Recentemente, a 5ª turma do TST entendeu que a Justiça Comum seria a jurisdição competente para resolver disputas relativas à fase pré-contratual, quando não houver relação de trabalho entre as partes.
No caso específico, o autor da ação se cadastrou em um aplicativo de plataforma digital para se habilitar como motorista, mas sua conta de acesso nunca foi liberada, impedindo-o de trabalhar e causando prejuízo ao seu sustento e à possibilidade de obter renda.
Diante desse cenário, ele ajuizou uma ação trabalhista para, entre outros pedidos, requerer que a empresa fosse compelida a ativar sua conta na plataforma, além da fixação de indenização por danos materiais na forma de lucros cessantes (por semana de trabalho perdida) e por danos morais.
O juízo da 4ª vara do Trabalho de Juiz de Fora, em Minas Gerais, julgou improcedentes os pedidos do autor, fundamentando que a empresa não seria obrigada a expor os motivos de não aceitar o candidato para atuar em sua plataforma. Porém, o autor recorreu dessa decisão e a 8ª turma do TRT da 3ª Região (Minas Gerais) reverteu a decisão de 1ª instância.
Com isso, a empresa ré recorreu ao TST, alegando que a pretensão da ação trabalhista tratava tão somente da ativação da parceira comercial e demais indenizações para fins de reparação decorrentes dessa parceria, razão pela qual a Justiça do Trabalho não seria competente para processar e julgar a ação, mas sim a Justiça Comum.
Análise pelo TST
Diferentemente das instâncias anteriores, o TST pautou a sua análise em questões processuais acolhendo a tese da empresa, ao entender pela incompetência da Justiça do Trabalho.
Inicialmente, o ministro Breno Medeiros fez uma distinção entre o precedente firmado pela 5ª turma do TST, nos autos do RR-443-06.2021.5.21.0001 (“as relações travadas entre motoristas e aplicativos de serviço por demanda de usuários, embora não sejam subsumidas ao conceito de emprego, envolvem relação de trabalho cuja competência é desta Justiça Especializada”), e o caso concreto, afirmando que a situação fática era peculiar, o que justificava a aplicação de entendimento diverso do precedente.
O fundamento principal que levou ao entendimento da incompetência material da Justiça do Trabalho é que a relação jurídica de trabalho entre as partes não teria se iniciado, pois esta dependia da ativação do motorista na plataforma para ter o marco inicial da relação laboral.
Como tal ativação não ocorreu, a Justiça do Trabalho não seria competente para apreciar uma ação que diz respeito a uma relação de trabalho que sequer veio a existir, cabendo a aplicação do direito civil durante esse período pré-contratual.
Outro fundamento indicado pelo relator foi o Tema de repercussão geral 992 (RE 960.429) firmado pelo STF, que fixou o entendimento de que: “Compete à Justiça Comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública, direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime celetista de contratação de pessoas (...)”.
O relator citou que esse racional seria apropriado ao caso em análise e deveria ser aplicado da mesma maneira ao momento pré-contratual quando não tiver existido relação de trabalho entre as partes. Os demais ministros acompanharam o voto relator.
A importância da discussão para a Justiça do Trabalho
Discussões sobre questões pré-contratuais têm se tornado cada vez mais recorrentes na Justiça do Trabalho. Os tribunais trabalhistas têm enfrentado processos que requerem a fixação de indenização pela perda de uma chance. Nesses casos, o autor da reclamação trabalhista busca a reparação à título de danos materiais e/ou morais a partir de uma frustração gerada, que lhe retirou uma oportunidade que poderia ter trazido um benefício.
A jurisprudência trabalhista tem fixado indenizações como forma de reparar danos decorrentes da fase pré-contratual nos casos em que a conduta do empregador impede o empregado de obter uma oportunidade vantajosa. A título de exemplo, cita-se abaixo algumas discussões na Justiça do Trabalho sobre a fixação de indenização por danos ocorridos na fase pré-contratual:
- O trabalhador realizou todos os treinamentos necessários, bem como os exames admissionais, mas ao final não foi contratado por decisão unilateral da empresa. A Justiça do Trabalho fixou indenização por danos morais no importe de R$5.000,00 e rejeitou o pedido de indenização por danos materiais. A discussão já foi encerrada;1
- O trabalhador realizou exames admissionais e a abertura de conta na instituição bancária indicada pela empresa, mas ao final, foi informado que não teria sido aprovado no processo seletivo. A Justiça do Trabalho fixou indenização por danos morais no importe de R$5.000,00. A discussão também já foi encerrada;2
- O trabalhador teve uma expectativa de contratação frustrada após ser rejeitado em processo seletivo que estava em estágio avançado. A Justiça do Trabalho fixou indenização por danos morais no importe de R$3.000,00. A discussão, igualmente, já se encerrou.3
Para fins de discussão, há outros cenários que podem ser analisados sob a óptica da "teoria da perda de uma chance", tais como o cancelamento de um programa de estágio pela empresa, contratos de aprendizagem que não foram executados, alegação de condutas discriminatórias no processo de seleção, e entre outros, que dependem, no entanto, de provas robustas para que seja confirmada a perda de uma chance ou lesão à expectativa de direito da parte autora.
De qualquer forma, a nova decisão proferida pelo TST sobre o tema pode ser útil para orientar as empresas em suas defesas e recursos nos processos trabalhistas que tratam de questões relacionadas à fase pré-contratual.
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1 Processo 1001489-72.2018.5.02.0057, julgado pela 4ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).
2 Processo 0010441-70.2022.5.18.0122, julgado pela 1ª vara do Trabalho de Itumbiara, em Goiás.
3 Processo 0010133-62.2020.5.18.0103, julgado pela 3ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás).