COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas de Responsabilidade Civil >
  4. STJ: o arbitramento do dano imaterial, o valor trazido na inicial e o julgamento dentro dos limites do pedido

STJ: o arbitramento do dano imaterial, o valor trazido na inicial e o julgamento dentro dos limites do pedido

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Atualizado às 08:35

Introdução 

Um dos temas relevantes e polêmicos no âmbito da responsabilidade civil guarda relação com o arbitramento judicial dos danos imateriais. Como quantificar, por exemplo, a lesão, a ofensa, ao corpo? à honra, ao nome? Daniel Silva Fampa e João Vitor Penna formulam a seguinte pergunta: "Quanto vale uma indenização por dano extrapatrimonial?1

As indagações acima trazidas, em que pese tenha a parte quantificado na petição inicial, a título de pedido, ficarão a cargo do juiz no sentido da resposta em sede de arbitramento da quantia a ser devida. Discussão, então, que pode ocorrer, é de as partes não se contentarem com o valor: uma, dizendo ser irrisório; a outra, muito elevado, podendo, inclusive, o debate ir para a seara de um julgamento realizado fora dos limites do pedido. Portanto, nossa proposta, nestas breves linhas, é a de analisar o processo civil válido à luz do arbitramento judicial contextualizado ao pedido feito pela parte. 

1. Arbitramento do dano imaterial 

Em relação ao arbitramento, percebemos que a doutrina destaca a atuação do magistrado no caso concreto, pois: 

O juiz, investindo-se na condição de árbitro, deverá fixar a quantia que considera razoável para compensar o dano sofrido. Por isso pode o magistrado valer-se de quaisquer parâmetros sugeridos pelas partes, ou mesmo adotados de acordo com sua consciência e noção de equidade, esta, na visão aristotélica de "justiça no caso concreto"2. 

1.1 O CPC e a exigência do valor pretendido pela parte 

O Código de Processo Civil é muito claro quanto à exigência de que a parte indique o valor da causa, também em relação ao dano imaterial: "Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido". Pedido, a seu turno, significa o "[...] que o autor veio buscar em juízo com a sua propositura".3

Mesmo que parte traga ou até sugira determinada quantia, o certo é que a reparação do dano imaterial deverá ocorrer através da função compensatória, como leciona Bruno Miragem, justamente pela natureza da ofensa, que torna impossível o retorno ao estado anterior ao da lesão.4

2. O arbitramento à luz do art. 492, do CPC 

A norma do caput do art. 492, do Código de Processo Civil, apresenta a seguinte redação: "Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado".

A doutrina, ensinando sobre o dispositivo processual civil acima transcrito, aduz que: "A regra do processo civil é que a sentença seja conforme ao pedido do demandante".5 De sorte que, caso não observada tal regra pelo juiz, a sentença se caracterizará como infra petita, ou seja, aquela que deixa de analisar um pedido ou um dos pedidos cumulados. Pode ocorrer de ser extra petita (justamente a discussão mais abaixo trazida ao STJ), com julgamento fora do pedido feito pelo autor da ação. Pode, ainda, revelar-se a sentença ultra petita, quando o órgão jurisdicional vai além dos limites do pedido. Independentemente desses casos, haverá desconformidade com o pedido, podendo a sentença vir a ser invalidada.6

Neste sentido ilustramos com a posição do Superior Tribunal de Justiça:

Ao analisar a peça exordial, constata-se que houve requerimento pela condenação a título de dano moral em valor a "ser fixado por V. Exa. em não menos que 40 salários mínimos":

[...]

Tem-se, portanto, que não foi estabelecido valor indenizatório máximo referente aos danos morais, tendo a autora feito mera estimativa e deixado a quantificação ao arbítrio judicial.7

3. Conclusão 

Em que pese às dificuldades de arbitramento do valor a título de danos imateriais, haja vista as inúmeras variáveis ou critérios a ser adotado pelo julgador, uma conclusão nos parece certa: em havendo a prova da ofensa a direitos da personalidade, o magistrado, ao arbitrar e, antes, apresentar a fundamentação clara no sentido de como julgou procedente o pedido e chegou à quantia, não terá violado a norma do art. 492, do CPC, independentemente do valor indicado pelo autor, se a título de sugestão trazida na inicial.

Por outro lado, se o demandante define um valor (e não o sugere), parece-nos certo afirmar que o arbitramento não pode superar o valor do pedido, sob pena, aí sim de ocorrer o julgamento justamente fora dos limites do pedido. Por outro lado, isso não significa dizer que o juiz, convencido da prova da ofensa a direitos da personalidade fique refém do valor atribuído à causa, mas, sim, arbitre quantia a observar o limite máximo, mas não mínimo, justamente pela compensação que a quantia oferece dada a natureza do dano. Portanto, julgado procedente o pedido, mas em relação ao quantum, o ordenamento não o vincula de forma automática ao pedido.

Tanto sentença como acórdão, ao chegarem ao arbitramento que, no caso concreto, observe as lições da doutrina em relação às funções da responsabilidade civil, com toda a certeza, terão mirado a lisura do processo civil no ponto:

 

(1)    Função reparatória: a clássica função de transferência dos danos do patrimônio do lesante ao lesado, como forma de requilíbrio patrimonial; (2) Função punitiva: sanção consistente na aplicação de uma pena civil ao ofensor como forma de desestímulo de comportamentos reprováveis; (3) Função precaucional: possuir o objetivo de inibir atividades potencialmente danosas.8 

De sorte que a validade do processo não poderá, neste aspecto, ser questionada ao ponto de nulidade da sentença ou do acórdão, como muito bem elucidado pelo Superior Tribunal de Justiça. Deve o julgador fazer a diferença entre um pedido a título de valor sugerido ou meramente estimativo, daquele pedido com valor certo, previamente definido pela parte. 

____________

*Felipe Cunha de Almeida é Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil com ênfase em Direito Processual Civil, professor, advogado, parecerista.

____________

1 FAMPA, Daniel Silva; PENNA, João Vitor. O Método bifásico de quantificação das indenizações por danos morais: apontamentos a partir da jurisprudência do STJ. In: Migalhas de Responsabilidade Civil. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/360601/o-metodo-bifasico-de-quantificacao-das-indenizacoes-por-danos-morais. Acesso em: 26 ago. 2022.

2 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 3. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 426.

3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 440.

4 MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 211.

5 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018 , p. 619.

6 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018 , p. 619.

7 Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. VIOLAÇÃO AO ART. 492 DO CPC/2015. PEDIDO EXORDIAL MERAMENTE ESTIMATIVO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O magistrado, ao arbitrar a indenização por danos morais, não fica vinculado ao valor meramente estimativo indicado na petição inicial, podendo fixá-lo ao seu prudente arbítrio sem que se configure, em princípio, julgamento extra petita. Precedentes.

2. Agravo interno não provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. AgInt no REsp n. 1.837.473/PR Rel. Min: Raul Araújo. Julgado em: 26/11/2019. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201902709828&dt_publicacao=19/12/2019. Acesso em: 26 ago. 2022).

FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2015p. 40.

____________

BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. DF, 01 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. 

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. DF, 16 de março de 2015. Disponível em: . 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. DF, 05 outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. 

FAMPA, Daniel Silva; PENNA, João Vitor. O Método bifásico de quantificação das indenizações por danos morais: apontamentos a partir da jurisprudência do STJ. In: Migalhas de Responsabilidade Civil. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/360601/o-metodo-bifasico-de-quantificacao-das-indenizacoes-por-danos-morais. Acesso em: 26 ago. 2022. 

FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Peixoto Braga; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2015. 

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 3. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. 

MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.