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Emergência em saúde pública: O novo Coronavírus (2019nCoV)

Conquanto os ambientes do Poder Judiciário sejam espaços abertos ao público, são potenciais locais para contaminação e disseminação de doenças infectocontagiosas respiratórias.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Atualizado em 11 de março de 2020 20:11

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1) Introdução

A Comissão Especial de Bioética e Biodireito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifesta a sua preocupação com a propagação do novo coronavírus (2019-nCoV) e acompanhará as medidas de prevenção, monitoramento e controle diante do surto causado pelo referido vírus, visando a adoção de resposta oportuna, eficiente e eficaz a ser implementada pelo Estado brasileiro a fim garantir o direito à saúde de todos os brasileiros - infectados, quarentenados ou não.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)1, o novo coronavírus é um "vírus identificado como a causa de um surto de doença respiratória detectado pela primeira vez em Wuhan, China". No momento, ainda não está claro o quão resistente é o vírus, seu grau de letalidade, ou com que facilidade ele se propaga e, diante da inexistência de vacina para combater a doença, a forma mais prudente para a prevenção do surto no Brasil consiste de dois pilares: ações voltadas ao impedimento da propagação e o diagnóstico célere.

Até a presente data (5/2/20)2, existem 24.631 (vinte e quatro mil seiscentos e trinta e um) casos confirmados sendo: 24.405 na China; 22 no Japão; 25 na Tailândia; 18 em Singapura; 21 em Hong Kong; 13 na Austrália; 19 na Coréia do Sul; 12 na Alemanha; 11 nos EUA; 11 em Taiwan; 11 na Malásia; 10 em Macau; 06 na França; 08 no Vietnã;  04 no Canadá; 05 nos Emirados Árabes; 02 na Itália; 02 na Rússia; 02 no Reino Unido; 01 no Camboja; 01 na Finlândia; 03 na Índia; 01 no Nepal; 02 nas Filipinas; 01 na Espanha; 01 no Sri Lanka; 01 na Suécia. Deste total, há 494 mortes e 1029 restabelecimentos3.

O Comitê de Emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi convocado em 30 de janeiro de 2020 e o Diretor Geral da OMS declarou que o surto constitui Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (ESPII)4 e global. 

A Comissão Especial de Bioética e Biodireito está monitorando os planos e ações divulgadas pelas agências especializadas e confrontando as informações  nacionais e internacionais atualmente disponíveis, já que se trata de um microrganismo novo no mundo com poucas informações . A ANVISA está se manifestando a partir das instruções e diretrizes emitidas pela OMS  à medida que a referida Organização consolida as informações recebidas dos países e das novas evidencias técnicas e cientificas que vem sendo  divulgadas .   

Desta forma, como não há vacina, duas preocupações são imediatas: o sistema de saúde brasileiro e a sua capacidade de diagnosticar com celeridade infecções suspeitas; e as ações profiláticas, de  prevenção e controle dos serviços de saúde.  

Como o foco inicial está na China, a Comissão Especial de Bioética e Biodireito protocolou o pedido de informações ao Embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet de Mesquita,  em 30 de janeiro de 2020, para solicitar informações relativas ao coronavírus na China e indagar-lhe a respeito da assistência dada aos brasileiros que estão em confinamento médico ou não.

A Comissão Especial de Bioética e Biodireito, com a intenção de cooperar, colocouse à disposição para auxiliar a Embaixada do Brasil, bem como os demais cidadãos brasileiros que se encontram na China e toda a população brasileira que está em estado de atenção. 

A atuação coordenada é essencial para que ocorra a integração com as diversas organizações governamentais e não governamentais na resposta ao estado de emergência na saúde pública em questão5 que caracteriza a um risco à segurança do Estado brasileiro.

Para isso, a Comissão Especial de Bioética e Biodireito pretende qualificar o debate com especialistas de modo que possam esclarecer os riscos que o novo coronavírus representa para o país, bem como criar um espaço de constante diálogo e informação. Em tempos de fake news, que tanto tem assolado a democracia contemporânea, não se pode arriscar que tumultos sociais ocorram  por conta de desinformação ou contrainformação. Do mesmo modo, tampouco é tolerável a falta de transparência por parte de cientistas, profissionais de saúde e órgãos públicos. Com isso, a Comissão Especial de Bioética e Biodireito propõe-se a verificar reiteradamente as informações e notícias para compor checagem factual e consolidar o debate público e a conscientização da população.

