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Sobrestamento de recursos inadmissíveis e temas repetitivos: A necessidade de uniformização pela Corte Especial do STJ

Divergência entre turmas do STJ sobre sobrestamento de recursos inadmissíveis exige definição pela Corte Especial para garantir segurança jurídica.

16/9/2025

O objeto do presente artigo consiste na análise de uma entre as atuais divergências que se observam na jurisprudência das turmas do STJ. Trata-se da  possibilidade ou não de suspensão dos recursos especiais e agravos em recursos especiais que tratem dos temas repetitivos afetados, mas que não ultrapassem a barreira da admissibilidade recursal. 

Diante da dissonância jurisprudencial que se formou acerca dessa questão jurídica e da grande multiplicidade de decisões em sentidos conflitantes, é necessário que essa matéria seja pacificada no STJ por meio de embargos de divergência ou mesmo por questão de ordem vinculada a processo que trate dessa questão. 

Na 1ª turma do STJ há decisões que declaram a possibilidade de sobrestamento dos processos em razão da afetação ao rito de repetitivos, mesmo quando os recursos não tenham ultrapassedo os requisitos de admissibilidade, desde que preenchidos os requisitos extrínsecos, como a tempestividade e o preparo1. Por outro lado, na 2ª2, na 3ª3 e na 4ª4 turmas do STJ identificamos inúmeras decisões que estabelecem que recursos que não tenham ultrapassado com sucesso a análise dos requisitos de admissibilidade não podem ser sobrestados, sem distinção entre pressupostos extrínsecos e intrínsecos.

Assim, diante da impossibilidade de conhecimento do recurso especial por aplicação das súmulas 5/STJ, 7/STJ, ou por ausência de impugnação específica ao acórdão recorrido, à decisão denegatória do recurso especial, ou qualquer outro requisito de admissibilidade, seria  irrelevante aguardar o julgamento de recursos afetados ao rito dos repetitivos, uma vez que as questões neles discutidas são de mérito. Não haveria , portanto, que se falar em sobrestamento de recurso que não tenha ultrapassado o juízo de admissibilidade.

O conflito de entendimento sobre idêntica questão de direito é claro e a dissonância da jurisprudência compromete a uniformidade da aplicação do Direito, bem como o tratamento isonômico, igualitário e uniforme dos casos que envolvem idêntica questão jurídica. Nota-se, facilmente, que algumas turmas do STJ declaram a impossibilidade de suspensão dos processos quando ausentes os pressupostos de admissibilidade porque independentemente do resultado do recurso repetitivo o mérito não poderia ser apreciado; enquanto a 1ª turma determina a devolução dos autos à origem para aguardar o julgamento de tema repetitivo e realização de eventual juízo de adequação ao precedente vinculante, mesmo reconhecendo e declarando que os pressupostos de admissibilidade do recurso não foram preenchidos. Entendemos que esta divergência necessita ser pacificada e o local apropriado será a Corte Especial do STJ porque esta questão de direito afeta turmas de seções distintas do STJ, atraindo, portanto, a competência da Corte Especial, nos termos do art. 11, XIII do RISTJ.

Se, por um lado, a nova sistemática de objetivação de teses jurídicas consagrada pelos Tribunais Superiores, no exercício de suas competências extraordinárias e agora ratificada pelo CPC/15, alterou de maneira significativa o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais para fins de afetação de temas repetitivos e de repercussão geral (flexibilizando o rigor formal dos pressupostos recursais, especialmente os intrínsecos, a fim de permitir maior alcance à orientação jurisprudencial consolidada e prestigiar o princípio da primazia da decisão de mérito)5, por outro lado, não nos parece possível estender essa relativização aos processos em que a tema deveria ser aplicado, mas que não ultrapassam o juízo de admissibilidade. Não se deve confundir a flexibilização dos pressupostos recursais no processo em que o tema é selecionado com a possibilidade de relativizá-los nos processos em que o tema será aplicado.

