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Disciplina para eleição de foro em contratos

As implicações jurídicas e práticas da nova lei 14.879/24.

22/4/2025
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A promulgação da lei 14.879/24 trouxe uma alteração relevante ao direito processual brasileiro, no art. 63 do CPC, no que diz respeito à limitação da eleição de foro em contratos. Em vigor desde 4/6/24, a nova legislação estabelece que a eleição de foro em juízo aleatório é proibida, ou seja, o foro deve ter relação direta com o domicílio das partes ou com o próprio negócio jurídico que originou a demanda.

A proibição da escolha indiscriminada de foro, que não tenha relação com o domicílio das partes ou com o local da obrigação, impõe a nulidade de cláusulas contratuais de eleição de foro que não respeitem essas condições.

A nosso ver, segundo o art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal, a eleição de foro que limita o acesso à justiça no Brasil fere o direito constitucional de acesso à jurisdição e configura violação grave aos direitos das partes envolvidas.

Nesse contexto, o recente julgado de relatoria da Exma. ministra Nancy Andrighi, na 2ª seção do STJ, dispôs expressamente sobre a aplicabilidade da nova legislação em casos como o presente, in verbis:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ART. 63, §§ 1º E 5º, DO CPC. ALTERAÇÃO DADA PELA LEI 14.879/24. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA COM O DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DAS PARTES OU COM O NEGÓCIO JURÍDICO. JUÍZO ALEATÓRIO. PRÁTICA ABUSIVA. DECLINAÇÃO DE OFÍCIO. AÇÃO AJUIZADA ANTES VIGÊNCIA DA NOVA LEI. IMPOSSIBILIDADE.

(...) 3. A lei 14.879/24 alterou o art. 63 do CPC no que diz respeito aos limites para a modificação da competência relativa mediante eleição de foro. A nova redação do § 1º do dispositivo dispõe que "a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor".

4. Como consequência da não observância dos novos parâmetros legais, será considerada prática abusiva o ajuizamento de demanda em foro aleatório, sem qualquer vinculação com o domicílio ou residência das partes ou com o negócio jurídico, podendo o Juízo declinar de ofício da competência, nos termos do § 5º do art. 63 do CPC. (...) CC 206.933/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, 2ª seção, julgado em 6/2/25, DJEN de 13/2/25.)

Assim, a cláusula de eleição de foro somente será válida quando constar em instrumento escrito, fizer referência expressa a um negócio jurídico determinado e possuir pertinência direta com o domicílio de uma das partes ou com o local da obrigação. Caso contrário, configura-se a prática abusiva, autorizando-se a declinação de competência de ofício.

No âmbito do TJ/SP e TJ/DF, o entendimento é o mesmo, inclusive com reconhecimento da nulidade de ofício, em casos ajuizados após o advento da lei. Confira-se:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – Ação de indenização por dano moral – Distribuição ao Juízo do foro de eleição – Redistribuição ao local da sede da ré – Medida acertada - Possibilidade de declinação de ofício – Juízo do foro de eleição sem qualquer vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o local da obrigação - § 1º do art. 63 C.P.C . com a nova redação dada pela lei 14.879/24, que deve ser observado – Mitigação da regra da "perpetuatio jurisdictionis" e da súmula 33 do STJ – Precedente - Procedente o conflito - Competente o Juízo Suscitante." (TJ-SP - Conflito de competência cível: 00313454720248260000 Osasco, Relator.: Torres de Carvalho(Pres . Seção de Direito Público), Data de Julgamento: 10/10/24, Câmara Especial, Data de Publicação: 10/10/24).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. CABIMENTO. TAXATIVIDADE MITIGADA . ART. 63 DO CPC. LEI 14 .879/24. APLICABILIDADE. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ESCOLHA ABUSIVA . DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. 1. A discussão sobre a competência para o processamento e julgamento da ação possui aptidão para causar prejuízo manifesto às partes e ao trâmite processual, razão pela qual admite-se a interposição do agravo de instrumento sob a ótica da tese de taxatividade mitigada (Tema 988 do STJ). 2 . A recente alteração legislativa do CPC (lei 14.879/24) se aplica desde logo aos processos pendentes, na forma prevista nos arts. 14 e 1.046 do CPC, e por se tratar de deliberação sobre situação não consumada (definição do juízo competente), observada a Teoria dos Atos Processuais Isolados . 3. Nos termos do art. 63, §§ 3º e 5º, do CPC, com redação dada pela lei 14 .879/24, não se admite a eleição indiscriminada de foro, desvinculada dos domicílios das partes ou do local da obrigação. Na hipótese, no contrato firmado foi eleito o foro de Brasília, que não corresponde ao domicílio do exequente, tampouco do executado. 4. Agravo de instrumento conhecido e não provido". (TJ-DF XXXXX20248079000 1906861, Relator.: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 14/8/24, 6ª turma Cível, Data de Publicação: 28/8/24)

