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As novas regras de alimentação do trabalhador: as repercussões trabalhistas na concessão do auxílio-alimentação e as consequências na seara tributária das empresas inscritas no PAT

A norma passou a estabelecer expressamente que as importâncias pagas pelo empregador a título de auxílio-alimentação deverão ser utilizadas ”exclusivamente para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais.“

6/5/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Foi publicada, em 28 de março de 2022, a medida provisória 1.108/22 que altera regras referentes à concessão de benefícios voltados à alimentação dos trabalhadores, especialmente o auxílio-alimentação. Ademais, a nova MP altera também as regras sobre a dedução do imposto de renda das pessoas jurídicas inscritas no PAT - Programa de Alimentação ao Trabalhador.

Dentre as principais alterações, esta MP passou a estabelecer expressamente que as importâncias pagas pelo empregador a título de auxílio-alimentação deverão ser utilizadas ”exclusivamente para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais“.

Além do mais, a empresa que contratar pessoa jurídica para fornecimento do auxílio-alimentação não poderá exigir ou receber benefícios outros, em troca desta contratação, como descontos sobre o valor do benefício contratado ou prazos de pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores disponibilizados aos trabalhadores.

Destarte, para combater o uso inadequado deste benefício pelas empresas, com desvio ou desvirtuamento das finalidades do auxílio-alimentação, a nova MP estabeleceu penalidades por descumprimento das regras, para empregadores e empresas operadoras do auxílio-alimentação. Tais multas podem chegar ao valor de R$ 100 mil, em caso de reincidência por descumprimento das finalidade do referido auxílio ou em casos de embaraço à fiscalização. 

Assim, pode-se afirmar que as alterações promovidas têm o escopo de garantir que os valores do auxílio-alimentação sejam unicamente utilizados para a alimentação dos trabalhadores e não, de forma fraudulenta, para pagamento de outros objetos ou serviços. 

Outra finalidade perceptível das mudanças realizadas com a MP é combater eventuais "ganhos" dos empregadores com o benefício da alimentação ao trabalhador. Ou seja, que o valor do benefício seja maior que o valor efetivamente pago pela empresa ou que o empregador ganhe prazo para pagamento, podendo usar o valor que deveria ter sido pago de forma prévia como capital de giro ou investimento.

A ideia é que a empresa pague exata e antecipadamente o valor que entrega em formato de alimentação para os seus empregados, afastando outros ganhos financeiros, limitando-os à renúncia fiscal decorrente do benefício. 

Isso porque, são concedidos benefícios fiscais às empresas inscritas no PAT - Programa de Alimentação ao Trabalhador, notadamente quanto à dedução do lucro tributável em dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base com o PAT, para fins de imposto de renda, conforme lei 6.321/76.

Importante ressaltar que não é a primeira vez, neste governo, que o PAT sofre consideráveis modificações. Em 10/11/21, o Poder Executivo Federal editou 15 normas infralegais trabalhistas - dentre elas decretos, instruções normativas e portarias -, que alteraram, desburocratizaram e consolidaram cerca de outros mil textos normativos, compondo o que se tem denominado de “Marco Regulatório Trabalhista Infralegal".

Merece destaque o decreto 10.584/21, que instituiu o programa permanente de consolidação, simplificação e desburocratização de normas trabalhistas infralegais e o eLIT - livro de inspeção do trabalho eletrônico, além de alterar o regramento referente ao PAT - Programa de Alimentação do Trabalhador. 

Dentre as diversas mudanças, teve grande repercussão a alteração trazida quanto ao PAT, mais precisamente no que diz respeito à limitação da dedução possível do IRPJ - Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. O art. 186 do decreto 10.854/21 alterou o § 1° do art. 645 do decreto 9.580/18, fazendo com que a dedução do IRPJ não seja sobre o valor total gasto com o PAT (em vale-alimentação e vale-refeição), mas apenas sobre valor total despendido com os trabalhadores que recebem até 5 salários-mínimos.

No mesmo sentido, a dedução também passou a abranger apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo.

O regramento do Decreto n° 10.854/2021 fez surgir uma profusão de novas ações judiciais, que objetivam afastar a redução do benefício fiscal, com liminares sendo concedidas pela Justiça Federal, para declarar a ilegalidade do Decreto neste aspecto, já que o Poder Executivo criou restrições que a lei do PAT (lei 6.312/76) não prevê.

A alteração do benefício fiscal previsto em lei, por decreto do Poder Executivo, contraria os Princípios da Estrita Legalidade e da Hierarquia das Leis, além de violar o Princípio Constitucional da Anterioridade, pois a majoração não poderia ocorrer no mesmo ano da sua edição.

Com o regramento atual do Decreto, as mais prejudicadas foram as grandes empresas que empregam trabalhadores com remuneração acima de 5 salários mínimos.

Importante destacar, assim, diante das alterações promovidas pelo decreto 10.584/21, que as empresas inscritas no PAT estão questionando, judicialmente, a limitação da dedução do IRPJ imposta através pelo Poder Executivo, eis que violam diretamente princípios constitucionais citados alhures.

As mudanças promovidas pela MP 1.108/22, por outro lado, buscam atribuir maior rigor quanto à concessão dos benefícios de alimentação ao trabalhador. Portanto, além de asseverar que os valores são destinados exclusivamente para a alimentação do trabalhador, a MP objetiva garantir que os benefícios dos empregadores e das empresas operadoras do auxílio-alimentação limitem-se à ordem fiscal, através da dedução no IRPJ.

Desse modo, faz-se mister que as empresas adequem-se às novas disposições vigentes quanto à concessão de alimentação aos trabalhadores. Isso porque, as regras insertas na MP podem ser convertidas em lei, a depender do trâmite legislativo no Congresso Nacional. De todo modo, ainda que a MP não seja convertida em lei e, portanto, caduque, os efeitos jurídicos restam plenamente válidos e eficazes no período de 60 dias, que podem ser prorrogados por mais 60, de acordo com o art. 62, §3º da CF/88.

Lucas de Freitas da Silva
Advogado da Área Trabalhista no escritório Renato Melquíades Advocacia.

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