Direito Digit@l

A inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet

A possível inconstitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet se destaca na maneira como contraria princípios fundamental da Dignidade da pessoa humana da Constituição Brasileira, particularmente no que diz respeito à proteção dos direitos dos cidadãos remover com agilidade conteúdos ilícitos da Internet.

19/1/2024

Introdução

O Marco Civil da Internet, frequentemente referido como a 'Constituição da Internet' no Brasil, estabeleceu uma base regulatória para o uso da internet no país. Entretanto, o artigo 19 dessa legislação, que aborda a responsabilidade dos provedores de aplicações de internet por danos oriundos de conteúdos gerados por terceiros, tem suscitado debates sobre sua conformidade com a Constituição. Este breve texto busca analisar as implicações e os conflitos potenciais desse artigo com a Constituição Federal, em relação à proteção da dignidade da pessoa humana, bem como com a jurisprudência precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), indicando um possível retrocesso na evolução da jurisprudência e na proteção dos direitos dos cidadãos.

Jurisprudência Anterior e o Procedimento de "Notice and Take Down"

Antes da implementação do Marco Civil da Internet, a abordagem do STJ era o procedimento de "notice and take down". Nesse método, o requerente informava a plataforma digital sobre conteúdo potencialmente prejudicial ou ilegal, e a plataforma então decidia se deveria remover ou manter o conteúdo, assumindo responsabilidade se optasse pela manutenção. Este processo oferecia um equilíbrio, proporcionando respostas rápidas às demandas dos usuários e evitando a judicialização desnecessária. Contudo, a nova legislação acabou por incentivar indiretamente a propagação de informações falsas, pois tornou a remoção do conteúdo dependente de uma decisão judicial, revelando uma lacuna na legislação no que se refere ao combate às notícias falsas.

O art. 19 do Marco Civil e Suas Implicações

A Constituição Federal do Brasil eleva a dignidade da pessoa humana como um princípio fundamental, estabelecendo o respeito ao indivíduo como alicerce da democracia brasileira. Em comparação, o Marco Civil da Internet, embora tenha a intenção de regular as plataformas digitais, acaba por sobrepor a liberdade de expressão à dignidade do cidadão, desalinhando-se com os princípios constitucionais.

As empresas de jornalismo e comunicação cumprem as diretrizes das autoridades, e espera-se uma postura similar de outras empresas. A manutenção do artigo 19 do Marco Civil da Internet é um entrave significativo à efetiva aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Não é suficiente apenas punir; é necessário que haja legislação que coíba a disseminação de fake news. As plataformas digitais lucram com estas notícias falsas, e o respeito presente na vida social deveria ser estendido às redes sociais. A sensação de impunidade alimenta a disseminação de conteúdo ilícito online. O governo tem buscado medidas para enfrentar esse desafio, ponderando quantos atos ilícitos serão necessários para impulsionar uma mudança. O Marco Civil, ao priorizar a liberdade de expressão em detrimento da dignidade humana, mostra-se potencialmente inconstitucional ou, no mínimo, ineficiente.

Comparação com o Código de Defesa do Consumidor

O CDC, focado na proteção da dignidade e dos direitos dos consumidores, apresenta um contraste com o Marco Civil da Internet. Uma comparação dos princípios e linguagem destes documentos legislativos evidencia que, enquanto o CDC enfatiza a defesa do consumidor, o Marco Civil tende a favorecer excessivamente as plataformas digitais, especialmente na maneira como trata a liberdade de expressão, muitas vezes em prejuízo da dignidade do consumidor. Assim, uma falsidade repetida inúmeras vezes pode ser percebida como verdade.

Quanto mais notícias falsas se propagam e mais os algoritmos de venda de certas marcas se associam a essas notícias, maior é o alcance e o potencial de vendas para as empresas patrocinadoras.

Conclusão

A possível inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet se destaca na maneira como contraria princípios fundamental da Dignidade da pessoa humana da Constituição Brasileira, particularmente no que diz respeito à proteção dos direitos dos cidadãos remover com agilidade conteúdos ilícitos da Internet. A exigência de judicialização como única opção para a resolução de conflitos, conforme estabelecido pelo artigo é um retrocesso. O judiciário deve ser a última fronteira e o Cidadão estava melhor amparado pela jurisprudência do STJ antes do MCI.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.