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A axiologia restritiva da PEC da relevância

Uma abordagem processual a respeito da aplicação da relevância no tocante ao recurso especial julgado no Superior Tribunal de Justiça - considerado o Tribunal da Cidadania.

22/7/2022

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Direito positivado de acesso à justiça foi preestabelecido pela norma constitucional cogente, gerando um poder-dever do Estado de proteção isonômico. Nessa toada, devido a diversidade de leis e os casos concretos a serem discutidos pelos magistrados e pelo legislativo, percebe-se que a proposta de divisão entre justiça comum, especializada, varas e Tribunais Superiores coadunam com o ideal de eficiência e celeridade. Ou seja, o Estado, por meio da Constituição Cidadã, tem a governança específica de atender, juridicamente a sociedade com suas demandas sui generis. Nesse diapasão, mesmo com toda a organização estrutural constitucional, há, em muitos casos, acumulação de processos e morosidade de julgamentos. Por conseguinte, é compreensível que sejam criadas certas barreiras normativas, com o intuito de levar especificamente às instâncias superiores casos com repercussão geral, cuja pertinência processual enseja a efetiva relevância material.

Nessa linha de discussão, não se pretende esgotar o tema sobre estruturação e funcionamento do Poder Judiciário, mas sim argumentar sobre os mecanismos de filtragem e controle de demandas recursais. Destarte, pode-se contextualizar que o Supremo Tribunal Federal (STF) instituiu contenções referenciais aos recursos extraordinários, com o fim de serem levados ao seu crivo apenas temas pontuais, exigindo repercussão geral pelas instâncias inferiores. Além disso, especificamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi aprovada a PEC da relevância, com a EC 125, em 14 de julho de 2022, que fixou limitações à abrangência temática em relação ao recurso especial. Portanto, pode-se inferir que a abordagem restritiva dos Tribunais Superiores segue a mesma linha de raciocínio de filtrar um paradigma processual para que somente seja apresentado aos ministros julgadores questões especificadas legalmente.

Ademais, faz-se mister argumentar sobre quais são os casos abrangidos pela relevância constitucional dessa Pec supracitada: casos de ação penal, improbidade administrativa, ações que geram inelegibilidade e que contrariem jurisprudência dominante do STJ, cujo valor da indenização seja superior a 500 salários-mínimos. Explicando melhor, o legislador tentou abarcar casos específicos e concretos, cujos valores morais tutelados preenchessem e demandassem uma discussão específica, por meio recursal no STJ. Nesse prisma, o STJ tentou promover ferramentas contenciosas, com a finalidade de celeridade, eficiência e seletividade de julgamentos, gerando questionamentos sobre a restrição ao direito fundamental a jurisdição universal constitucional. Outrossim, de acordo com o jurista e professor Lenio Luiz Streck, “a colocação de um valor mínimo recursal iria na contramão da igualdade material processual, pois grande parte da população ficaria inerte diante de uma denegação recursal. Reduzir o acesso à justiça é penalizar o jurisdicionando, atentando contra a cidadania, além de ser uma prova indireta de que os tribunais não estão julgando a lei uniformemente “. Um exemplo disso, pode ser descrito na comparação entre as indenizações referentes ao crime de acidente de um carro importado e o crime de abuso sexual com pena inferior a 500 salários-mínimos, sendo que o primeiro seria permitido o recurso especial ao STJ e o último não.

Diante do exposto, os mecanismos de restrição recursal tentam imprimir à sociedade um ideal de compliance jurisdicional, cuja finalidade seria, precipuamente, a seletividade, buscando evitar a grande retenção de processos nas instâncias superiores com resoluções protelatórias. No entanto, pode-se questionar sobre a insegurança jurídica exposta à sociedade, a inconstitucionalidade material da EC 125 e até a notória injustiça social, chegando-se à conclusão de que o Direito não pode se curvar a estatística, pois é uma ciência social. Segundo o filósofo Aristóteles, “a base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade; ora o julgamento é a aplicação da justiça.”

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba.

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