Porandubas Políticas

Porandubas nº 563

No Brasil, torna-se visível a formação de novos polos de poder que, segundo Gaudêncio Torquato, funcionam como respiradouros de grupos sociais.

28/2/2018

Abro a coluna com a nossa Águia de Haia.

À sorrelfa e à socapa

A historinha é conhecida e, por ser muito boa, merece um repeteco. Rui Barbosa, o Águia de Haia, chegava em casa, à noitinha, quando ouviu um barulho vindo do quintal. Chegando lá, viu um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o, ao tentar pular o muro com seus amados patos, passou-lhe um pito:

– Oh, bucéfalo anacrônico! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares de minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da sua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.

E o ladrão, perplexo e confuso, com um fio de voz, perguntou:

– Doutor, eu levo ou deixo os patos?

O espírito do tempo

Os tempos sinalizam mudança na composição do processo de tomada de decisões. No Brasil, torna-se visível a formação de novos polos de poder, a traduzir uma força centrípeta (das margens para o centro) em contraponto à força centrífuga (do centro para as margens), que agrupa os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e os grandes complexos produtivos. Na esteira desse movimento, uma miríade de entidades organizadas (sindicatos, associações, clubes, núcleos, movimentos de todos os tipos) passa a animar a sociedade. Esse é o espírito do nosso tempo.

Democracia midiática

Ainda sob o fluxo desse escopo, ganha força uma "democracia midiática", que agrupa os figurantes do mundo dos divertimentos, atores e atrizes, animadores e encantadores das massas. Luiz Datena, Silvio Santos, Luciano Huck, Fausto Silva compõem, entre outros, a galeria dos grandes "candidatos" de nossa comunicação diversional. Se fossem efetivamente para a arena eleitoral, teriam forte votação. Seguramente. As massas estão saturadas da mesmice política. É assim que os outsiders da política teriam vez. Dentro do espírito do nosso tempo.

Democracia supletiva

Os novos polos de poder, por sua vez, funcionam como respiradouros de grupos sociais, que já não suportam ouvir as promessas da esfera política. Essas válvulas de escape arregimentam grupos e até geram multidões que vão às ruas expressar sua indignação. Roger-Gérard Scwartzenberg designa esse fenômeno como democracia supletiva. É o espírito do nosso tempo.

Democracia direta

Trata-se, por outro prisma, de uma expressão que também traduz o anseio de democracia direta, essa que sai da garganta das massas para chegar aos ouvidos dos figurantes de nossa democracia representativa. Como se sabe, esta modalidade padece de intensa crise: ideologias bifurcadas, partidos amorfos ou pasteurizados, massas desmotivadas, Parlamentos em declínio, oposições sem força, entre outros fatores. É o espírito do tempo.

PT sob pressão (e tensão)

A busca e apreensão de documentos no apartamento do ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, em Salvador, deixa o PT em estado de tensão. Afinal, Wagner é apontado como o plano B do PT, caso Lula seja impedido de se candidatar. Com seu nome na lista de suspeição, o plano B fenece. A não ser que surja outra ideia. O fato é que uma grande interrogação paira sobre os nomes dos candidatos à presidente.

Mais dúvidas

Rodrigo Maia pensa em se lançar pelo DEM. Mas teme o risco da candidatura naufragar. Não seria mais interessante ser reeleito deputado e voltar a dirigir a Câmara Federal? Esta pergunta deve fustigar sua cuca. Se o DEM não sair com candidato próprio, a probabilidade maior é a de vir a apoiar Geraldo Alckmin, do PSDB, reivindicando o cargo de vice na chapa. Ele ou o deputado Mendonça Filho são os mais cotados. Mendonça deixará o Ministério da Educação em princípio de abril.

PMDB em parceria

Pode até ser que o PMDB, desta vez, saia com uma candidatura própria. Mas quem conhece o partido, sabe que se trata de um ente pragmático. Perdeu com Ulisses, perdeu com Quércia e, de lá para cá, aprendeu que o caminho é a parceria com o partido em melhores condições de chegar ao pódio. Se a segurança pública no Rio melhorar (bem) e a economia continuar a dar sinais de boa recuperação, é até provável acreditar em candidato próprio. Henrique Meirelles? Meio pesado, mesmo exibindo trunfos econômicos. Mas em política, tudo é possível.

Temer

É bom acreditar na palavra do presidente. Se ele diz que não tem intenção de ser o candidato do PMDB é porque não tem essa intenção. O que se lê é que gostaria de apoiar um nome intensamente comprometido com o legado que deixa, um dos mais substantivos e reformistas de nossa contemporaneidade. Basta ter bom senso para constatar. Sem parti pris.

O nosso Trump

Donald Trump diz que os professores das escolas americanas devem receber armas para se defender. Um armamentista do norte. Jair Bolsonaro diz que as mulheres brasileiras devem ter uma arma em casa para se defender. Um armamentista do sul.

