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Lawfare: As táticas de guerra utilizadas pelo INSS e o conveniente silêncio das instituições

Uma breve reflexão sobre o combate injusto travado pelos aposentados na arena do plenário no STF.

4/4/2024

No dia 23/3/24, toda a sociedade acompanhou, boquiaberta, o STF julgar as ADIn’s 2.110/2.111, reconhecendo como legitimas as manobras jurídicas desleais do INSS, utilizadas de forma inconsequente para barrar o direito dos aposentados a obterem o devido reajuste em seus benefícios previdenciários. Direito esse que, até então, tinha sido reconhecido pela Corte superior em inúmeras oportunidades.

Esse julgamento marcou a história da previdência social brasileira como um dos episódios mais lamentáveis de sua existência e manchou a história da Corte constitucional, que tem, cada vez mais, se curvado aos interesses difusos que rodeiam temas relevantes eventualmente julgados em seu plenário.

As ADIn’s 2.110/2.111 eram, até então, defuntos jurídicos esquecidos pelo STF e que, desde 2001, não tinham qualquer tipo de movimentação processual. Vale explicitar, de forma resumida, que as ADI’s não traziam em seu pedido original qualquer tipo de conexão com o tema 1.102 STF (Revisão da Vida Toda), a conexão foi criada pelo próprio STF, em sede de controle difuso de constitucionalidade, e se quer foi dada a oportunidade para as partes afetadas pela decisão se manifestarem durante o julgamento. Não é de hoje que a Corte constitucional tem suprimido advogados a exercerem o contraditório e cerceando a ampla defesa, principalmente nas ações que podem causar a exigência de algum tipo de reparação da união.  

É evidente que tudo isso foi cuidadosamente arquitetado pela AGU, que utilizou a grande mídia como uma metralhadora de fake news e, assim, ganhou o apadrinhamento de alguns ministros que defendem incansavelmente a imputabilidade do INSS.

Essa estratégia processual tem nome: Lawfare, que surge da mistura da palavra law (lei) e warfare (guerra), e se resume no uso ou manipulação da lei como instrumento de combate a um oponente, desrespeitando os procedimentos legais e os direitos individuais de quem se pretende eliminar. Inclusive, essa estratégia foi muito utilizada na Segunda Guerra Mundial, durante o regime nazista, para legitimar a repugnante pulverização dos direitos de toda uma população. 

Ou seja, a Lawfare é uma arma de guerra, que emprega manobras jurídico-legais de maneira desleal e configura uma guerra jurídica que tem por finalidade causar dano irreversível a um adversário político. Não é incomum que esse adversário seja uma minoria e que não tenha a máquina pública em suas mãos, conforme infelizmente foi o caso dos judeus e, também é, dos aposentados (obviamente, guardada as devidas proporções). 

Na guerra, se escolhe, cuidadosamente, o local onde o combate acontecerá, o armamento mais adequado para aniquilar o inimigo e o controle eficiente das externalidades. Trazendo isso para o contexto jurídico, temos a escolha cuidadosa da AGU em trazer essa guerra para a arena do plenário no STF, que nem sequer deveria ter afetado o Tema, tendo em vista que se trata de matéria infraconstitucional. Além disso, se escolheu cuidadosamente a arma que poderia aniquilar o direito dos aposentados, as ADI's 2.110/2.111, que tinham por objetivo julgar novamente o Tema 1.102 e se aproveitar da nova composição do plenário. Por último, as externalidades foram controladas com o auxílio irresponsável da grande mídia, que trouxe na primeira página de seus jornais, em diversas oportunidades, o mirabolante impacto econômico da Revisão da vida toda - números que nunca foram nem juntados nos autos do Tema 1.102. 

As fake news tem papel importantíssimo dentro da estratégia Lawfare, conforme explica o ilustre professor João Batista Damasceno:

"A imprensa e a opinião pública formada a partir do seu noticiário tem grande influência sobre os julgadores, que, inconscientemente, são levados a formar seus juízos pelo que a mídia lhes informa. Não raro, durante julgamentos em órgãos colegiados, é possível ouvir discursos sobre eventuais concepções e fatos não constantes nos autos, que se tornam fundamentos nas razões de decidir. Julgadores deveriam expressar juízos e não opiniões. Mas, não raro, emitem opiniões durante julgamentos, e autorrefentes, tratam o que expressam como fato notório."

Fato é que a Revisão da vida toda deixou de ser um embate jurídico em 2022, quando o mérito foi decidido no plenário e o direito dos aposentados foi reconhecido pelo STF. Desde então, o embate jurídico cedeu seu lugar ao embate político e, evidentemente, o aposentado foi eleito o adversário político a ser derrotado, ora responsabilizado por todo o descontrole das contas públicas e pelas desigualdades que assolam o país. Afinal, como sugeriu o ministro Barroso durante a sessão que julgou as ADI’s, o aposentado vive demais e, por isso, causa desequilíbrio nas contas da previdência social.

Diante de toda a estratégia desleal do INSS e a pulverização de direitos sociais pelo STF, o  conveniente silêncio do Conselho Federal da OAB e dos órgãos representativos dos aposentados tem chamado a atenção.

Não podemos esquecer que o enfrentamento da insegurança jurídica e das injustiças institucionais cometidas a torto e a direito por tribunais superiores é uma das obrigações do CFOAB. Hoje, quem sangra na arena do plenário no STF são os aposentados, mas a violação de normas processuais e de julgados pacificados cria precedentes malignos que podem prejudicar a advocacia como um todo, seja ela previdenciária, trabalhista, tributarista, cível, criminal ou qualquer outra.

Infelizmente, são poucos os advogados que de fato compraram essa luta e que continuam defendendo ferrenhamente os aposentados. Esse fato é reflexo de uma classe desunida, que prefere, em sua maioria, abaixar a cabeça e reconhecer a afrontosa derrota sofrida. Talvez, tenham se esquecido que o advogado é indispensável na administração da justiça, que é um peça fundamental na luta pelo cumprimento da lei e que a verdadeira advocacia é exercida nas trincheiras do Judiciário. 

Por fim, resta inequívoco que episódios semelhantes ao do dia 23/3 continuarão a acontecer. Temos uma Corte Constitucional que aceita o jogo manipulado e desonesto dentro do Processo Civil e que decide politicamente e sem qualquer tipo de limitação em seus poderes. Também temos uma classe de advogados que, em sua grande parte, prefere o conveniente silêncio ao exercício combativo da advocacia. Contudo, por vezes na história, foi necessário que alguns estivessem dispostos a lutar, para que os direitos sociais de todos fossem respeitados. 

Portanto, mais uma vez, seguiremos lutando e sem arredar os pés.

Gabriel Oliveira Almeida
Advogado, especializado em direito previdenciário, sócio do escritório Marcos André Advocacia Previdenciária.

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