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Concurso público: É lícita a eliminação do candidato que não teve segunda tentativa no teste físico?

O texto defende a justiça no concurso público, ressaltando direitos do candidato no TAF e a importância da legalidade e transparência.

7/11/2025

O sonho de ingressar na carreira pública é uma das mais puras expressões do mérito e da perseverança humana. Cada candidato carrega uma história de renúncia, disciplina e fé, acreditando que o esforço será recompensado pela justiça e pela igualdade. No entanto, o que ocorre quando o próprio Estado, responsável por zelar pela legalidade do certame, falha em garantir esses princípios fundamentais?

Entre os casos mais recorrentes está o TAF - teste de aptidão física - uma etapa que deveria aferir preparo e resistência, mas que frequentemente se transforma em um campo de injustiças. É comum que candidatos sejam eliminados sem direito à segunda tentativa, mesmo quando o edital expressamente a prevê. Em outros casos, as avaliações são conduzidas por pessoas sem habilitação profissional, contrariando frontalmente a legislação vigente.

A lei 9.696/1998, que regulamenta a profissão de educação física, determina que apenas profissionais registrados no CREF - Conselho Regional de Educação Física estão legalmente habilitados a aplicar e avaliar testes físicos. Quando militares, servidores ou avaliadores sem registro exercem essa função, o ato administrativo torna-se nulo de pleno direito, por violar o princípio da legalidade e da competência técnica. Assim como um “médico” não pode atuar sem CRM, também não pode um avaliador físico atuar sem registro no CREF.

Além disso, a ausência de segunda tentativa, quando expressamente prevista no edital, fere os princípios da legalidade, isonomia e razoabilidade, todos previstos no art. 37 da CF/88. O edital é a lei interna do concurso, e sua violação configura ofensa direta ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, um dos pilares da moralidade administrativa.

Outro ponto crítico é a falta de transparência. Em muitos casos, o candidato não tem acesso às filmagens ou relatórios do teste, o que inviabiliza o contraditório e a ampla defesa. O art. 844 do CPC assegura à parte o direito de requerer a exibição de documentos essenciais à defesa de seus direitos. Negar esse acesso é negar o devido processo administrativo e o próprio Estado de Direito.

A jurisprudência do STJ é clara ao afirmar que falhas da Administração não podem prejudicar o candidato. Quando há erro de avaliador, divergência entre grupos de candidatos ou violação de prazos e regras editalícias, a solução judicial tem sido o retorno do candidato à fase anterior ou a reaplicação do teste, sob o argumento de que “ninguém pode ser penalizado pela ineficiência estatal”.

Mais do que um debate técnico, trata-se de preservar o ideal de justiça e mérito. O concurso público é uma promessa de igualdade - um pacto entre o esforço individual e a confiança na legalidade do Estado. Quando essa promessa é quebrada, o papel do advogado especialista em concurso público é restaurar o equilíbrio, assegurando que o candidato injustamente eliminado possa reaver seu direito e seguir em frente rumo à nomeação.

A busca por uma nova tentativa, por transparência e por tratamento igualitário no TAF é mais do que um pleito jurídico - é uma defesa da própria dignidade do mérito. Nenhum sonho pode ser descartado por erro administrativo ou por falta de preparo da banca examinadora.

Ricardo Fernandes
Professor, Escritor, Pesquisador, Palestrante, Policial Miltiar da Reserva. É Advogado Especialista em Concurso Público, Direito da PCD, Direito Internacional. Direito Processual Civil, Administrativo

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes
Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.

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