Assim, em conformidade com a Teoria da Aplicação Imediata da lei processual, a lei 14.879/24 deve ser aplicada após a sua promulgação, em casos concretos envolvendo a eleição de foro judicial mesmo em jurisdição estrangeira, sem qualquer relação com o domicílio das partes ou o local da obrigação, como um foro em Paris, na França, em contrato cujas obrigações foram integralmente cumpridas em território brasileiro, com as partes estabelecidas no Brasil, evidencia-se um clássico exemplo de foro aleatório proibido pela nova lei.

Assim, nos termos da lei 14.879/24 e conforme decidido pelo STJ e pelos Tribunais estaduais, impõe-se a declaração da nulidade dessa cláusula.

Cumpre esclarecer, que, de acordo com a redação do § 1º do art. 63 CPC, com a nova redação dada pela lei 14.879/24, dispõe que “a eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor”.

Com essas exigências não sendo atendidas, verifica-se prática abusiva o ajuizamento de demanda em foro aleatório, permitindo ao juiz declinar de ofício da competência. Essa possibilidade representa uma superação parcial da súmula 33 do STJ, que estabelecia que a incompetência relativa1 não poderia ser declarada de ofício.

Importa, ainda, ressaltar, que, considerando os princípios fundamentais que regem as relações contratuais, tais como a autonomia privada, liberdade contratual e pacta sunt servanda, as partes, doravante, se desejarem livremente eleger o foro para dirimir eventuais conflitos, devem fazê-lo preferencialmente por meio da cláusula arbitral. A arbitragem oferece às partes uma alternativa eficaz, rápida e especializada, garantindo segurança jurídica e adaptabilidade às necessidades específicas dos contratantes.

A eleição da lei aplicável em contratos internacionais também desempenha papel crucial na resolução de disputas. Quando as partes não determinam expressamente a lei que regerá o contrato, aplicam-se regras específicas para definir qual legislação prevalecerá, em geral vinculadas à localização do prestador característico da obrigação contratual. Tal princípio busca garantir previsibilidade nas relações comerciais internacionais.

É de se destacar, por fim, a questão intertemporal da lei. A Corte Superior estabeleceu expressamente que a nova disciplina é aplicável somente às ações ajuizadas após sua vigência, observando a teoria dos atos processuais isolados. Assim, processos iniciados antes da entrada em vigor da introdução legislativa permanecem regulados pela legislação vigente à época do ajuizamento.

Este entendimento do STJ estabelece a segurança jurídica e o respeito aos atos praticados anteriormente à nova norma, reforçando a importância da previsibilidade nas relações contratuais e processuais. Contudo, para ações ajuizadas após a entrada em vigor da referida lei, aplica-se imediatamente a nova disciplina, devendo-se declarar nulas as cláusulas que não observem os requisitos estabelecidos.

Portanto, a nova lei estabelece um marco claro para sua aplicação intertemporal, resguardando os direitos constituídos sob as regras anteriores e promovendo maior eficiência e acessibilidade à justiça.

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1 A competência relativa é aquela definida em razão do valor e do território. Ela não constitui matéria de ordem pública, podendo as partes dela dispor livremente (CPC, art. 63).

Autor

José Antonio Verbicario Carim Junior Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e mestre em Direito pela Northwestern University Pritzker School of Law (LL.M), Chicago, IL.

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