O sonho de ingressar na carreira pública é uma das mais puras expressões do mérito e da perseverança humana. Cada candidato carrega uma história de renúncia, disciplina e fé, acreditando que o esforço será recompensado pela justiça e pela igualdade. No entanto, o que ocorre quando o próprio Estado, responsável por zelar pela legalidade do certame, falha em garantir esses princípios fundamentais?
Entre os casos mais recorrentes está o TAF - teste de aptidão física - uma etapa que deveria aferir preparo e resistência, mas que frequentemente se transforma em um campo de injustiças. É comum que candidatos sejam eliminados sem direito à segunda tentativa, mesmo quando o edital expressamente a prevê. Em outros casos, as avaliações são conduzidas por pessoas sem habilitação profissional, contrariando frontalmente a legislação vigente.
A lei 9.696/1998, que regulamenta a profissão de educação física, determina que apenas profissionais registrados no CREF - Conselho Regional de Educação Física estão legalmente habilitados a aplicar e avaliar testes físicos. Quando militares, servidores ou avaliadores sem registro exercem essa função, o ato administrativo torna-se nulo de pleno direito, por violar o princípio da legalidade e da competência técnica. Assim como um “médico” não pode atuar sem CRM, também não pode um avaliador físico atuar sem registro no CREF.
Além disso, a ausência de segunda tentativa, quando expressamente prevista no edital, fere os princípios da legalidade, isonomia e razoabilidade, todos previstos no art. 37 da CF/88. O edital é a lei interna do concurso, e sua violação configura ofensa direta ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, um dos pilares da moralidade administrativa.
Outro ponto crítico é a falta de transparência. Em muitos casos, o candidato não tem acesso às filmagens ou relatórios do teste, o que inviabiliza o contraditório e a ampla defesa. O art. 844 do CPC assegura à parte o direito de requerer a exibição de documentos essenciais à defesa de seus direitos. Negar esse acesso é negar o devido processo administrativo e o próprio Estado de Direito.
A jurisprudência do STJ é clara ao afirmar que falhas da Administração não podem prejudicar o candidato. Quando há erro de avaliador, divergência entre grupos de candidatos ou violação de prazos e regras editalícias, a solução judicial tem sido o retorno do candidato à fase anterior ou a reaplicação do teste, sob o argumento de que “ninguém pode ser penalizado pela ineficiência estatal”.
Mais do que um debate técnico, trata-se de preservar o ideal de justiça e mérito. O concurso público é uma promessa de igualdade - um pacto entre o esforço individual e a confiança na legalidade do Estado. Quando essa promessa é quebrada, o papel do advogado especialista em concurso público é restaurar o equilíbrio, assegurando que o candidato injustamente eliminado possa reaver seu direito e seguir em frente rumo à nomeação.
A busca por uma nova tentativa, por transparência e por tratamento igualitário no TAF é mais do que um pleito jurídico - é uma defesa da própria dignidade do mérito. Nenhum sonho pode ser descartado por erro administrativo ou por falta de preparo da banca examinadora.