Já está pacificado que para a afetação de um tema para recurso especial repetitivo ou repercussão geral, os requisitos de admissibilidade podem, excepcionalmente, ser relativizados; mas a possibilidade ou não de sobrestamento de processos que não ultrapassam o juízo de admissibilidade para aguardar o resultado do julgamento de tema repetitivo ainda é matéria absolutamente indefinida no STJ.

O princípio da primazia do julgamento de mérito é um princípio incidente e norteador de todos os recursos em todos os tribunais. Contudo, autorizar a aplicação de precedente vinculante em processos que não ultrapassam o juízo de admissibilidade é alargar demasiadamente a hipótese de conhecimento de recursos que não cumprem requisitos mínimos de conhecimento. Por exemplo, seria autorizado conhecer e dar provimento a recurso especial que não impugnou o acórdão recorrido ou que não indicou o artigo de lei violado. 

Entendemos que o sobrestamento do feito somente poderia ocorrer se e quando o recurso tivesse a sua negativa de seguimento com base na súmula 83/STJ, porque nestas situações a inadmissibilidade do recurso seria, exclusivamente, em razão da discussão de mérito, a qual está submetida a julgamento de tema repetitivo.

Há necessidade de definição clara e uniforme sobre a possibilidade ou impossibilidade de suspensão dos recursos especiais e agravos em recursos especiais que não ultrapassam o juízo de admissibilidade, mas que tratam de temas submetidos ao rito dos repetitivos. A atual divergência entre as turmas do STJ compromete a segurança jurídica, a isonomia entre os jurisdicionados e a própria função institucional da Corte como órgão uniformizador da interpretação da legislação Federal.

Impõe-se à Corte Especial, em razão de sua competência regimental, julgar e pacificar entendimentos divergentes entre turmas de seções distintas, para ao final firmar posicionamento definitivo sobre a matéria. A uniformização desta questão de direito na Corte Especial do STJ garantirá não apenas a coerência interna da jurisprudência, mas também a previsibilidade e a estabilidade necessárias à adequada prestação jurisdicional, elementos que são intrínsecos ao conceito de segurança jurídica.

______________________

1 PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. VÍCIO DE ADMISSIBILIDADE INTRÍNSECO. RELATIVIZAÇÃO. TEMA 1.265. SOBRESTAMENTO. DECISÃO IRRECORRÍVEL. PROVIMENTO NEGADO.

1. "A nova sistemática de objetivação de tese jurídicas consagradas pelos tribunais superiores no âmbito de suas competências extraordinárias (arts. 102, III, e 105, III, da CF/88), inaugurada pelas Leis n. 11.418/2006 e n. 11.672/2008 e agora ratificada pelo CPC/2015, alterou de maneira significativa o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais que versam sobre matéria afetada e julgada em sede de recurso repetitivo e relativizou o rigor formal dos pressupostos recursais normalmente exigidos, notadamente os intrínsecos, para possibilitar a repercussão mais abrangente da orientação jurisprudencial consolidada, de modo a prestigiar, assim, o princípio da primazia da decisão de mérito, hoje consagrado pelo CPC/2015" (AgInt no AREsp 2.440.970/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 21/2/2025) .

2. A discussão dos autos está relacionada com a controvérsia do Tema 1.265/STJ. É adequado o sobrestamento do processo na origem a fim de que se aguarde a fixação de tese sobre a matéria.

3. "O ato judicial que determina o sobrestamento e o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que lá seja exercido o competente juízo de retratação/conformação (arts. 1.040 e 1.041 do CPC/2015), não possui carga decisória e não acarreta prejuízo às partes, por isso, se trata de provimento irrecorrível" (AgInt no REsp 1.615.887/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 7/2/2019, DJe de 12/2/2019).

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp n. 2.080.729/ES, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 28/4/2025, DJEN de 5/5/2025.)

2 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. INGRESSO DE ENTIDADES DO SISTEMA S. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO INFIRMADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182 DO STJ. SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DE TEMA REPETITIVO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. O art. 932, inciso III, do Código de Processo Civil/2015 positivou o princípio da dialeticidade recursal. Assim, cabe ao recorrente o ônus de demonstrar o desacerto da decisão agravada, impugnando concretamente todos os fundamentos nela lançados para obstar sua pretensão.

