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Aplicação dos "punitive damages" ao Direito Ambiental brasileiro

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Atualizado às 09:31

A responsabilidade civil ambiental é dotada de especificidades próprias do dano ambiental, podendo se dar de duas formas: por meio da indenização e por meio da recomposição do meio ambiente ao status quo ante. A reparação civil por dano ambiental será devida tanto na esfera coletiva, tratando-se de interesses difusos, quanto na esfera patrimonial do particular atingido, quando se tratar de dano individual ou individual homogêneo (STEIGLEDER, 2011)1.

Os Tribunais Superiores adotam, em relação ao dano ambiental, a teoria do risco integral. Por esta teoria, a mera criação do risco autoriza incidência da responsabilização civil, não se admitindo excludentes de ilicitude para afastar a reparação do dano causado (MACHADO, 2017). Constatado que a atividade exercida gera risco de dano ambiental, admite-se a inversão do ônus da prova, havendo presunção de responsabilidade em desfavor do réu.

A responsabilidade civil por danos ambientais também é solidária (STEIGLEGER, 2011), podendo ser demandado qualquer dos causadores do dano ambiental, inexistindo obrigatoriedade de formação de litisconsórcio e assegurado o direito de regresso do demandado contra os demais causadores do dano ambiental. Destaca-se, ainda, que a pretensão de reparação civil por danos ambientais é imprescritível, conforme tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 654.833/AC.

O dano ambiental, por vezes, se prolonga no tempo e "a valorização do futuro é importante para responder aos riscos invisíveis" (STLEIGLEDER, 2011, p. 121), sendo certo que a sociedade é o titular do bem jurídico. Reconhecida a autonomia jurídica do dano ambiental, não é possível limitar as formas de reparação ao direito civil clássico.

Nesse sentido, emerge a necessidade de buscar formas de reparação eficazes que, para além da reparação, previnam a ocorrência de novos danos. O instituto da indenização punitiva é uma solução possível à efetivação da tutela civil do meio ambiente.

A indenização punitiva, originária do direito inglês (punitive damages), é definida por Nelson Rosenvald como o "remédio monetário de caráter punitivo em complemento à recomposição das perdas patrimoniais e existenciais das vítimas, sempre em caráter extraordinário"2 (ROSENVALD, 2017). A indenização punitiva possui função punitivo-pedagógica, extrapolando a função compensatória da reparação civil.

A indenização punitiva, além de ter a finalidade de desestimular a conduta lesiva, também visa reparar a vítima que sofreu danos que podem ser imensuráveis e forçar a sociedade a cumprir a lei. Possui, ainda, a função de educação, que diz respeito tanto ao causador do dano quanto à sociedade em geral, servindo para "informar e lembrar ao réu e à sociedade que determinado valor legal não apenas existe, mas recebe a proteção firme da lei" (OWEN, 1994, p. 13, tradução nossa).

A função compensatória da indenização punitiva, por sua vez, visa garantir a reparação por perdas que não são facilmente recuperáveis, as quais o autor é incapaz de fazer prova objetiva, incluindo por exemplo, as despesas processuais e honorários advocatícios, cabendo ao causador do dano arcar com tais ônus.

A indenização punitiva também possui a função de prevenir condutas similares, cuja efetividade depende dois fatores principais: se a lei, de fato, pune o causador do dano e se os potenciais infratores compreendem o que a lei prescreve e a possibilidade de serem punidos por eventual comportamento danoso (OWEN, 1994). Nesta esteira, para dissuadir o potencial causador do dano é necessário que ele compreenda as condutas proibidas, bem como os mecanismos que sejam capazes de forçá-lo ao cumprimento da lei.

A aplicação da lei é complementar à função dissuasiva dos punitive damages, emergindo em momento posterior ao dano, quando a dissuasão não foi capaz de prevenir a conduta lesiva. A indenização punitiva exige que a vítima seja capaz de fazer prova do seu direito, a fim de fazer cumprir a execução da responsabilização. Owen (1994) destaca que a perspectiva de recebimento de indenização punitiva serve como incentivo à vítima para demandar judicialmente a tutela de seu direito.

