Um tema atual na discussão processual e no cotidiano jurídico é a litigância abusiva. O conceito é a utilização indevida e fraudulenta do Poder Judiciário, através da jurisdição, para obter vantagens e prejuízo, sem a devida averiguação das circunstâncias do caso, com inverdades e ilícitos.
A abusividade está nas tentativas fraudulentas da utilização da jurisdição para meios escusos, seja em litigar constantemente sem provas, nem as mínimas das circunstâncias iniciais fáticas, seja com alegações notadamente falsas, seja na ilicitude da ausência de relação entre autor e advogado, com utilização de fraudes em procurações e documentos, muitas vezes utilizando de documentos falsos e até inexistentes, com narrativas e autores falsos.
A utilização da jurisdição como um meio ilícito deve ser combatido por todos os atores, desde o Judiciário até as demais instituições.
Como prevenir da litigância abusiva? Como identificar a própria abusividade? Este ponto foi afetado para a discussão do Tema repetitivo 1.198 do STJ, com a seguinte afetação: possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.
A afetação foi oriunda do TJ/MS no Tema em IRDR 16/TJ/MS (IRDR 0801887-54.2021.8.12.0029/50000), com o REsp já aceito como afetado em repetitivo.
O termo ainda era predatório e não abusivo, o que se alterou durante o julgamento do próprio repetitivo.
A questão não estava em delimitar a própria litigância em si, mas em autorizar o juízo a decidir, em seu poder geral de cautela, que o autor traga novas provas documentais para demonstrar que a pretensão deduzida em juízo detém plausibilidade e ausência de fraude. Esse era o ponto afetado.
Obviamente que para decidir se o juiz detém este poder, importante delinear o que é a prática da litigância abusiva em si. A litigância abusiva ocorre quando o autor se utiliza do Judiciário de maneira desleal e ilícita, sem justa causa, sem relação autor/advogado, com documentos falsos, sem plausibilidade jurídica, com busca de vantagens indevidas e inexistentes. O abuso no exercício do direito de ação, que fundamenta e dá propulsão à litigância abusiva, acaba por embaraçar a entrega de um serviço jurisdicional efetivo, justo e célere.
O cerne é entender que litigância abusiva é a configuração de lides temerárias, com posturas de má-fé e ilícitos pelas partes ou pelos advogados, sem confundir com ações repetitivas ou em massa.
Esse ponto é importante, diferenciar a litigância repetitiva, em massa, diante da existência de diversas ações idênticas, oriundas, por exemplo, do direito do consumidor e direitos individuais homogêneos, de simplesmente ser litigância abusiva. Esse prisma não deve ser utilizado. Não há coincidência entre abusividade e repetitividade (ou massividade).
O enunciado 762, do FPPC, também consagra que a litigância repetitiva, por si só, não é litigância abusiva.
A abusividade está na utilização indevida e fraudulenta da jurisdição, com ilícito praticado.
A discussão envolve a possibilidade de determinar a emenda à petição inicial quando o juízo tiver indícios sobre a abusividade, com uma atuação temerária em torno da busca pela jurisdição.
A tese fixada foi no seguinte sentido:
- Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.
A decisão foi no sentido da possibilidade do juiz exigir a demonstração pelo autor da autenticidade da demanda, com a determinação de juntada de documentos e outras práticas, até com audiência de justificação, se necessário.
O intuito deve ser, a partir de indícios mínimos sobre a abusividade, como suposta fraude, ações sem documentos, procuração antiga ou aparentemente falsa, endereço com outra localidade, dentre outras circunstâncias, a possibilidade de determinar a emenda à petição inicial com a determinação específica do que se deve juntar no prazo para a emenda.
No entanto, é prudente o entendimento de que se há indícios, o juiz, para tal desiderato, deve fundamentar estes na decisão. Este é o cerne da afetação e da discussão jurídica em torno do precedente repetitivo criado, justamente para ter claramente a diferenciação do que é aparentemente temerário e o que é a busca de direito e da jurisdição.
Não se pode confundir a atuação em massa ou qualquer ação, além de atuação de algum advogado com muitas causas, como uma litigância abusiva, esta fundamentação é essencial para demonstrar que, ao menos perfunctoriamente, aquela demanda aparenta alguma prática temerária, talvez ilícita, o que importa a possibilidade de requerer provas e documentos, com determinação para a emenda à petição inicial.
Uma vez constatado algum ilícito, o juiz pode determinar sanções, desde a extinção do processo que for realmente fraudulento, multas às partes e até aos advogados, desde que fundamentado e com a interligação de qual seria o ato temerário, com menção de ilícito e fraudes, com a utilização da jurisdição como meio temerário.
O tema citado autoriza justamente essa busca por diretrizes e documentos, contudo sem ser de modo automático e com a necessidade de fundamentação. As resoluções 127/22 e 129/22, e a recomendação 159/24 do CNJ também se preocupam com o tema.
Sobre o tema em questão e o próprio assunto da litigância abusiva, acertada é a visão de Fuga, quando menciona que “para a litigância ilícita, as penalidades legais. Para a litigância abusiva, a devida investigação e responsabilização. Para as demandas repetitivas legítimas, que haja livre acesso à Justiça, sem obstáculos indevidos. E para os grandes litigantes - possivelmente os maiores causadores de impacto ao Judiciário -, que haja estudo, prevenção e sanção efetiva, tanto na esfera administrativa quanto judicial” (O problema é a litigância abusiva reversa, não a abusiva.
A litigância abusiva também dialoga com o chamado foro aleatório – este último objeto da alteração ocorrida no CPC (art. 63, §1º e 5º).