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STF e o acertado reconhecimento da inconstitucionalidade da multa por compensação não homologada

A decisão ainda é passível de oposição de Embargos de Declaração pela União Federal para eventual fixação de modulação de efeitos.

24/3/2023

Na última sexta-feira, findou-se uma antiga discussão em que os Contribuintes saíram vitoriosos: o Plenário do STF, por meio do julgamento do RE 796.939 e da ADIn 4.905, afirmou que é inconstitucional a aplicação de multa isolada por compensação não homologada pela RFB.

A referida multa encontrava fundamento no art. 74, § 17, da lei 9.430/961 e previa que o Contribuinte estaria sujeito à aplicação de multa de 50% do valor do débito objeto da compensação pleiteada e não homologada pela RFB.

Ocorre que a multa, apesar de ter respaldo em lei, não observava diversas premissas tão caras ao direito tributário e constitucional como o direito de petição, a vedação ao efeito confiscatório das multas, a boa-fé e a razoabilidade e proporcionalidade.

Sabe-se que o objetivo da aplicação de uma multa tem caráter educativo e repressivo quando do cometimento de um ato ilícito e, quando o Contribuinte constata a existência de um crédito em sua apuração tributária e pretende utilizá-lo para pagamento de um débito, não há cometimento de ato ilícito passível de sanção pois, ainda que haja um equívoco pelo Contribuinte ou mera discordância da RFB, está tão somente valendo de seu direito de compensação e cabe à RFB homologá-la ou não.

Em linhas gerais, no RE 796.939, o Relator Min. Edson Fachin, afirmou que o pedido de compensação é um direito constitucional de petição do Contribuinte e não há correlação entre a multa tributária e o pedido administrativo de compensação tributária, ainda que este não seja homologado pela Administração Tributária, além de a aplicação automática da multa violar o princípio do devido processo legal e da boa-fé.

No mesmo sentido, o relator da ADIn 4.905, o Min. Gilmar Mendes, afirmou que a RFB conta com uma série de dispositivos para sancionar condutas indevidas dos Contribuintes nas compensações indevidas e ainda comparou a sanção pretendida pela RFB à aplicação de multa por litigância de má-fé nas ações judiciais julgadas improcedentes, sem observância das hipóteses previstas no art. 80, do CPC, o que, por certo, obstaria o acesso à Jurisdição2.

Com voto vencido, o Min. Alexandre de Moraes acompanhou os relatores com ressalvas3 e visava emplacar a possibilidade de aplicação da multa quando comprovada a má-fé e abuso do direito do Contribuinte por meio de processo administrativo em que fossem assegurados o contraditório e a ampla defesa. Todavia, nenhum outro Ministro acompanhou seu racional, de modo que a aplicação da multa é inconstitucional em qualquer hipótese.

A acertadíssima decisão do STF trará relevante impacto aos Contribuintes e à arrecadação da União Federal que estimou uma perda de R$ 3,7 bilhões nos próximos cinco anos, conforme constou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)4.

A decisão ainda é passível de oposição de Embargos de Declaração pela União Federal para eventual fixação de modulação de efeitos, mas, desde já, representa uma grande vitória aos Contribuintes que, há anos, vêm defendendo a inconstitucionalidade da referida multa e terão maior segurança para pleitear as compensações administrativas.

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1 § 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.

2 Por hipótese e de forma análoga, se toda vez que uma demanda judicial fosse julgada improcedente, ao autor fosse aplicada multa por litigância de má-fé, independentemente da caracterização das situações previstas no art. 80 do CPC, isso certamente coibiria o exercício do direito de acesso à Jurisdição, mesmo daqueles que, de boa-fé, venham pleitear seus direitos junto ao Poder Judiciário.

3 “I - É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante do indeferimento do pedido de ressarcimento ou quando este for tido por indevido; e da mera negativa de homologação de compensação tributária, por não consistirem em atos ilícitos com a aptidão para propiciar a automática penalidade pecuniária. No primeiro caso, aplica-se o entendimento aqui fixado para as relações jurídicas travadas na vigência do § 15 do art. 74 da Lei 9.430/1996.

II - Admite-se a imposição da multa isolada quando comprovada, mediante processo administrativo em que assegurados o contraditório e ampla defesa, a má-fé do contribuinte na utilização créditos passíveis de restituição ou de ressarcimento na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal;

III - Não se caracteriza a má-fé a mera reiteração de pedido já rejeitado ou de compensação não homologada anteriormente, mas sim quando essa conduta, analisada no caso concreto, ultrapassa os limites do exercício legítimo do direito de petição a ponto de configurar abuso desse mesmo direito."

4 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.436-de-9-de-agosto-2022-421627764.

Ana Flávia Cunha
Advogada da área tributária no escritório /asbz, possui experiência em demandas relativas ao direito tributário contencioso judicial e administrativo. Atua na adoção de defesas e recursos em ações e casos estratégicos em todas as instâncias das Cortes do país, bem como gestão de carteiras de processos, resolução de pendências perante órgãos administrativos da Fazenda Pública Municipal, Estadual e Federal, prevenção de riscos, auditorias e prestação de assessoria jurídica. É graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

Lucas Querido
Advogado da área tributária no escritório /asbz, possui experiência em demandas relativas ao direito tributário contencioso judicial e administrativo. Experiência na resolução de pendências perante órgãos administrativos da Fazenda Pública Municipal, Estadual e Federal, adoção de defesas e recursos em ações e casos estratégicos, bem como gestão de carteiras de processos, prevenção de riscos e prestação de assessoria jurídica especializada para companhias dos setores imobiliário, energético, varejo, bancário dentre outros. É graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e possui MBA em Direito Tributário pelo Insper.

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