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Cautelar preparatória de recuperação judicial

Um dos aspectos mais relevantes do processo de recuperação judicial consiste na suspensão, assegurada pelas chamadas stay laws, do curso de ações e execuções contra empresa que está em recuperação judicial.

26/11/2013

Um dos aspectos mais relevantes do processo de recuperação judicial consiste na suspensão do curso de ações e execuções contra empresa que está em recuperação judicial. O que assegura esta suspensão são as chamadas stay laws, que almejam dois principais objetivos. O primeiro deles consiste em manter-se o conjunto de ativos operacionais e não-operacionais da empresa a salvo de constrições judiciais, de modo a preservar-se a empresa. Mais precisamente, por preservar-se a empresa quer-se significar preservar o valor de going concern do conjunto de ativos operacionais da empresa, de modo a maximizar o valor para pagamento dos credores. O segundo objetivo consiste em criar-se um incentivo para que os credores participem da negociação do plano de recuperação judicial. Se aos credores fosse lícito dar seguimento à busca individual da satisfação de seus créditos, nenhum credor participaria da recuperação judicial. Não fossem as stay laws, seria inviável qualquer sistema de direito concursal, incluindo-se, aí, a recuperação judicial de empresas. Por isso, as regras de suspensão das ações e execuções apresentam-se como regras de natureza tipicamente acautelatórias, que visam assegurar o desenvolvimento do processo de recuperação judicial.

No direito norte-americano, para assegurar-se a preservação de valor da empresa, o termo inicial do automatic stay é fixado na data de distribuição do pedido (11 USC § 362). No direito brasileiro, o termo inicial da suspensão das ações e execuções ocorre com o deferimento do processamento da recuperação judicial (art. 6.º da lei 11.101/05). Desse modo, para que o juiz da recuperação determine a suspensão do curso das ações e execuções é necessário que antes a empresa devedora distribua o pedido de recuperação judicial, devidamente instruído com extenso rol de documentos. Ocorre que a reunião destes documentos pode demandar significativo período de tempo. Tome-se por exemplo a necessidade de se instruir a petição inicial com balanço especial ou a potencialmente extensa relação de bens do controlador e dos administradores da empresa devedora. Entretanto, nestes casos em que se necessita de um inexorável lapso de tempo para reunir a documentação, as ações e execuções singulares terão seguimento, com o que resta em perigo o valor de going concern da empresa, que pode se dissipar a medida que as ações e execuções singulares obtêm retirar ativos da empresa. O risco, aqui, é de liquidação da empresa. Com efeito, pode-se colocar em risco o objetivo da recuperação judicial, que é maximizar o valor dos ativos da empresa para satisfazer credores (ou, o que é o mesmo, preservar-se a empresa), ante a inafastável demora em coletar-se a documentação legalmente exigida.

É precisamente para situações como esta que a legislação processual (que é aplicável supletivamente à recuperação judicial por força do art. 189 da lei 11.101/05) confere ao magistrado poder geral de cautela. A situação, aliás, encontra paralelo no direito concursal. Pense-se na hipótese de recuperação judicial distribuída como defesa a pedido de falência. A distribuição da recuperação judicial suspende o pedido de falência. Entretanto, este pedido deve ser aparelhado com extenso rol de documentos no exíguo prazo de dez dias para defesa falimentar, o que o torna virtualmente impraticável. Para não tornar a hipótese letra morta, a jurisprudência está a autorizar que se emende a inicial, mediante a juntada da documentação exigida por lei, em prazo razoável, enquanto se assegura, acautelatoriamente, a suspensão do pedido de falência a contar da distribuição da recuperação judicial. Vale dizer, nesta hipótese, a distribuição de petição de recuperação judicial constitui típica cautelar preparatória de futuro pedido de recuperação judicial.

De maneira análoga, é possível que se distribua cautelar preparatória de recuperação judicial, de modo a assegurar-se a suspensão do curso de ações e execuções enquanto se reúne a documentação que deverá instruir o pedido de recuperação judicial. Esta cautelar, por evidente, deve trazer a indicação da lide e seu fundamento, vale dizer, a indicação de que se trata de cautelar preparatória de pedido de recuperação judicial, cujos fundamentos são declinados na petição inicial.

Esta situação, aliás, coaduna-se com o quanto é previsto no Código de Processo Civil projetado. Com efeito, se a urgência é contemporânea à propositura da ação, o autor, ao postular uma tutela de urgência, poderá fazê-lo sem se preocupar com a elaboração requintada dos elementos da petição inicial de recuperação judicial. Demais disso, não haverá a necessidade de instruí-la com a integralidade dos documentos cuja elaboração, não raro, demanda lapso temporal que, como cediço, está em rota de colisão com a necessidade de rápida ordem de suspensão das ações e execuções.

Desse modo, parece-nos, empresta-se adequada interpretação da remissão feita à lei processual pelo art. 189 da lei 11.101/05, ao mesmo tempo em que se obtém preservar o valor de going concern dos ativos da empresa devedora para satisfação de um maior número de credores, concretizando-se o princípio da preservação da empresa.

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* Cássio Cavalli é professor da FGV DIREITO RIO.









* Luiz Roberto Ayoub é professor da FGV DIREITO RIO.







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