O teste de aptidão física é uma das etapas mais exigentes do concurso público. Nele, o candidato coloca à prova não apenas o corpo, mas a esperança, a disciplina e o esforço de meses - às vezes anos - de preparação. Contudo, o que deveria ser uma avaliação técnica e segura muitas vezes se transforma em um cenário de risco: pistas molhadas, equipamentos defeituosos, falta de acompanhamento médico e ausência de primeiros socorros. E então surge a pergunta que ecoa em tribunais de todo o país: quem responde quando um candidato se fere durante o teste físico?
O princípio da responsabilidade do Estado está consagrado no art. 37, §6º, da Constituição Federal, que determina que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros.
Em outras palavras, o candidato lesionado em decorrência da má estrutura, da falta de assistência médica ou de falhas organizacionais tem direito à reparação integral dos danos sofridos, independentemente de culpa direta do avaliador.
Basta comprovar o nexo entre o dano e a omissão ou falha do poder público.
Em muitos concursos, o ambiente físico da prova é negligenciado: pistas irregulares, solo escorregadio, ausência de marcações adequadas, barras enferrujadas e piscinas sem manutenção. Há casos em que o candidato desmaia, torce o tornozelo ou sofre lesão muscular grave sem que haja ambulância, paramédico ou médico no local.
Em outros, o atendimento ocorre tardiamente, agravando o quadro clínico e comprometendo a recuperação do participante. Esses fatos não são acidentes inevitáveis - são falhas de organização que configuram responsabilidade estatal.
A razoabilidade administrativa exige que o Estado proporcione condições seguras para a realização do exame.
A moralidade e a eficiência, princípios previstos no art. 37 da Constituição, impõem que o poder público atue com zelo e planejamento.
Não basta exigir esforço extremo do candidato - é preciso garantir que ele o faça em ambiente seguro e controlado.
Quando isso não ocorre, a Administração comete uma dupla violação: à segurança e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
Em outras decisões, o Judiciário reconheceu o direito do concorrente de retornar ao certame na etapa seguinte, considerando que o acidente decorreu de falha estrutural da banca ou ausência de suporte médico.
Essas vitórias reafirmam que o concurso público não é uma arena de sacrifício, mas um espaço de mérito e respeito humano.
O Estado que exige preparo físico deve, antes de tudo, garantir segurança. Nenhum candidato pode ser tratado como atleta de alto rendimento, exposto ao risco sem suporte adequado. A falta de ambulância, de médicos ou de equipamentos seguros não é mero descuido - é omissão grave. O mérito não pode custar a saúde do candidato.
A responsabilidade civil do Estado, nesses casos, não é apenas uma reparação individual - é uma lição institucional.
Cada decisão judicial que reconhece o direito do candidato ferido é um lembrete de que a Administração Pública também deve ser avaliada: se ela é diligente, humana e eficiente na condução dos concursos que organiza.
Porque o verdadeiro teste que o Estado deve passar não é o de corrida, salto ou barra - é o da responsabilidade e da humanidade.
E nesse teste, a Constituição é o árbitro que garante que o mérito nunca seja confundido com sofrimento.