Meio de campo

Breves comentários à proposta de reforma da Lei da SAF – Parte I

Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur, idealizadores da SAF, tratam da reforma da Lei da SAF, apresentada pelo presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco.

21/6/2023

O tema da evolução da Lei da SAF e de sua reforma pontual foi introduzido na coluna da semana passada (14 de junho), assinada por um dos autores do presente texto.

A reforma, consubstanciada no projeto de lei 2.978, de 2023, de autoria do Presidente do Congresso Nacional, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que também é o autor da própria Lei da SAF, tem como propósito dar continuidade à construção de ambiente seguro do ponto de vista jurídico-institucional e, assim, viabilizar a construção do – essa é a finalidade - maior mercado de futebol do planeta.

Daí a pertinência da iniciativa, que se passa a comentar, em uma série de textos (da qual este consiste na primeira parte).

Propriedade Intelectual

A reforma traz uma mudança (quase) semântica, porém necessária, ao admitir de modo expresso que a SAF poderá prever, em seu objeto, a exploração de direito de propriedade intelectual, como marca ou patente, inclusive de terceiros. A novidade consiste na desvinculação expressa do ato exploratório com uma propriedade alheia, conforme redação atual: "a exploração de direitos de propriedade intelectual, inclusive de terceiros, relacionados ao futebol". Portanto, no âmbito de projeto de constituição de SAF, o clube criador pode manter a marca em sua esfera patrimonial e licenciar o uso para SAF ou transferi-la, a título de propriedade, para SAF. Em qualquer caso, a SAF estará autorizada a promover a sua exploração.

Participação em outras sociedades

Propõe-se, na reforma, apenas a eliminação de um obstáculo à expansão territorial da SAF. O texto original admite a participação de SAF em outras sociedades, desde que se localizem no Brasil. Veda-se, assim, a participação direta em sociedades estrangeiras. Em outras palavras, o texto atual não impede que uma SAF constitua uma sociedade empresária no Brasil que deterá, por sua vez, participação societária em sociedade no exterior, mas veda o investimento direto da SAF na mesma sociedade estrangeira. A reforma afastará, portanto, custos desnecessários para que uma SAF capitalizada adquira, por exemplo, um time em Portugal e intercambie seus jogadores dentro do mesmo grupo econômico. Com isso, poderá se apropriar dos ganhos que, atualmente, se dividem entre intermediários e clubes europeus de passagem.

Constituição da SAF

O art. 2º passará a prever, de modo expresso, quatro modalidades de constituição da SAF, com a inclusão do inciso IV, composto da seguinte forma: "pela subscrição, pelo clube ou pessoa jurídica original, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto, e integralização do capital subscrito com patrimônio relacionado à prática do futebol". Não se trata de novidade, pois o art. 3º já autorizava a adoção da subscrição de ações de SAF pelo clube como via constitutiva. Apesar disto, a nova redação organiza de modo adequado em único dispositivo o cardápio de opções.

Sucessão

Os ajustes pontuais contidos no art. 2º, §1º, inciso I contribuem para organizar o regime jurídico da sucessão, no âmbito de processo constitutivo de SAF. A SAF, em primeiro lugar, sucederá o clube nas relações com entidades de administração. Não havia celeuma em relação a esta solução, que permanece intacta. A SAF também será sucessora do clube que a constituir nas relações contratuais existentes com atletas em formação, atletas profissionais e demais pessoas vinculadas à atividade do futebol, cujos contratos forem expressamente transferidos para SAF, no ato de cisão ou de subscrição de capital (conforme os incisos II ou IV do art. 2º).

Ações Classe A

A reforma oferece um interessante encaminhamento às ações classe A, que conferem ao seu titular direitos especiais, como todos aqueles relacionados à preservação das tradições esportivas e culturais, tais como hino, cor, marca, brasão, etc. Por conta destas características, apenas o clube fundador da SAF poderá deter tais ações classe A, sendo-lhe interditada a doação, venda, troca ou qualquer ato de disposição. Isso não significa que o clube não possa, eventualmente, pretender desmontar a sua posição de acionista. Para que isto ocorra, as ações classe A deverão ser previamente convertidas em ações ordinárias comuns, caso em que as restrições deixarão de ser aplicadas.  

Grupo econômico

A formação de grupo econômico, do ponto de vista prático, se verifica pela identificação de um feixe relacional que evidencia a preponderância de uma sociedade, geralmente controladora direta ou indireta, sobre outras. O abalo da autonomia, decorrente da situação grupal, implica a formulação de um regime especial de atribuição de responsabilidades. Porém, a mera identidade de sócios ou a participação de uma sociedade em outra não configura o grupamento. A existência decorre, portanto, da identificação de elementos inerentes ao grupo no âmbito de casos concretos. Esta proposição foi consolidada, aliás, no art. 2º, §3o da CLT: "não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes". Apesar da existência de normas inequívocas em tal sentido, a tentativa de rompimento sistêmico, que levará (ou levaria) a uma situação de intolerável insegurança – o que se revela pela multiplicação de ações judiciais de natureza cível ou trabalhista com base em tal tese - justifica a proposta da inclusão do seguinte parágrafo ao art. 2º: "§7º A constituição da Sociedade Anônima do Futebol não implica a formação de grupo econômico entre ela e o clube ou pessoa jurídica original que a constituir."

Governança

O aperfeiçoamento do sistema interno de governança da SAF está distribuído em dois novos dispositivos. O §6º prevê que ao menos um membro do conselho de administração e um membro do conselho fiscal deverão ser independentes, conforme conceito estabelecido pela CVM. A independência de ao menos um conselheiro e de um fiscal (que, pela natureza, já é independente) contribuirá para oxigenação administrativa e, sobretudo, para reforçar o processo de profissionalização dos órgãos de administração da SAF. Além disso, a reforma propõe a introdução do art. 5º-A, que estabelece que o "administrador residente ou domiciliado no exterior deverá, previamente à investidura no cargo, constituir representante residente no País, com poderes para, durante todo o prazo de gestão e, no mínimo, nos seis anos seguintes, receber citações, intimações ou convocações em quaisquer ações, processos administrativos ou procedimentos arbitrais ou judiciais, contra ele propostos".

Demais pontos contidos na reforma serão apresentados nas colunas das próximas semanas.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.