razão pela qual não cabe a referida condenação por ausência de ilicitude. SENTENÇA REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ/GO, apelação cível 5441176.29.2019.8.09.0028, Rel. Maurício Porfírio Rosa, 2ª câmara Cível, publicado em 5/3/21)

Também é importante salientar que a instituição bancária possui o dever de informar ao correntista quando há movimentações bancárias estranhas ao perfil do cliente e, quando isso não ocorre, resta configurada a má prestação de serviço por parte da instituição, isto é, a omissão do banco em avisar o cliente sobre movimentações estranhas em sua conta, gera responsabilidade.

Logo, a entidade bancária falha em seu dever de resguardar os dados do correntista, permitindo que terceiros tenham acesso, o que oportuniza atos de estelionatários, que fazem crer são realmente agentes da Instituição, pois possuem todas as suas informações pessoais que apenas um funcionário do banco teria.

Deve-se também considerar a responsabilidade de empresas intermediárias de pagamento online, frente aos golpes que vem ocorrendo em meio eletrônico, reconhecidas pela jurisidição civil, visto que ao permitir que qualquer indivíduo tenha a possibilidade de abrir conta em sua plataforma para receber pagamentos, passa a ser de sua responsabilidade o risco de possíveis fraudadores utilizarem de seus serviços. Ao permitir que qualquer pessoa emita boletos ao seu bel prazer, acaba por puxar a responsabilidade pelo risco do negócio desempenhado.

É importante citar a súmula 479 do STJ, que trata sobre a responsabilidade objetiva das instituições financeiras por danos gerados por fortuito interno, relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros, no âmbito de operações bancárias. Conforme palavras da ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.786.157/SP, as instituições financeiras são responsáveis em hipóteses de inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito, desvio de recursos em conta corrente e clonagem, bem como falsificação de cartões e até mesmo assaltos em agências.

Interessante é o acórdão recente do TJ/SC, ao julgar apelação do Banco Pan, requerendo a reforma da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos da inicial para condenar o Banco a pagar R$ 15 mil a título de danos morais à autora, o relator desembargador Alexandre Morais da Rosa trouxe em seu voto o conceito de caso fortuito externo.

Conforme dispõe o relator, o boleto pode ser emitido por qualquer pessoa, necessitando apenas dos dados do boleto, dados do emissor e do pagador. Para configurar culpa da instituição financeira, se mostra necessário que se verifique de forma direta ou indireta a participação da atividade bancária. Assim, consigna que "a mera alegação de que (a vítima) entrou em contato com o banco por meio do site e que recebeu o boleto falso por Whatsapp é insuficiente à demonstração do nexo de causalidade".

Além disso, cabe citar diretamente o tópico sobre culpa exclusiva da vítima. In verbis:

c.4) CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA: tratando-se de pagamento de boleto falso, é necessário analisar se houve participação (direta ou indireta) da atividade bancária, ou seja, se algum ato culposo pode lhe ser atribuída para além da compensação do pagamento efetivado por boleto. Se a parte autora utilizou os serviços online do banco réu, possui "logs" de uso do site do Banco, nos momentos respectivos, capazes de conferir suporte probatório mínimo. A mera alegação de que entrou em contato com o banco por meio do site e que recebeu o boleto falso por Whatsapp, é insuficiente à demonstração do nexo de causalidade. O fato de se dispor dos dados da parte autora decorre justamente de bancos de dados consultáveis por meio de OSINT (Open Source Intelligence), associados a consultas também públicas, dentre elas a do "Registrato" (https://www3.bcb.gov.br/registrato/login/).

Hodiernamente existe divergência entre o entendimento dos Tribunais pátrios e, em cada caso ofertado para resolução jurídica, são analisados aspectos fáticos como falsificação grosseira, forma, obtenção de dados do cliente pelo fraudador, disponibilização de informações fraudulentas nos sites oficiais, cuidado mínimo do cliente.

Muitas vezes o cliente entra no próprio site da instituição financeira, sendo o boleto falso emitido no ambiente supostamente seguro do banco, ou mesmo, quando o fraudador tem acesso aos dados pessoas da vítima, se passando pela instituição financeira, sabendo assim o número de prestações de um financiamento, o valor das parcelas e quais boletos estão em atraso. Em casos como esses, torna-se uma tarefa difícil aos Bancos demonstrar a ruptura do nexo de causalidade, sendo quase que certa a sua condenação ao pagamento de indenização.

A realidade é que, para evitar ser vítima de fraude é necessária uma certa malícia do cliente, evitando assim a culpa exclusiva da vítima. Como demonstrado neste artigo, não são todos os casos que o nexo de causalidade será capaz de condenar a instituição financeira a indenizar os danos sofridos, podendo a vítima sair de um longo processo judicial sem nada nas mãos.

Logo, não são em todos os casos que as instituições financeiras são responsáveis pelo dano sofrido pela vítima, especialmente se tratando de boletos fraudados em que a própria vítima não se utiliza das formas oficiais de comunicação e acaba por passar todos os seus dados aos fraudadores.

Muitos bancos, em seus sites oficiais, oferecem instruções e dicas para minimizar os casos de fraude aos seus clientes. O SERASA, em sua plataforma também dispõe de dicas para que menos pessoas caiam nesse tipo de golpe.

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CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Peixoto Braga. Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. 3 v.

KHOURI, PAULO R. ROQUE. Direito do Consumidor: contrato, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

ZORZI, Caroline Carvalhaes. Responsabilidade civil por danos a clientes nas agências bancárias. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 58/2012. P.105-131. Out-Dez/2012. Disponível aqui.