A teoria da firma de Ronald Coase, apresentada em seu clássico artigo “The Nature of the Firm” (1937), procura explicar por que as empresas existem e crescem, mesmo quando poderiam operar por meio de contratos no mercado. Coase argumenta que a internalização de atividades se justifica pela redução de custos de transação – ou seja, custos que decorrem da negociação, fiscalização e execução de contratos. Assim, a decisão de adquirir outra empresa seria, sob essa perspectiva, uma escolha racional e eficiente, voltada à maximização da eficiência organizacional. No entanto, quando essa lógica é transposta para o campo da defesa da concorrência, a análise se torna mais complexa.
Os rumores do julgamento que se aproxima nos Estados Unidos, em que Mark Zuckerberg afirmou que a aquisição do Instagram foi motivada pelo fato de o aplicativo possuir uma câmera superior à do Facebook na época, é ilustrativo da aplicação – e das limitações – da teoria de Coase. Ao justificar a transação com base em ganhos tecnológicos e de eficiência, a declaração reforça a noção de que a integração do Instagram ao ecossistema da Meta representaria uma solução racional e economicamente eficiente, ao evitar custos de desenvolvimento interno e acelerar a adaptação da empresa à evolução do mercado.
No entanto, essa explicação deve ser submetida a uma análise crítica, especialmente sob a perspectiva do Direito Concorrencial. Embora a aquisição possa parecer eficiente sob a ótica dos custos de transação, é necessário perquirir se a real motivação da transação foi apenas tecnológica ou se houve um propósito anticoncorrencial, como a eliminação de um potencial rival. Nesse ponto, a análise se aproxima da chamada teoria das aquisições eliminatórias -killer acquisitions-, que questiona se determinadas aquisições visam inibir a concorrência antes que ela amadureça no mercado.
A fronteira entre uma estratégia legítima de crescimento empresarial e uma conduta de supressão da concorrência é tênue, e o que distingue o antídoto do veneno é, justamente, a dose. No contexto antitruste, essa “dose” pode ser traduzida pela presença de elementos subjetivos e objetivos que revelem a real intenção da operação: se houve, por exemplo, intenção deliberada de descontinuar inovações concorrentes ou de controlar o mercado por meio de aquisições sistemáticas. Assim, cabe às autoridades antitruste analisar não apenas os efeitos imediatos da transação, mas também os impactos potenciais sobre a estrutura de mercado e sobre a dinâmica inovativa.
No caso da Meta, a linha entre ganho de eficiência e supressão da concorrência torna-se ainda mais nebulosa quando se considera que o Instagram, mesmo sendo uma empresa nascente à época da aquisição, já demonstrava grande potencial disruptivo. A afirmação de que foi adquirido por possuir uma “melhor câmera” pode ser verdadeira sob o ponto de vista técnico, mas não afasta a necessidade de análise quanto à intencionalidade econômica e concorrencial do ato. Afinal, eliminar um concorrente promissor sob pretexto de ganhos tecnológicos pode representar uma distorção estrutural do mercado.
Portanto, embora a teoria de Coase forneça fundamentos relevantes para justificar aquisições com base na redução dos custos de transação, ela não pode ser usada como escudo absoluto diante das preocupações concorrenciais. A atuação regulatória deve ser capaz de discernir quando uma operação se insere em uma estratégia legítima de crescimento e quando configura uma prática de supressão da concorrência com efeitos deletérios ao ambiente inovador e competitivo. O caso da Meta reforça a urgência dessa análise multidimensional no contexto atual da economia digital.