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A citação e a sua localização na teoria do processo: Entre validade e existência

O texto analisa o instituto da citação e a sua concepção entre pressuposto de existência ou requisito de validade do processo.

28/7/2025

Este texto pretende abordar a natureza jurídica da citação e a sua relação com a teoria geral do processo, inclusive dialogando com o entendimento jurisprudencial atual.

A citação é um ato processual essencial para o processo, contudo é um pressuposto de existência ou um requisito de validade da relação processual? Essa indagação é pertinente e nos impõe a necessidade de enfrentar posicionamentos diversos e sem qualquer unanimidade.

A análise dos próprios pressupostos processuais se torna necessária. Em relação aos pressupostos de existência, não se deve olvidar que se discute a existência jurídica e não fática.

Logo, à falta de um pressuposto de existência, ainda poderão existir efeitos fáticos, mas juridicamente não existiu processo. Há, portanto, mera relação de fato.

O processo existe a partir do ato do autor em demandar perante a jurisdição (art. 312, do CPC). Para que um processo exista, há a necessidade da capacidade das partes, no sentido da capacidade de estar em juízo, o ato de demandar e a própria existência de uma jurisdição organizada.

Essa é a tríade dos pressupostos de existência do processo: jurisdição; demanda; e a parte autora.

As partes devem ser consideradas como o autor realizando o ato de demandar e indicando o réu, sem, necessariamente, cobrar-se, nesse momento, que o réu detenha capacidade adequada e pormenorizada.

Sem a jurisdição, não há processo; sem parte, não há exercício da jurisdição; e após jurisdição e partes, uma destas deve demandar pela prestação jurisdicional.

A pergunta agora deve ser feita: a citação é um pressuposto de existência? Diante dessa tríade, a resposta tende a ser negativa. Para que o processo exista para o autor não necessita de citação. O processo detém existência para o autor desde o ato de demandar.

A leitura dos arts. 331 e 332 do CPC nos permite afirmar, inclusive, que é possível a prolatação de decisões finais, como sentenças de indeferimento ou de improcedência liminar, sem a necessidade de citação.

Dessa maneira, parcela considerável da doutrina entende que a citação é um requisito de validade do processo. A citação torna o processo defeituoso, caso esta contenha vícios, contudo não deixaria de ter existência.

Em recente decisão, a 4ª turma do STJ afirmou que “a falta de citação válida constitui ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo”. AgInt no AREsp 2.776.750/SP - Rel. min. João Otávio de Noronha.  T/STJ - DJEN 24/4/2025.

Ademais, o próprio ordenamento dispõe, nos moldes do art. 239 do CPC, que para a validade do processo a citação é indispensável, o que leva a crer, de modo adequado, que a citação é um requisito de validade do processo, como uma condição de eficácia do mesmo em relação ao réu.

Essa afirmação detém solidez, contudo deve ser analisada por dois prismas: do autor; e do réu.

Pelo prisma do autor, como vimos, a citação é realmente um requisito de validade do processo. Um processo sem citação não deixa de existir para o autor, com a sua validade ainda não convalidada em sua plenitude. A falta de citação ou defeito de citação é um defeito processual e, assim, impossibilita a eficácia do processo e sua validade, com a necessidade de busca pelo ato citatório.

Diante disso, não há dúvidas que para o autor a citação é um requisito de validade do processo, a questão está no outro prisma, para o réu.

Para o prisma do réu, a leitura do art. 312 do CPC é o ponto de partida.

Como afirma este dispositivo processual, o processo só produz efeitos para o réu a partir da validade da citação. Antes desse momento de cientificação e convocação do réu para o exercício do contraditório, para este não há processo; apesar da existência para o autor, para o réu, o maior interessado na citação, dada a cientificação e convocação para o processo, não há nenhum processo.

Diante disso, não se pode entender que a citação, no prisma do réu, seja um requisito de validade do processo. Sem citação ou com defeito nesta e a falta de suas matrizes - cientificação e convocação para o processo, o réu não detém vinculatividade ao processo e, assim, não produz efeitos. Não há substitutividade por causa da ausência de vínculo do processo e a jurisdição do réu para o processo.

A citação é um pressuposto de existência para o réu, com a falta de produção de efeitos não pela invalidade do processo para o réu, mas pela sua inexistência dada a falta de citação. No entanto, importante dizer que existe posicionamento no sentido de que a citação é um requisito de validade do processo e o seu defeito sendo somente transrescisório.

No tema, entendeu a 4ª turma do STJ que “a ausência de citação/intimação da parte interessada para se manifestar sobre pedido de arbitramento de honorários advocatícios formulado em ação cautelar de arresto, após o trânsito em julgado da sentença homologatória de acordo celebrado entre as partes, é vício transrescisório que autoriza o acolhimento da exceção de preexecutividade”. REsp: 1.993.898 3ª turma, DJe: 30/5/2022).

Julgado da 3ª turma do STJ, também merece destaque, antes do encerramento deste ensaio. Entendeu o colegiado que: “a regularidade dos atos de citação e de intimação pessoal é um pressuposto de existência da ação ou incidente em relação ao réu ou ao executado, razão pela qual o cumprimento do ato de forma viciada e sem a observância das formalidades previstas em lei, que servem justamente para lhe conferir segurança, deverá ser reputado nulo quando consequências jurídicas severas daí advierem, como a possibilidade de prisão do devedor de alimentos”. HC 894424 - 3ª T/STJ - rel. min. Nancy Andrighi - J. 23/4/2024 - DJe 26/4/2024.

Vinicius Silva Lemos
Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto UFAC. Conselheiro Federal pela OAB Rondônia. Advogado.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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