A adoção de tais procedimentos tem por objetivo fortalecer uma estratégia integrada cuja finalidade é  acompanhar as ações governamentais, principalmente porque temos observado que há  poucas informações clínicas e elevado número de disseminação de notícias falas o que pode vir a provocar impactos negativos na sociedade. 

2) Medidas tomadas pelo Poder Executivo

Em 22 de janeiro de 2020, foi ativado o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COES) para o novo coronavírus. Esta estratégia está prevista no Plano Nacional de Resposta às Emergências em Saúde Pública do Ministério da Saúde. 

As emergências em saúde pública contribuem de forma expressiva com a prevenção e redução da morbimortalidade no mundo contemporâneo, ao exigir  dos governos o aprimoramento da capacidade de preparação de resposta em situações de epidemias e desastres que demandem o emprego urgente de medidas profiláticas , de controle e de contenção de riscos, de danos e de agravos à saúde pública, em tempo oportuno, de forma qualificada e cooperada.  

Para a efetivação do plano  deverão ser estabelecidos e implementados protocolos e procedimentos específicos, além da elaboração dos planos de contingência que incorporam: estrutura clara de comando e controle , definida e adaptável às situações; estabelecimento de prioridades e objetivos comuns; uso de terminologia comum entre os órgãos envolvidos; integração e padronização das comunicações; e planos e ordens consolidados. 

Com o intuito de integralizar os planos, o decreto 10.211, de 30 de janeiro de 2020 dispõe sobre o Grupo Executivo Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional (GEI-ESPII), cuja competência é acompanhar, propor e articular medidas de preparação e de enfrentamento às emergências em saúde pública de importância nacional e internacional; propor e acompanhar a alocação de recursos orçamentários-financeiros para execução das medidas necessária em casos de emergência em saúde publica; estabelecer diretrizes para a definição de critérios locais de acompanhamento da implementação das medidas de emergência em saúde publica nacional e internacional; e elaborar relatórios de estados  de emergência em saúde publica de importância nacional e internacional e encaminhar aos Ministros dos órgãos representados. O GEI-ESPII é composto por representantes do Ministério da saúde, que o coordenará, da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Ministério da Defesa, do Ministério da Agricultura, pecuária e Abastecimento, do Ministério do Desenvolvimento Regional, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 

De 3 a 27 de janeiro de 2020, o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS) Nacional analisou 7.063 rumores, sendo que 127 exigiram a verificação de veracidade junto ao Ponto de Contato Regional da OMS para o Regulamento Sanitário Internacional. 

Entre 18 e 27 de janeiro de 2020, a Secretaria de Vigilância em Saúde recebeu a notificação de 10 casos para investigação de possível relação com a infecção humana pelo novo coronavírus. Segundo o Boletim Epidemiológico, emitido em 28 de janeiro de 2020, todas as notificações foram recebidas, avaliadas e discutidas, caso a caso, com as autoridades de saúde dos estados e municípios. De 10 casos, somente um caso notificado em 27 de janeiro se enquadra na definição de caso suspeito no estado de Minas Gerais - uma paciente de 22 anos, que viajou para a cidade de Wuhan e foi conduzida para isolamento respiratório no Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte.

A infecção humana pelo novo coronavírus, por ter sido declarada ESPII, é um evento de saúde pública de notificação compulsória imediata6. Ou seja, o conhecimento de caso que se subsuma à definição da doença deve ser notificado em até 24 horas, pelo meio de comunicação mais rápido possível. 

Para melhor respaldar as autoridades quanto ao princípio da legalidade para as medidas de urgência preventivas e reativas, o Poder Executivo encaminhou em 4/2/20 o projeto de lei 23/20 ao Congresso Nacional, tendo sua tramitação iniciada pela Câmara dos Deputados e aprovado no dia 4/2/2. O Projeto, tramitando em regime de urgência foi aprovado pelo Senado Federal no dia 5/2/20 sendo considerado necessário porque a legislação brasileira está defasada quanto à definição de instrumentos jurídicos sanitários adequados para o combate ao vírus.

Alguns aspectos chamam a atenção em tal projeto, tal como o fato dele dizer respeito exclusivamente às medidas tomadas pela circunstância do coronavírus, quando seria uma excelente ocasião para preencher lacuna normativa relevante no ordenamento jurídico, instrumentalizando o Poder Público para lidar com as questões sanitárias urgentes. 