2. No caso dos autos, as partes agravantes deixaram de impugnar de forma específica o fundamento da decisão agravada. Incidência da Súmula n. 182 do STJ.

3. Conforme a jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal, a aplicação de tese firmada sob a sistemática do art. 1.036 do CPC/15 independe do trânsito em julgado do recurso especial repetitivo.

4. Dada a impossibilidade de enfrentamento da matéria de mérito, não há necessidade de sobrestamento do feito quando o apelo nobre não atende aos requisitos de admissibilidade. Precedentes.

5. Na espécie, além de o recurso especial sequer ter ultrapassado a barreira da admissibilidade, a matéria nele versada não é exatamente a mesma discutida no tema 1079.

6. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp n. 2.748.335/SP, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 23/4/2025.)

3 DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL INADMISSÍVEL. TEMA REPETITIVO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NÃO VENCIDO. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO CONHECIDO.

I. Caso em exame 

1. Agravo interno interposto contra decisão do Presidente do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de sobrestamento do feito em razão de questão submetida à sistemática de recursos representativos de controvérsia sob o argumento de que o recurso não ultrapassou os requisitos de admissibilidade.

II. Questão em discussão 

2. A questão em discussão consiste em saber se o agravo interno impugnou de forma específica e suficiente os fundamentos da decisão agravada, conforme exigido pelo art. 1.021, § 1º, do Código de Processo Civil.

III. Razões de decidir 

3. A ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada impede o conhecimento do agravo interno, conforme o princípio da dialeticidade recursal.

4. A parte agravante não apresentou elementos aptos a desconstituir a decisão impugnada, nem demonstrou a inaplicabilidade dos julgados indicados pela decisão que inadmitiu o recurso especial.

5. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, quando o recurso não ultrapassar o juízo de admissibilidade, não haverá necessidade de sobrestamento do feito em virtude de repercussão geral ou afetação como representativo da controvérsia, tendo em vista que o tema de mérito não chegará a ser enfrentado.

IV. Dispositivo 6. Agravo interno não conhecido.

(AgInt no AREsp n. 2.772.175/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Terceira Turma, julgado em 16/6/2025, DJEN de 24/6/2025.)

4 AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. ART. 932, IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JULGAMENTO PELO COLEGIADO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. NÃO CONHECIMENTO. ART. 932, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015. SÚMULA 182/STJ. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO FEITO EM RAZÃO DA AFETAÇÃO DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (TEMA 1.039). IMPOSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. "O STJ entende não haver violação do art. 557 do CPC/1973 (art. 932, III e IV, do NCPC) quando o relator decide a controvérsia na mesma linha da jurisprudência dominante do Tribunal. Eventual nulidade da decisão monocrática fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado pela via de agravo regimental/interno" (AgInt no REsp 1197594/GO, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 3.3.2017).

2. Nos termos do art. 932, III, do Código de Processo Civil/2015, não se conhece de agravo cujas razões não impugnam especificamente o fundamento da decisão agravada. Aplicação, por analogia, do enunciado n. 182 da Súmula do STJ.

3. Em atenção ao princípio da dialeticidade, cumpre à parte recorrente o ônus de evidenciar, nas razões do agravo em recurso especial, o desacerto da decisão recorrida.

4. "Não se cogita do sobrestamento do feito para aguardar a solução da questão de mérito submetida ao rito dos recursos repetitivos, quando o apelo não ultrapassa os requisitos de admissibilidade" (AgRg nos EREsp 1.275.762/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, DJe 10.10.2012).

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 2.146.317/PE, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 14/11/2022, DJe de 18/11/2022.)

5 (AgInt no AREsp 2.440.970/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 10/2/2025, DJEN de 21/2/2025)

Guilherme Veiga Chaves
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Constitucional Internacional pela Universitá di Pisa/UNIPI, Itália. Advogado sócio do escritório Gamborgi, Bruno e Camisão Associados Advocacia.

Luiz Rodrigues Wambier
Advogado, Doutor em Direito pela PUCSP, Professor nos Programas de Mestrado e Doutorado do IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.

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