Em recente decisão, o STF autorizou a homologação de partilha consensual de bens sem a comprovação de quitação do ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.
A ação ajuizada pelo Distrito Federal questionava a previsão contida no art. 659, §2º do CPC, o qual versa sobre a desnecessidade de se comprovar, no arrolamento sumário, o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação como condição para a homologação da partilha ou expedição da carta de adjudicação.
Com isso, a decisão unânime proferida na ADin 5.894 manterá a celeridade o processo de partilha, mas isso não significa que o tributo não terá que ser pago pelo contribuinte.
Neste artigo, será destacada a importância do referido entendimento do STF e como os princípios do processo civil foram cogentes para o convencimento da Turma.
A decisão proferida na ADIn 5.894
O Tema abordado na ADIn 5.894 debateu a constitucionalidade do art. 659, parágrafo 2º, do CPC, que desobriga, no âmbito do arrolamento sumário judicial, a quitação prévia do ITCMD como condição para a lavratura de formal de partilha ou a elaboração de carta de adjudicação, seguida dos alvarás e de intimação da Fazenda Pública.
Nesse ponto, importante destacar que a declaração de inconstitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal, estadual e municipal, conforme leciona o parágrafo único do art. 28, da lei 9.868/99.
Frise-se que o voto do ministro relator, André Mendonça, asseverou que a controvérsia constitucional posta nos autos consistia em saber “se afronta a reserva qualificada de lei para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária e o princípio da isonomia tributária comando normativo do Código de Processo Civil que não obriga, no âmbito do arrolamento sumário judicial, a comprovação de quitação do ITCMD como condição para a lavratura de formal de partilha ou a elaboração de carta de adjudicação, seguida dos alvarás e de intimação da Fazenda Pública”.
O pedido da Procuradoria-Geral do DF salientava a alegada violação à isonomia tributária, prevista no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, bem como a invasão de competência legislativa de lei complementar sobre garantias e privilégios do crédito tributário, conforme estabelece o artigo 146, inciso III, alínea “b”, da CF/88.
Com efeito, a ação, que foi proposta pelo Distrito Federal em fevereiro/2018, foi julgada improcedente pelo Plenário Virtual do STF em abril/2025. Ou seja, consignou-se o entendimento de que é possível a homologação de partilha consensual de bens sem a comprovação de pagamento do ITCMD.
Foi pontuado pelo relator que o art. 659, § 2º, do CPC possui como finalidade principal o resgate da essência simplificada do arrolamento sumário, remetendo para fora da partilha amigável as questões relativas ao ITCMD, cometendo à esfera administrativa fiscal o lançamento e a cobrança do tributo.
Logo, não se tem a isenção do tributo acima descrito. O que há, em verdade, é o diferimento da apuração e o seu lançamento para depois do encerramento do processo judicial, em atenção ao princípio da celeridade, da efetividade e da duração razoável do processo, o que não é inconstitucional no entender do Supremo Tribunal Federal.
Urge destacar que o art. 1.031, §2º, do CPC/1973 determinava que, para a lavratura do formal de partilha e da elaboração da carta de adjudicação relativamente ao ITCMD, era imprescindível a comprovação do pagamento do imposto.
Tal dispositivo foi substituído no código de 2015 pelo art. 659, §2º, o qual retirou a obrigatoriedade de tal verificação. Ou seja, o artigo tido como violado pelo Distrito Federal em sua ADIn foi inovador justamente no CPC de 2015.
Importante salientar ainda o Tema Repetitivo 1074 do STJ, o qual, em julgamento de recurso especial interposto também pelo Distrito Federal, formulou a seguinte tese jurídica:
"Tema Repetitivo 1074 do STJ. No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN".
Tal exegese reforça que a chegada do CPC de 2015 corrobora que a tônica legislativa atual voltou a priorizar a agilidade do arrolamento sumário. Isto é, a busca pela simplificação e flexibilização dos procedimentos envolvendo o tributo do ITCMD nortearam a interpretação do diploma processual civil vigente, levando em consideração a disposição de seus arts. 4º e 6º, e que, por isso, não é inconstitucional a homologação de partilha feita de maneira consensual sem a efetiva comprovação do pagamento do ITCMD.
Percebe-se então que os princípios e garantias processuais, os quais estão inseridos no ordenamento constitucional, principalmente em função do movimento de constitucionalização do processo, foram utilizados de maneira crucial para a formação da convicção e entendimento do STF no julgamento da ADI em discussão.
A norma prevista no art. 659, caput e § 2º, do CPC, ao postergar aos interessados a obrigatoriedade do pagamento do tributo - durante o andamento do processo -, remetendo eventuais controvérsias sobre o tema à esfera administrativa, representa um retorno acertado à orientação legal vigente há mais de quarenta anos, estabelecida pela lei 7.019/1982, que já demonstrava oposição à burocratização nas partilhas consensuais.
Conclusão
Diferentemente do que determinava o art. 1.031, § 2º do CPC/1973, o diploma processual civil de 2015 realça a possibilidade da expedição do formal de partilha de bens sem a comprovação de quitação do ITCMD, bastando agora, após o trânsito em julgado da sentença homologatória, a intimação do Fisco para lançá-lo administrativamente, porém depois da expedição dos títulos translativos de domínio.
Essa mudança possui foco na celeridade processual, sendo que a homologação da partilha no procedimento do arrolamento sumário não pressupõe o atendimento das obrigações tributárias principais e tampouco acessórias, tais como tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas.
Evidente, ainda, que a principiologia do CPC/15 contribuiu para o julgamento improcedente da ADIn 5.894, haja vista que foram levados em primazia no julgamento do caso os princípios da celeridade, da efetividade e da duração razoável do processo.
Assim, a decisão do STF na ADIn 5.894 - de ser possível a homologação de partilha consensual de bens sem a comprovação de pagamento do imposto sobre transmissão causa mortis - mantém a segurança jurídica do direito sucessório e tributário.