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O controle de constitucionalidade e o Direito intertemporal

Este artigo aborda a interface teleológica da aceitação normativa entre o ordenamento pré-constitucional e a Nova Carta Magna.

19/5/2022

Desde a Constituição imperial brasileira de 1824, os órgãos constituintes do Brasil já promulgaram sete Constituições Federais, fato que coloca em xeque a importância da compatibilização entre tais normativas com as modificações estruturais da sociedade ulteriores. Nesse contexto, a segurança jurídica deve se equalizar ao aproveitamento máximo das legislações pré-constitucionais, gerando a denominada novação- relação intrassistemática da existência e da validade das normas. Entretanto, de acordo com o STF, quando não há a mínima chance de compatibilidade material de normas, ocorre a revogação da Carta Magna pretérita, gerando o efeito ex-nunc (a posteriori). Destarte, nesse contexto de controle de constitucionalidade, para muitas doutrinas vanguardistas, é válida a teoria da inconstitucionalidade superveniente na qual uma lei ou ato normativo julgado inconstitucional pode, por mudanças de paradigmas socioeconômicos e políticos, se tornar constitucionais e integrar o ordenamento jurídico.

Inicialmente, é cediço que cada Constituição condensa e propõe um tipo de paradigma adaptado para cada época e, com o passar dos tempos, as normas podem sofrer mutações intertemporais.  Nesse prisma, para se evitar uma grave crise institucional e um vácuo normativo, a regra brasileira é a consideração do aproveitamento material de normas pre-constitucionalizadas e revogação mínima, com o intuito de arrefecer a demanda do poder legislativo. Ademais, faz-se mister esclarecer que não cabe declarar uma norma pretérita inconstitucional em relação a Constituição vigente, pois faltaria um modelo precedente de questionamento. Nessa linha de discussão, para exemplificar, a revogação promove efeitos ex-nunc, como ocorreu com o CTN - Código Tributário Nacional. Ou seja, esta normativa tributária estava vigente antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e tinha status de lei ordinária, mas foi recepcionada pela Constituição Cidadã com aproveitamento analítico de lei complementar, evitando-se a criação de uma nova legislação tributária contemporânea a Carta Magna.

Todavia, nem sempre é eficaz e efetiva a compensação entre normais intertemporais, ocasionando a não recepção e o não aproveitamento, sem declaração de inconstitucionalidade. Segundo o doutrinador Gugliano Hernani, a compatibilidade entre o velho e o novo não tem como resultado o aproveitamento, mas sim o surgimento do novo ou uma derivação”. Nessa toada, apesar de todas as discussões a respeito do prejuízo inerente a uma extirpação de um ordenamento anterior, deve-se levar em consideração o conteúdo conflituoso entre o possível prejuízo Constitucional e a segurança jurídica como preceito fundamental.

Outrossim, ainda é importante esclarecer que para se avaliar se uma norma pretérita está de acordo com a atual em vigência, pode-se utilizar dois artifícios legais: o ADPF - Argumento de Descumprimento de Preceito Fundamental e o controle de constitucionalidade difuso e comparativo. O primeiro pode ser descrito como concentrado, abstrato, vinculante com efeito ex-tunc e só pode ser efetuado pela Corte Suprema. O segundo, pode ser promovido por juízes e tribunais, em casos particulares incidentais, no qual se propõe a análise de normas anteriores compatíveis com Constituições contemporâneas as normas em detalhamento.

Para finalizar, deve-se descrever a importância do Direito Intertemporal na aceitação da inconstitucionalidade superveniente (no qual uma norma inconstitucional poderia se tornar constitucional com a mudança de paradigma normativo ulterior determinante). Nesse âmbito, há, por parte da doutrina, aceitação relativa pelo Supremo Tribunal Federal, pois em alguns casos pontuais contemporâneos, houve a anuência de normas inconstitucionais que se tornaram constitucionais lato sensu. Um exemplo disso foi descrito com a criação da emenda Constitucional 57/08 que anistiou todos os municípios criados por leis estaduais inconstitucionais. Por conseguinte, nesse caso específico, percebe-se que haveria prejuízo para a coletividade se houvesse necessidade de se excluir tais entes políticos e recriar uma nova normativa condizente e materialmente compatível com a Constituição. Todavia, é importante se ter ciência do perigo de se implantar tal doutrina no ordenamento jurídico constitucional, pois poderia acarretar uma cascata de constitucionalização de normas inconstitucionais – fato que desestabilizaria todo o sistema de controle de constitucionalidade.

Para finalizar, a densidade desse tema gera curiosidade e apreensão em relação aos atuantes jurídicos, contudo, revela o anacronismo vigente desde o Brasil Império em relação a atuação normativa constitucional. É fato que o Brasil permite a utilização mista do sistema jurídico alemão, inglês e americano, habilitando todo o aparato normativo vigente com a realidade brasileira de uma grande variedade socioeconômica e uma imensa extensão territorial.

Segundo o jurista francês Léon Duguit, “Estado não é uma pessoa jurídica, não é uma pessoa soberana, é um produto histórico de uma diferenciação social entre os fortes e os fracos, em uma dada sociedade. O poder pertence aos mais fortes, individuo, classe, maioria, ou seja, é um simples poder de fato. Os governantes que detém os poderes são indivíduos como os outros”.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba .

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