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Breves reflexões sobre a constitucionalidade do §5º do art. 11 da lei 11.445/07

Passemos ao exame do novel dispositivo, notadamente no que tange à sua constitucionalidade – sob os prismas formal e material.

8/11/2022
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1 - Considerações iniciais: as alterações promovidas pela lei 14.026/20 e a correlação de outros diplomas com a lei 11.445/07 

Como cediço, a lei 14.026, de 15 de julho de 2020 trouxe significativas alterações na lei 11.445/071, diploma que este estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Bem de ver que a mesma lei de julho de 2020 também alterou disposições relevantes da lei 9.984/00 - para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. Além desta, também foram promovidas alterações na lei 11.107/05  - para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal - e em outros diplomas normativos (como, por exemplo, as leis 12.305/10  e 13.089/15 - Estatuto da Metrópole).

Com o advento da novel legislação, diversos dispositivos de seu corpo foram alvo de palestras, seminários e artigos doutrinários. Dentre as discussões travadas sobre o seu plexo normativo, as mais comuns e acaloradas versaram sobre (i) as regras que incorporaram competência adicional para a ANA estabelecer “normas de referência” em sede regulatória que pudesse avançar nas concessões à níveis regionais e municipais, no mínimo para vedar a obtenção de recursos pela União; (ii) a previsão de novas modalidades de prestação regionalizada para além daquela levada a efeito à nível dos consórcios municipais e das regiões metropolitanas2; (iii) a priorização dos modelos de contrato de concessão em detrimento dos denominados contratos de programa; e (iv) a possibilidade de a União, à luz da partilha e dos limites das competências constitucionais decorrentes de nosso modelo Federativo, estabelecer metas de universalização para abastecimento de água potável e coleta e tratamento de esgoto, tal como estabelecido para o horizonte de 31 de dezembro de 2033, nos percentuais de 99% e 90% da população, respectivamente, conforme os termos da nova redação dada ao art. 11-B da lei 11.445/07.  

Porém, e para além das questões acima e de tantas outras - que inclusive foram alçadas ao Eg. STF em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade3 -, não podemos perder de vista que outras disposições relevantes foram trazidas à lume em campos reveladores de uma interface (com potencialidades) envolvendo temas (co)relacionados ao saneamento básico e à segurança hídrica e, bem assim, ao saneamento básico e à função socioambiental da empresa.

Este artigo não tem o propósito de esmiuçar todos os reflexos e potencialidades das correlações temáticas supracitadas. Visa, tão somente, proceder a uma breve exposição sobre a constitucionalidade do novo comando previsto no §5º do art. 11 da lei 11.445/07, cuja redação é a seguinte: “fica vedada a distribuição de lucros e dividendos, do contrato em execução, pelo prestador de serviços que estiver descumprindo as metas e cronogramas estabelecidos no contrato específico da prestação de serviço público de saneamento básico”.

Consoante se depreende de uma leitura atenta do enunciado normativo retrocitado, sua pertinência temática com as regras e os princípios gerais afetos ao “saneamento básico” afigura-se um tanto quanto peculiar se comparada com as demais disposições da mesma Lei, v.g. no que diz com questões relacionadas ao ‘poder concedente’, ‘planejamento’, ‘conteúdo mínimo dos contratos de concessão’ e ‘regulação’. 

Todavia, longe ser uma espécie de contrabando legislativo4, “cavalo de Tróia” ou “corpo estranho”, a disposição guarda sintonia com a seriedade com que o legislador pátrio resolveu tratar das metas e cronogramas existentes nos contratos de concessão na área do saneamento básico. Se de um lado a lei 14.026/20 representou um estímulo às concessões “privadas” e uma retração da Administração Pública no campo deste serviço público, por outro lado este “convite” (e.g. à iniciativa privada) foi acompanhado não só de regras que garantissem ‘segurança jurídica’, como também de outras que realçassem a importância da regulação estatal (já que estamos tratando de serviço público essencial) e do efetivo comprometimento com a satisfação dos direitos (v.g. humanos e fundamentais) atendidos por estas mesmas concessões.

 De tal sorte que a regra do §5º do art. 11 da lei 11.445/07, como veremos adiante, demonstra que é possível que  a legislação sobre determinado tema específico (e.g. saneamento) possa não só veicular preceitos tradicionalmente relacionados aos princípios, instrumentos e institutos que lhes são afins5 - de ramos da ciência jurídica em que costuma ser estudado e disciplinado (v.g. direito administrativo) -, como também trazer disposições que, a par da sua interdisciplinaridade com outras ciências para além do Direito - como a engenharia, economia, biologia, hidrologia e outras -, versem sobre instrumentos e institutos que são tratados, comumente e enquanto regra geral, em legislações afetas a outros sistemas e ramos (e.g. direito financeiro, tributário, consumidor e empresarial), conferindo especialidade a determinada relação jurídica quando desenvolvida sob os influxos e no campo daquele setor/tema específico.

 Tecidas essas considerações introdutórias, passemos ao exame do novel dispositivo, notadamente no que tange à sua constitucionalidade – sob os prismas formal e material.

  • Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.

Autor

José Alexandre Maximino Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

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