Por fim, a função da retribuição é considerada por Owen (1994) como a mais fundamental dos punitive damages. Essa função se mostra apropriada por proteger e possibilitar liberdade e igualdade, considerados como valores fundamentais da lei, possibilitando restauração da igualdade da vítima e da sociedade em geral para com o causador do dano ambiental. A retribuição, portanto, se dá tanto em favor da vítima quanto em favor da sociedade, assegurando o direito de igualdade para com o causador do dano ambiental, por vezes em condição de superioridade econômica.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu, de forma mitigada, o caráter punitivo da indenização como forma de desestimular comportamentos semelhantes. Como exemplo, tem-se o Recurso Especial 210.101/PR, no qual o Superior Tribunal de Justiça afirmou que a fixação do valor do dano deve buscar desestimular a repetição do ato ilícito, mas também evitar o enriquecimento ilícito do ofendido. O acórdão consignou que "a aplicação irrestrita das punitive damages encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio" (BRASIL, 2008)[3], em razão da vedação ao enriquecimento ilícito, mas autoriza sua incidência de forma mitigada.

Para Rosenvald (2017), o ordenamento jurídico brasileiro resiste em aplicar a indenização punitiva, mas recorre à "hipertrofia do dano moral" como alternativa. A adoção do dano moral como resposta aos conflitos levados ao Poder Judiciário é dada como resposta à necessidade de desestimular a prática de ato ilícito, transcendendo o viés "puramente reparatório de lesões existenciais, anabolizando a sua quantificação", justificando-se em "uma pseudofinalidade punitiva, com fundamento na extrema reprovabilidade do comportamento do ofensor e em sua portentosa condição econômica." (ROSENVALD, 2017).

A resistência dos Tribunais Superiores na aplicação irrestrita do instituto da indenização punitiva é justificada nas decisões com base no artigo 944 do Código Civil ("A indenização mede-se pela extensão do dano.") e ma vedação ao enriquecimento ilícito. Contudo, o dispositivo legal não pode ser óbice à aplicação da indenização punitiva, sobretudo no que toca à responsabilização civil por danos ambientais.

O ordenamento jurídico brasileiro fornece elementos que obstam o enriquecimento ilícito do ofendido em caso de arbitramento de indenização punitiva por dano ambiental. Conforme disposto na Lei de Ação Popular, os valores arbitrados em sede de ação coletiva são direcionados ao Fundo gerido por Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, dos quais devem fazer parte o Ministério Público e representantes da comunidade atingida.

Nesse sentido, a fim de evitar o enriquecimento ilícito, a importação dos punitive damages pelo Direito Ambiental poderia restringi-lo aos danos ambientais coletivos. Na regulamentação da indenização punitiva, poderia haver previsão de não aplicação aos danos individuais decorrentes da lesão ambiental, sobretudo diante da assegurada participação da comunidade atingida no Fundo responsável pelo recebimento da indenização.

Ademais, a responsabilidade civil objetiva prescinde da demonstração de culpa, mas não proíbe sua avaliação. Constada a ocorrência de dano ambiental que decorreu de conduta altamente reprovável por seu causador, é possível avaliar a gravidade da culpa do agente para fixação da indenização punitiva para desestimular a prática de novos danos, tanto pelo réu quanto pela sociedade.

A lesão ao meio ambiente importa em lesão à direito fundamental garantido constitucionalmente, sendo necessário que as formas de responsabilização visem não só reparar e compensar o dano causado, mas também desestimular a prática de condutas lesivas e criar mecanismos de enforcement.

O punitive damages é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro e encontra espaço de aplicabilidade ao Direito Ambiental, sobretudo em razão da autonomia jurídica do dano ao meio ambiente. A indenização punitiva no caso de dano ambiental visa efetivar os princípios da solidariedade intergeracional e da reparação integral, desestimulando a prática de danos ao meio ambiente por meio da fixação de valor indenizatório que ultrapasse a mera compensação.

Contudo, a importação do instituto originário do common law deve se dar de forma cautelosa, atentando-se para as especificidades na criação e aplicação do direito no civil law. Desse modo, propõem-se alternativas de adequação do instituto ao ordenamento jurídico pátrio. Destaca-se que fixação do quantum indenizatório deverá considerar as condições financeiras do causador do dano ambiental, a dimensão do dano, o grau de reprovabilidade da conduta e a gravidade do ato ilícito, não havendo vedação a análise da culpa para fixação da indenização punitiva.

Cabe registrar que eventuais obstáculos à adoção da indenização punitiva pelo ordenamento jurídico brasileiro podem ser solucionados pela interpretação sistemática das próprias normas jurídicas, valendo-se da hermenêutica constitucional e considerando a premente necessidade de proteção e efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida.

__________

1 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

2 ROSENVALD, Nelson. Uma reviravolta na responsabilidade civil. 2017. Disponível aqui.

3 BRASIL. Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 201.101/PR. 09 de dezembro de 2008. Disponível aqui.