Meio de campo

Barack Obama, o Brasil, o futebol, a educação e o projeto de lei em trâmite no Senado Federal, que cria o novo sistema do futebol

Barack Obama, o Brasil, o futebol, a educação e o projeto de lei em trâmite no Senado Federal, que cria o novo sistema do futebol.

26/2/2020

Em seu livro Dreams From My Father, o ex-presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, narra determinado episódio, ocorrido na década de 1980, relacionado à sua atuação como organizer de movimentos e de ações de cunho social.

Ao procurar o diretor de uma escola pública situada em bairro esquecido pela municipalidade de Chicago, para propor-lhe a formulação de projetos que envolvessem a participação de membros da comunidade local, com o propósito de estimular a integração e a conscientização de jovens negros sobre os perigos dos diversionismos proporcionados pelas ruas, Barack Obama foi recomendado e direcionado a um conselheiro escolar, que o recebeu para tratar de suas propostas.

O escritório do conselheiro era revestido de imagens e de objetos de origem africana, e ele próprio ostentava, em sua indumentária, peças de mesma procedência. Os motivos não podiam ser mais reveladores: o sistema de ensino público norte-americano não pretendia educar crianças negras; tratava-se, na verdade, de um programa de controle social, espécie de prisão intelectual.

Por outro lado, uma educação efetiva deveria ter início com o ensino sobre a própria origem daqueles alunos, sua cultura, sua comunidade e, especialmente, sobre eles próprios. Somente assim se criariam incentivos para o aprendizado: mostrando-lhes que faziam parte de algo, que poderiam protagonizar ações e resultados em seus ambientes. Mas não: crianças negras aprendiam a respeitar a história dos outros, as culturas alheias, as mesmas que os rejeitavam e negavam sua humanidade.

As referências africanas tinham como propósitos o preenchimento de vazios existencial e cultural, e a manutenção de uma espécie de chamamento à realidade.

Apesar da semelhança com os problemas da educação formal no Brasil, que também se mostra insuficiente para enfrentar seus principais dilemas, não é sobre isso que se trata, diretamente, nesse texto.

Propõe-se, no entanto, um cotejamento com a situação do futebol.

Por diversos motivos, a prática do futebol, como profissão, não costuma ser uma opção real das crianças favorecidas, de classe alta ou mesmo média. Elas não precisam passar pelas dificuldades da profissionalização futebolística para assumir alguma posição na sociedade, pois dispõem de outros caminhos. Mesmo assim, se quiserem, podem alcançar seus objetivos esportivos: Kaká e Caio Ribeiro são dois exemplos emblemáticos.

O leque de opções, ao contrário, não se estende às crianças de classes mais baixas. A ascensão social é um desejo distante – senão impossível -, exceto, em muitos casos, pela via do futebol: a única apta a materializar os sonhos infantis, que também costumam envolver o oferecimento de melhores condições aos respectivos familiares.

O problema é que parcela substancial das crianças que aposta – ou é submetida à aposta coletiva - no futebol, não chega ao estrelato almejado. Primeiro, porque a demanda é muito maior do que a oferta de posições de jogadores em times de primeiro escalão; segundo, porque se perderá pelo árduo caminho da profissionalização; e, terceiro, porque nem todos os pretendentes dispõem dos atributos necessários para tornarem-se jogadores de primeira linha.

Nesse ambiente, o clube associativo deveria cumprir uma função que vai além do simples oferecimento de educação formal às crianças e adolescentes recrutados, que, como se sabe, não é suficiente para colocá-los, sem esforço complementar, em igualdade de situação com os pares que frequentam escolas privadas e cursos suplementares de diversas disciplinas (idiomas, tecnologia etc.).

A contrapartida aos clubes, pela atividade subsidiada que exercem – e que lhes garante consumidores eternos, afinal o torcedor não muda de time -, deveria ser mais dignificante: a formação de cidadãos aptos ao enfrentamento das vicissitudes da vida, tanto no eventual exercício da profissão futebolística, como no curso de outras atividades profissionais.

A verdade é que os clubes associativos, em sua grande maioria, fracassaram em sua função econômica: são deficitários e insolventes, e não sobrevivem sem os históricos e recorrentes subsídios do Estado; além disso, não têm mais condições, também em sua grande maioria, de cumprir o papel social e educacional que lhes fora atribuído.

Somente o Congresso Nacional poderá criar os incentivos para reverter e transformar esse estado de coisas. E o princípio de solução está contemplado no PL 5.516/19, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), que cria o novo sistema do futebol e, nele, institui o Programa de Desenvolvimento Educacional pelo Futebol, mediante o qual a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) podera' instituir convênio com instituic¸a~o pu'blica de ensino, para promover medidas em prol do desenvolvimento da educac¸a~o por meio do futebol, e do futebol por meio da educac¸a~o, com o propo'sito de (i) incentivar a assiduidade dos alunos matriculados em escolas pu'blicas, (ii) incentivar o envolvimento e o interesse dos alunos nas atividades educacionais promovidas pela escola pu'blica e (iii) contribuir para formac¸a~o e capacitac¸a~o dos alunos da escola pu'blica.

Trata-se de um estímulo eficaz e verdadeiro para atrair crianças e adolescente às salas de aula e, assim, para criar um necessário sistema de inserção social e de ascendência econômica.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.