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A esterilização nas relações familiares

Que seja sempre buscada pela sociedade a igualdade entre homens e mulheres e os deveres de respeito e consideração sejam cumpridos entre os cônjuges, independentemente de qual decisão seja tomada na ADIn a respeito das restrições na realização de procedimentos de esterilização.

24/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 4 de agosto de 2021, o jornal “A Folha de São Paulo” veiculou notícia sobre o posicionamento de seguros de saúde a respeito da exigência de anuência do cônjuge masculino para que o cônjuge feminino possa inserir contraceptivo, conhecido como DIU.

A referida notícia trouxe muita polêmica nas redes sociais, o que incentivou a elaboração deste artigo para que importantes esclarecimentos sejam prestados à sociedade.

Os seguros de saúde fundamentaram tal posicionamento no disposto no artigo 10, inciso I e parágrafo 5º da lei federal 9263 de 1996:

“Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:

I - Em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;

[...]

§ 5º. Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.”

A esterilização mencionada no dispositivo legal em tela é aquela que inviabiliza, de forma definitiva, a capacidade reprodutiva de homens e mulheres: na mulher, a laqueadura e, no homem, a vasectomia.

No entanto o DIU é um contraceptivo provisório, que não acarreta a esterilização definitiva, sua durabilidade depende, única e exclusivamente, da decisão de mantê-lo ou não no corpo.

Por tais razões, os seguros de saúde, ao que tudo indica, se equivocaram ao exigir a anuência do cônjuge masculino para a inserção de DIU no cônjuge feminino.

É importante esclarecer que o referido dispositivo legal não impõe tratamento distinto aos gêneros, na medida em que define que homens e mulheres casados devem ter, reciprocamente, a anuência do(a) outro(a) para realização dos procedimentos que levam à infertilidade de forma definitiva.

Está em discussão perante o Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do artigo 10, inciso I e parágrafo 5º da lei federal 9263 de 1996, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.911, originária do Distrito Federal, que pretende declarar que os referidos dispositivos legais violam a Constituição Federal.

Fundamenta-se o pedido de declaração de inconstitucionalidade no fato do artigo 10, inciso I e parágrafo 5º da lei federal 9263 de 1996, violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), da liberdade individual e do direito à autonomia da vida privada (art. 5º, caput, e 226, § 7º, ambos da Constituição Federal).

A Procuradoria Geral da República manifestou-se pela procedência da ADI, de modo que o artigo 10, inciso I e parágrafo 5º da lei federal 9263 de 1996 não possa ser mais aplicado, passando os homens e as mulheres, desde que maiores de idade e capazes para a prática dos atos da vida civil, a terem o direito de decidir em realizar procedimentos de esterilização, independentemente da idade, da existência de filhos, da situação conjugal e/ou da anuência do outro cônjuge.

A Advocacia Geral da União manifestou-se pela constitucionalidade (validade) do artigo 10, inciso I e parágrafo 5º da lei federal 9263 de 1996, argumentando que o artigo 226, § 7º da Constituição Federal dispõe que o direito ao planejamento familiar, em que inserida a decisão sobre ter ou não filhos, pertence ao casal:

“§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”

O tema é instigante e existem argumentos para justificar a constitucionalidade (validade), assim como a inconstitucionalidade (invalidade) dos dispositivos da lei federal 9263 de 1996 citados ao longo deste artigo.

O mais importante é que seja sempre buscada pela sociedade a igualdade entre homens e mulheres e os deveres de respeito e consideração sejam cumpridos entre os cônjuges, independentemente de qual decisão seja tomada na ADI a respeito das restrições na realização de procedimentos de esterilização.

Luís Eduardo Tavares do Santos
Sócio e administrador de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados

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