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Uber pagará R$ 400 mil a família de motorista assassinado em corrida

A juíza de MG reconheceu o vínculo de empregatício, e considerou evidente que a abordagem delituosa que vitimou o trabalhador se deu em razão da condição de motorista à disposição da empresa ou em trabalho.

30/3/2022

A empresa de transporte por aplicativo Uber terá que indenizar família de motorista que foi assassinado durante uma corrida na cidade de Igarapé, na Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG. A decisão é da juíza do Trabalho Laudenicy Moreira de Abreu, da 37ª vara do Trabalho de Belo Horizonte.

A magistrada determinou o pagamento da indenização por danos morais de R$ 200 mil à mãe e mais R$ 200 mil à viúva da vítima, que receberá ainda uma pensão, por reparação de danos materiais, em parcela única. A juíza reconheceu ainda o vínculo de emprego entre o motorista e a empresa de aplicativo, com o pagamento das parcelas rescisórias devidas.

Uber indenizará em R$ 400 mil família de motorista assassinado por passageiros durante corrida.(Imagem: Fotoarena/Folhapress)

O crime aconteceu no dia 1º/3/2019, por volta das 23h30min, quando o motorista foi acionado via aplicativo para uma viagem. Durante a corrida, os quatro passageiros menores de idade surpreenderam o motorista anunciando o assalto. Conduziram o carro para debaixo de uma ponte, violentando e assassinando o motorista. O corpo foi achado no rio três dias após o crime.

Sentença do juízo da 2ª vara Cível da Infância e Juventude e Juizado Especial da Comarca de Igarapé/MG julgou procedente a representação do Ministério Público em face dos quatro adolescentes pela prática do ato infracional análoga à descrita no artigo 157, parágrafo 2º, incisos II e V, e parágrafo 3º, inciso II, combinado com artigo 211 do Código Penal. O processo apontou que os adolescentes realizaram o crime “com vistas a quitarem dívidas contraídas por todos eles com traficantes de drogas locais”.

Inconformadas, a mãe e a viúva da vítima ajuizaram ação trabalhista, pedindo as indenizações e o reconhecimento do vínculo de emprego. Mas a empresa contestou os pedidos. Alegou que, no momento do crime, o motorista não realizava viagem pelo aplicativo e que a última corrida aconteceu em 1º/3/2019, sendo finalizada às 22h41min, uma hora antes do assassinato. Afirmou ainda que não pode responder por ato de terceiro e que atuava como mera intermediária na relação entre motorista e passageiro.

Responsabilidade civil objetiva

Ao decidir o caso, a juíza do Trabalho afastou os argumentos da empresa e deu razão às autoras. Para a julgadora, não prevalece a versão da empregadora de que, no momento do crime, o motorista não realizava viagem pelo aplicativo. Para a magistrada, o risco máximo, nesse caso, restou consumado, porque o profissional foi vítima de latrocínio, a serviço da empregadora.

“Diante desse cenário, torna-se induvidoso que a atividade da reclamada insere os trabalhadores que nelas operam, como o motorista, num grau de maior probabilidade para todas as espécies de violência em razão da natureza ou perigo intrínseco, sendo o risco inerente à atividade.”

A juíza concluiu que se aplica ao caso a responsabilidade civil objetiva, de modo que, diante do evento danoso, cabe a automática responsabilização da empresa pela reparação dos danos. Na visão da julgadora, a empresa não tem avançado nas medidas e métodos de segurança e proteção aos motoristas, mesmo com avanço dos meios tecnológicos e com o aumento dos índices de violência aos condutores de aplicativos.

“E não se sustenta a tese defensiva de ausência de responsabilidade por apenas atuar como mera intermediadora entre passageiros e motoristas. Ela é detentora da atividade econômica, portanto, cabendo-lhe assumir não somente os lucros decorrentes, como também os seus riscos, intransferíveis a outrem.”

Omissão

Para a juíza, não se aplica ao caso a hipótese de fato de terceiro. Sendo evidente que abordagem delituosa que vitimou o trabalhador se deu em razão da condição de motorista e de estar conectado ao aplicativo e à disposição da empresa ou em trabalho.

“E a empregadora omitiu-se quanto às medidas e métodos de segurança, que poderiam ter evitado o infortúnio, portanto, aplicando-se a responsabilidade subjetiva”.

Danos morais

Nesse contexto, e por força do artigo 927, caput e parágrafo único do Código Civil, a magistrada entendeu que cabe a reparação dos danos causados.

“São evidentes os efeitos negativos do acidente e a consequente morte do motorista na vida das autoras da ação. A perda do esposo e do filho é inestimável e irreparável. Intuitiva a dor psíquica, a angústia, a mágoa, a insegurança. Inegável a quebra do equilíbrio psicológico, bem-estar e da normalidade da vida”

A juíza ressaltou, no entanto, que a fixação do valor da indenização por danos morais deve atender ao duplo caráter da reparação: compensação da vítima e punição do agente, evitando futuros acidentes.

Assim, considerando que o valor postulado não se demonstra excessivo diante das circunstâncias do acidente e da nítida negligência da empregadora, a magistrada achou razoável acolher o valor postulado, fixando a indenização em R$ 200 mil para cada reclamante.

Danos materiais

Além disso, a julgadora reconheceu os danos materiais, mas apenas em relação à viúva, já que a mãe não dependia economicamente do trabalhador. O dano material foi fixado em pensão mensal, no valor de R$ 1 mil, conforme critérios estipulados, inclusive quanto ao pagamento em única parcela.

Vínculo de emprego

Além das indenizações, a juíza reconheceu o vínculo de emprego entre o motorista e a empresa de transporte por aplicativo. As autoras alegaram que o profissional prestou serviço dentro dos pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT, mediante remuneração média de R$ 500,00 por semana.

A empresa contestou também esse pedido, negando a relação de emprego. Porém, ao avaliar os elementos probatórios, a magistrada deu razão às autoras, entendendo que ficou “incontroverso que a relação jurídica foi estabelecida com a pessoa física do motorista”.

A juíza também reconheceu a não eventualidade das atividades. Para ela, as possibilidades de o motorista não trabalhar todos os dias e de recusar corridas não caracterizam eventualidade na prestação do serviço.

“O trabalho não se qualificava como esporádico, pois a contratação não se deu para um evento apenas. Foi prestado de modo permanente, contínuo e habitual, em vista da necessidade e dinâmica normal da atividade, para atender à necessidade permanente e essencial do empreendimento, diretamente ligado à sua atividade-fim”.

A magistrada reconheceu a presença da subordinação jurídica na relação entre as partes. Para ela, os elementos probatórios convencem de que o motorista trabalhava dessa forma.

“Os termos, as condições, as políticas, as regras e os depoimentos testemunhais revelaram, em síntese, que a empresa: dirigia, comandava, controlava e fiscalizava a prestação laboral, agindo no modus operandi do motorista, mesmo com a intermediação do aplicativo e via código-fonte e algoritmos. Ela procedia à avaliação do trabalho e desempenho, aplicava punições, como no caso de rejeição ou cancelamento reiterado de corridas, monitorava as corridas por GPS, fixava preços das corridas, exigia o modelo de carro e a apresentação a ser utilizada na atividade.”

Informações: TRT-3

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