No concurso público da Polícia Federal, o momento do resultado da prova discursiva costuma trazer uma mistura de esperança e angústia. Muitos candidatos comemoram uma boa nota na prova objetiva, encontram-se tecnicamente preparados e, de repente, veem-se eliminados da disputa por conta de uma avaliação discursiva surpreendentemente baixa. Surge então a expectativa do recurso administrativo - afinal, o ordenamento constitucional garante o contraditório e a ampla defesa em todas as esferas da Administração Pública.
Mas há uma questão que poucos se dão conta antes de viver essa realidade: como recorrer com fundamento se a banca não revela o conteúdo das correções individualizadas realizadas pelos dois avaliadores? O que deveria ser um direito se converte em um ritual burocrático vazio, em que o candidato tenta adivinhar onde supostamente falhou.
É como ser acusado, julgado e condenado sem conhecer os motivos da sentença. Uma negação frontal à lógica do Estado de Direito. A ausência de transparência transforma o recurso em mera formalidade, sem efeito real sobre a proteção do direito violado. Como já afirmou o filósofo Lon Fuller, “normas que não podem ser contestadas, revisadas ou compreendidas deixam de ser jurídicas e se tornam instrumentos de poder arbitrário”.
O edital da PF determina que dois avaliadores corrijam a prova - o que, em tese, deveria aumentar a qualidade técnica da avaliação. Contudo, se o candidato não acessa o caminho percorrido por cada examinador até chegar à nota final, como demonstrar erro material? Como revelar divergência grave entre as avaliações? Como sustentar que um argumento jurídico foi ignorado ou que houve descumprimento do espelho de correção?
- Sem informação não há defesa.
- Sem defesa não há justiça.
O recurso administrativo, quando desacompanhado do acesso aos fundamentos da correção, torna-se uma ficção. A Constituição nunca prometeu direitos simbólicos, mas direitos efetivos. E recurso impossível para a doutrina é recurso inexistente. Não é à toa que a jurisprudência já reconheceu que bancas examinadoras devem demonstrar com clareza os motivos que levaram ao desconto da nota, especialmente em avaliações jurídicas - cujo conteúdo pode e deve ser controlado.
A verdade é que o candidato pode ter apresentado uma peça sólida, coerente, tecnicamente embasada, e ainda assim receber uma nota muito inferior ao que o Direito exige. E quando o espelho é insuficiente para explicar as razões do corte, a injustiça é ainda mais dolorosa: o esforço sincero é derrotado não pela falha do candidato, mas pela opacidade do Estado.
Nada é mais injusto do que ver um sonho ruir não por falta de mérito, mas por uma estrutura procedimental que impede o exercício pleno dos direitos constitucionais.