A parada lei das teles

Por que o presidente do Senado sentou sobre esse projeto, considerado a salvação das teles no país? As operadoras prometem investir forte na banda larga. A infraestrutura montada ao longo dos anos foi para sustentar a telefonia fixa. Hoje essa estrutura está defasada. Só mesmo novos investimentos para abrir os horizontes do amanhã no campo das telecomunicações. Todos se interessam pela aprovação desse projeto: governos, operadoras, setores de serviços, usuários, etc. Mas o senador Eunício Oliveira o segura.

Criminalidade

A bandidagem dá sinais de que os grupos que a formam vivem uma guerra em torno do poder. O PCC teria mandado eliminar adversários e bandidos que mudaram de lado. E vê seus líderes assassinados em Estados do Nordeste, como no RN. Os líderes da facção comandam as operações de dentro das cadeias. Donde se indaga: como está hoje a integração das forças policiais nos 27 Estados da Federação? Há intercomunicação entre elas?

O fim da polarização

Depois de anos e anos de polarização entre PT e PSDB, a hipótese de um novo ciclo na política, com a ascensão de novas fontes de poder e de protagonistas novos, ganha corpo. O PT dividiu o Brasil em duas bandas, ocupadas por "nós e eles", sendo os petistas os mocinhos e os outros, os bandidos. Essa divisão rachou a sociedade, que quer encontrar novos atores, novos perfis, novas linguagens. No pleito desse ano, petistas vão querer continuar o seu berro. Refluirão ao perceberem que já não fazem eco.

As redes x mídia massiva

Há mais uma grande interrogação no ar: as redes sociais conseguirão sustentar candidatos que não disporão de espaço na mídia massiva para ganhar visibilidade? Os candidatos de grandes partidos terão espaço suficiente. Mas candidatos com tempo muito curto irão até o final com seus índices de intenção de voto? Por exemplo, Bolsonaro e Marina Silva aguentarão o tranco? Ou serão canibalizados pelos perfis que disporão de muitos minutos de rádio e TV?

TV Cultura avança

A TV Cultura fechou contrato com o World Economic Fórum para ser a rede de TV oficial do encontro que se realizará em São Paulo no início de março. As tratativas se iniciaram em dezembro. Marcos Mendonça, o comandante, explica: "agora em função da qualidade técnica de nossas equipes e de nossos equipamentos fomos selecionados. Seremos a geradora das imagens de todo o evento. Teremos exclusividade na geração de conteúdo e seremos responsáveis por sua distribuição para todos os veículos de comunicação do mundo. Contaremos com um espaço privativo anexo ao plenário onde poderemos produzir boletins e entrevistas exclusivas". Trata-se do reconhecimento do trabalho desenvolvido, que confere à Cultura a posição de um dos principais players do mercado de TV no Brasil.

Rescisão da delação

A rescisão da delação de Wesley Batista e de Francisco Assis Silva, da JBS, é mais uma demonstração de que os delatores montaram uma emboscada para atirar em uns e salvar outros. Deixaram o procurador Miller fora da história, quando este, ainda vestido no manto da Procuradoria, ajudou os irmãos Batista a armar a trama para "capturar" o presidente da República. Miller teria servido o menu a dois senhores. E embolsado, segundo se lê, R$ 700.000,00.

Puxa......

A acusação sobre suposto envolvimento da concessionária CCR em denúncia de corrupção investigada pela Lava Jato baixou o valor da empresa em R$ 4,62 bilhões. Em apenas dois dias. A mão do mercado.

Novo Ministério

Com a saída de uns 15 ministros em abril, candidatos no pleito deste ano, o Ministério do governo Temer passará por grande mudança. É razoável apostar na hipótese de um Ministério mais técnico, mesmo que a maioria dos nomes seja indicada por partidos políticos. Seria o momento de o governo passar uma régua para harmonizar as ações e integrar a linguagem.

Ministério do Trabalho

Uma área que carece de impulso renovador é a do Trabalho, que navega há tempos no varejão das demandas políticas. Há Centrais que indicam seus quadros para cargos de proa na Pasta. Mas, para efeito externo, posicionam-se contra o governo e suas reformas. Como se explica isso? O perigo: transformar certos setores em balcão do toma lá, dá cá.

Padre Vieira e seu truque

O Padre Antônio Vieira, o célebre pregador, escritor, político e diplomata jesuíta, subindo certa vez ao púlpito, iniciou estranhamente o seu sermão exclamando:

– Maldito seja o Pai! Maldito seja o Filho! Maldito seja o Espírito Santo!

E quando a assistência, horrorizada, pensava que o grande orador houvesse enlouquecido, ele tranquilamente prosseguiu:

– Essas, meus irmãos, são as palavras e as frases que se ouvem com mais frequência nas profundezas do inferno.

Houve um suspiro de alívio no templo, mas com esse recurso teve Vieira despertada e presa a atenção dos fieis como poucas vezes, por outra via, conseguira. (Narrado por Luis Costa em Leia Comigo)

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Colunista

Gaudêncio Torquato jornalista, consultor de marketing institucional e político, consultor de comunicação organizacional, doutor, livre-docente e professor titular da Universidade de São Paulo e diretor-presidente da GT Marketing e Comunicação.