Também observamos que o projeto de lei prevê em seu Art. 3.º, III, alguns procedimentos compulsórios que necessitam de melhor detalhamento acerca de seus limites. Por exemplo, na alínea e, prevê-se a compulsoriedade de "tratamentos médicos específicos", algo que não pode ignorar a discussão há tempos pendente no STF, por meio da ADPF 618, sobre a possibilidade de recusar tratamentos por convicção pessoal, mesmo que isso implique na morte de quem recusa o tratamento. Se o fundamento jurídico à recusa for constitucional, o dispositivo projetado pelo art. 3.º, III, e, do PL 23/20 necessita de maior esclarecimento para justificar a restrição de um direito, que pode vir a ser reconhecido definitivamente como constitucional.

Embora o projeto de lei estabeleça que toda medida deverá ser fundamentada em evidências científicas e que deverão ser limitadas, no tempo e no espaço, ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública, nos termos do art. 3.º, § 1.º. Além de estabelecer a gratuidade de qualquer procedimento, o aludido PL nada menciona sobre o exercício de outros direitos e garantias fundamentais por parte do inspecionado, quarentenado, paciente ou cidadão que venha a sofrer qualquer intervenção, tal como é o caso do exercício da liberdade de expressão, de imprensa, religiosa etc. A autorização do confinamento não pressupõe a restrição de outros direitos fundamentais. A restrição deverá ser a opção menos restritiva para proteger a saúde pública e os indivíduos devem ter acesso a todas as suas necessidades básicas. Além disso, o quarentenado ou isolado deve ter acesso ao sistema de justiça para contestar a ordem judicialmente. O direito fundamental ao devido processo legal impera no estado de emergência de saúde pública. 

A lei também não menciona as limitações do poder de polícia do Estado. O que nos leva a cogitar algumas hipóteses tais como: há a necessidade de um mandado judicial para a separação de pessoas suspeitas de contaminação que não estejam doentes? E se a pessoa não consentir,  o instrumento adequado para confinar é um mandado judicial? Qual a responsabilização do Estado no caso de aplicação inadequada da quarentena ou isolamento e do tratamento médico negligente? 

Além de apresentar o projeto de lei acima, o Poder Executivo também editou decreto para promulgar o Regulamento Sanitário Internacional - RSI da OMS, que havia se comprometido politicamente após sua participação na elaboração da versão aprovada pela Assembleia Geral da OMS, aprovando o Decreto Legislativo nº 395/09 e promulgando o texto do Regulamento por meio do Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020.

3) Pontos de atenção para o Poder Judiciário

Conquanto os ambientes do Poder Judiciário sejam espaços abertos ao público, são potenciais locais para contaminação e disseminação de doenças infectocontagiosas respiratórias. Assim, é necessário que toda a estrutura do Poder Judiciário previna-se por meio de um plano de gerenciamento de crise que, além de prever medidas sanitárias de prevenção, que serão melhor recomendadas pelos órgãos de vigilância sanitária, além de meios de seguir prestando a atividade jurisdicional de modo que concentre a menor quantidade possível de pessoas em sua infraestrutura. Tal plano necessita não apenas ser público, mas precisa de treinamentos e coordenação conjunta a outros órgãos que garantam a melhor segurança de todos aqueles que transitam pelos átrios do Poder Judiciários, além da melhor prestação jurisdicional em momentos de crise epidêmica.

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1 AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Nota técnica nº 02/20 GVIMS/GGTES/ANVISA. Disponível aqui. Acesso em 20 de janeiro de 2020. 

2 Dados elaborados por Jhon Hopkins e disponível aqui.

3 Dados de 3/2/20, às 22h00, horário de Brasília.

4 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Statement on the second meeting of the International Health Regulation (2005) Emergency Committeee regarding the outbreal of novel coronavirus (2019- nCoV). Disponível aqui. Acesso em 01 de jan de 2020. 

5 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano de Resposta  à emergência em saúde pública. Disponível aqui. Acesso em 01 de fevereiro de 2020.  

6 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano de Resposta à emergência em saúde pública. Disponível aqui. Acesso em 01 de fevereiro de 2020.

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*Henderson Fürst é presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito do Conselho Federal da OAB.

*Carina B. Gouvêa é vice-presidete da Comissão Especial de Bioética e Biodireito do Conselho Federal da OAB.

*Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco é colaborador da Comissão Especial de Bioética e Biodireito do Conselho Federal da OAB.

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