Introdução
Em 2025, volta à cena o debate sobre a concessão de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Propostas legislativas tramitam na Câmara dos Deputados, acompanhadas de intensa pressão política. Mas, sob a ótica constitucional e institucional, a anistia é uma saída não apenas inadequada: é inconstitucional e perigosa para a democracia brasileira.
Competência não é licença para violar a Constituição
A Constituição de 1988 atribui ao Congresso Nacional competência para conceder anistia (art. 48, VIII). Contudo, o exercício desse poder não é absoluto. Ele deve respeitar os limites constitucionais, notadamente:
- o art. 5º, XLIII, que veda anistia para crimes de terrorismo;
- o art. 5º, XLIV, que tipifica como crimes inafiançáveis e imprescritíveis as ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
- a lei 14.197/21, que criminaliza condutas voltadas à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e ao golpe de Estado.
Assim, perdoar crimes praticados contra a democracia é frontalmente incompatível com a ordem de 1988.
A falsa analogia com a anistia de 1979
Os defensores da clemência evocam a anistia de 1979 como precedente. Trata-se de comparação equivocada.
- A lei 6.683/1979 foi editada sob regime autoritário e antes da Constituição de 1988.
- Em 2010, o STF, no julgamento da ADPF 153, validou a lei, mas o fez em um contexto de transição política e sob forte crítica no plano internacional.
Não há paralelo possível: a Constituição de 1988 fortaleceu a democracia, criou cláusulas pétreas de proteção institucional e fechou a porta para perdões que estimulem ataques à ordem constitucional.
Consequências institucionais: Judicialização e desmoralização
Concedida uma anistia ampla, ainda que inconstitucional, o efeito imediato será a judicialização em massa.
- O CP prevê que a anistia extingue a punibilidade (art. 107, II), mas a declaração deve ser feita caso a caso pelo juiz ou tribunal competente.
- Isso abrirá espaço para milhares de pedidos de extensão por parte de advogados, inclusive para réus de crimes comuns, sob a tese da “isonomia de tratamento”.
O Judiciário, já sobrecarregado, se verá desmoralizado: tendo aceitado uma anistia inconstitucional, faltará argumento sólido para negar pedidos análogos em outros contextos.
Impactos no sistema prisional: Combustível para rebeliões
O sistema carcerário brasileiro é marcado por superlotação, facções organizadas e tensões permanentes. Uma anistia seletiva, direcionada a crimes políticos de alto impacto, será interpretada como injustiça estrutural pelos demais presos. O risco de desencadear rebeliões em presídios é real: líderes criminosos certamente explorarão a narrativa de que o Estado premia uns e pune outros, corroendo ainda mais a frágil disciplina prisional.
O preço da exceção
Ao institucionalizar uma violação à Constituição, o Congresso abrirá um precedente devastador: o de que a própria ordem democrática pode ser suspensa ao sabor da política. A mensagem é clara - crimes contra a democracia compensam, porque cedo ou tarde serão perdoados. Esse é o oposto da pacificação social. É a legitimação da violência política.
Conclusão
A anistia de 2025 não é um gesto de reconciliação. É um ato de ruptura constitucional, que despreza as salvaguardas da Carta de 1988, compromete a credibilidade do Judiciário e ameaça a segurança institucional e prisional do país. O Congresso não deve cair na tentação de reeditar, em pleno regime democrático, uma clemência que afronta a própria essência da Constituição.
A democracia não se defende com perdão, mas com responsabilidade.