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Descortinando o “simultaneus processus” no controle de constitucionalidade abstrato

A Constituição de 1988 prioriza o federalismo e o estado democrático de direito, buscando compatibilizar normas e garantir segurança jurídica.

22/3/2024

Com a promulgação da CF/88, houve a priorização do federalismo liberal e o estado democrático de direito, pautados na segurança jurídica e na dignidade da pessoa humana. Nessa linha, essa lei maior deveria positivar para a sociedade brasileira direitos sociais, políticos, orçamentários, dentre outros, condizentes com a proposta previa da Assembleia Nacional Constituinte. Isto é, era necessário compatibilizar a simetria constitucional entre as normas de cunho federal, estadual e municipal para arrefecer incompatibilidades de competência entre si. Nas palavras de Sarlet (2005, p. 6):

“Considerando que também a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como sua realização, desde logo é perceptível o quanto a ideia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana”.

Em decorrência desta tratativa do federalismo e da autonomia dos entes políticos, fez-se necessário preestabelecer os limites de auto-organização dos Estados e municípios no tocante ao controle de constitucionalidade previsto na Lei Suprema. Nessa toada, sabe-se que o Brasil compactua com o sistema misto de constitucionalidade no qual há a prevalência do controle concentrado (austríaco), em detrimento do controle difuso (anglo-saxão). Destarte, especificamente em relação ao controle abstrato, é cediço que, tanto o TJs, quanto o STF podem julgar ADI - Ações Diretas de Inconstitucionalidades e ADC - Ações Diretas Constitucionalidades. Ou seja, faz-se mister a descortinação deste assunto, quando ocorrem simultaneidade de proposições e indagações sobre a possível competência para julgamentos (simultaneus processus).

Nessa linha de pensamento, com a deliberação positivada do federalismo, foi outorgado aos Estados brasileiros a auto-organização, com autonomia financeira, administrativa, normativa e política. Todavia, havia limites à simetria em xeque, uma vez que a CRFB/88 instituiu a exigibilidade de normas de extensão para com as Constituições Estaduais, arrefecendo a liberdade normativa. Trazendo para a problemática do controle concentrado ou abstrato estadual supramencionado, observou-se que poderia haver coexistências de ADIs, diante de leis estaduais idênticas tanto no TJ, quanto no STF, ocasionando uma crise constitucional de competência. 

Diante de toda a contextualização constitucional, chega-se à seguinte conclusão: se houver uma dupla fiscalização de leis estaduais idênticas entre o TJ e STF e houver constatação da inconstitucionalidade por ADI pelo STF, a ADI estadual perde o objeto. Por outro lado, se a lei estadual for julgada constitucional pelo STF, ainda assim, o TJ poderá prosseguir com a ADI em relação a Constituição Estadual, com fundamentação diversa, desde que não seja norma de reprodução obrigatória.

Ademais, foi estabelecido pelo então ministro relator do STF Edson Fachin que,  segundo a ADPF 190 de 29/9/16, “A coexistência de jurisdições constitucionais estaduais e federal, com propositura simultânea de ADI contra lei estadual perante o STF e o TJ, geram a suspensão do processo no âmbito da justiça estadual, até' a deliberação definitiva desta Corte”. Explicando melhor, em uma situação pontual de tramitações paralelas entre leis idênticas inconstitucionais no TJ e STF, devido a hierarquia e vinculação dos julgamentos do STF, a eficácia de inconstitucionalidade tem a abrangência erga omnes e ex tunc. Desse modo, há o resguardo da segurança jurídica, descrita na CRFB/88, além da vinculação aos precedentes do common law no controle concentrado, descritos no art. 927º do NCPC1.

Diante do exposto, é cediço que a supremacia de CRFB/88 traz à tona a necessidade de um controle concentrado pautado no federalismo distributivo e na compatibilização de competência entre os entes políticos. Todavia, em uma situação de “simultaneus process”, deve-se considerar a suspensão dos processos de ADI instituídos nos TJs estaduais, prevalecendo os julgamentos em ADI do STF (guardião da Constituição).

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1 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

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Joseane de Menezes Condé
Mestranda em Direito FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional Damásio, pós graduanda em direito tributário Anhanguera, coautora do livro novos temas de direito e pós modernidade (2023).

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