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Cooperação técnica no enfrentamento ao cibercrime

Cooperação técnica no combate a cibercrimes em SP: solução jurídica para déficit estrutural. Parcerias com peritos, são legais e urgentes, garantindo eficiência e proteção à sociedade.

22/7/2025

1. O déficit estrutural e o crescimento exponencial dos cibercrimes em São Paulo

Em 2024, a SSP/SP - Secretaria de Segurança Pública de São Paulo registrou mais de 190 mil ocorrências de estelionato digital, abrangendo fraudes bancárias, clonagem de WhatsApp, phishing e outros delitos cibernéticos. Esse número representa um aumento de aproximadamente 6,7% em relação a 2023, quando foram notificadas 178 mil ocorrências. Contrapondo-se a essa escalada, a DCCIBER - Divisão de Crimes Cibernéticos da Polícia Civil opera com apenas 83 profissionais, incluindo delegados, investigadores e escrivães.

Essa desproporção resulta em uma média de mais de 2.300 casos por servidor ao ano, enquanto padrões internacionais, como os recomendados pela Interpol, sugerem entre 10 e 15 investigações técnicas por perito/ano. Esse déficit compromete a eficiência da persecução penal e fere o princípio da eficiência previsto no art. 37 da Constituição Federal de 1988, que impõe à Administração Pública o dever de atuar com celeridade e eficácia.

A ausência de recursos estruturais adequados também agrava a vulnerabilidade da sociedade, que enfrenta um cenário de crescente sofisticação tecnológica dos cibercriminosos. A cooperação técnica surge como uma alternativa viável para suprir essa lacuna, alinhando-se aos princípios constitucionais e às necessidades operacionais do Estado.

2. O golpe do falso advogado: Uma ameaça tecnológica recorrente

Em 2025, a OAB/SP contabilizou mais de 1.500 denúncias relacionadas ao golpe do “falso advogado”. Nesse esquema, criminosos utilizam dados públicos extraídos de processos judiciais, disponíveis em diários oficiais ou plataformas como o e-SAJ, para contatar vítimas e induzi-las a realizar pagamentos fraudulentos via Pix, boleto ou transferências bancárias.

modus operandi é sofisticado: os golpistas empregam ligações telefônicas, e-mails com brasões oficiais falsificados, documentos forjados e até videochamadas simulando ambientes de escritórios jurídicos. Essas práticas exploram a confiança das vítimas em instituições judiciais e na advocacia, configurando crimes como estelionato (art. 171, CP) e associação criminosa (art. 288, CP).

A Polícia Civil, em parceria com a OAB/SP, tem intensificado esforços para combater essa prática por meio de protocolos investigativos conjuntos e troca de informações. Contudo, a limitação de recursos humanos e tecnológicos da DCCIBER restringe a capacidade de resposta, reforçando a necessidade de parcerias técnico-institucionais.

3. Fundamentação legal da cooperação técnica

A cooperação técnico-institucional entre o Estado e entes privados é amparada por sólidos dispositivos legais, que garantem sua legitimidade e alinhamento com os princípios da Administração Pública:

a) Constituição Federal de 1988 - Art. 37, caput e § 1º

O art. 37 estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como norteadores da Administração Pública. A celebração de convênios e parcerias com entidades privadas para fins de interesse público é expressamente autorizada, desde que observados esses princípios.

b) Lei 14.133/21 - Nova lei de licitações e contratos

O art. 23 da lei 14.133/21 permite a formalização de termos de cooperação técnica com entidades públicas ou privadas, sem repasse financeiro, para capacitação, apoio técnico e execução de atividades de interesse público. Essa previsão viabiliza a integração de peritos externos para reforçar a capacidade investigativa do Estado.

c) Lei 13.709/18 - LGPD

O art. 50 da LGPD incentiva a adoção de mecanismos de governança e boas práticas para a proteção de dados pessoais, incluindo a colaboração com peritos externos em incidentes cibernéticos. Essa norma é especialmente relevante em casos de vazamento de dados ou fraudes digitais, que frequentemente envolvem informações sensíveis.

d) CPP - Arts. 6º e 7º

O CPP prevê que a autoridade policial deve adotar todas as providências necessárias para a apuração de infrações penais, o que inclui a possibilidade de requisitar apoio técnico especializado para a produção de provas periciais.

4. Experiências práticas de cooperação técnica no setor público

A implementação de parcerias técnico-institucionais já demonstrou resultados concretos em diversas regiões do Brasil, servindo como modelo para São Paulo:

a) APECOF × Defensorias Públicas (Ceará e Tocantins)

b) Verifact × MP/GO - Ministério Público de Goiás

A empresa Verifact, especializada em soluções de captura de provas digitais, estabeleceu parcerias com o MP/GO e outros órgãos públicos, fornecendo ferramentas que garantem a integridade e validade processual de evidências digitais. Essa colaboração reduziu o tempo de investigação e aumentou a eficácia na persecução penal, especialmente em casos de cibercrimes.

c) Cooperação Internacional - FBI e Europol

A nível global, parcerias entre forças policiais e empresas de tecnologia, como Microsoft e Google, têm sido fundamentais no combate a crimes cibernéticos. Essas colaborações incluem o compartilhamento de ferramentas forenses e treinamentos, servindo como referência para iniciativas no Brasil.

5. Por que a cooperação técnica na Polícia Civil de São Paulo é urgente e legal

A integração de especialistas em segurança digital é uma solução juridicamente viável e operacionalmente necessária para enfrentar o cenário de cibercrimes em São Paulo. Os principais benefícios incluem:

6. Riscos jurídicos da inação

A omissão na adoção de parcerias técnico-institucionais pode acarretar sérias consequências jurídicas e administrativas:

7. Conclusão

A escalada dos cibercrimes, aliada à insuficiência estrutural da Polícia Civil de São Paulo, exige soluções inovadoras e juridicamente fundamentadas. A cooperação técnica com peritos especializados é uma estratégia alinhada aos princípios constitucionais e às melhores práticas nacionais e internacionais.

A replicação de experiências bem-sucedidas, como as parcerias da APECOF e da Verifact, pode transformar a capacidade investigativa da DCCIBER, garantindo maior eficiência, celeridade e proteção à sociedade. A formalização dessas colaborações, por meio de Termos de Cooperação Técnica, assegura conformidade legal e transparência, posicionando São Paulo como referência no combate aos cibercrimes.

_______

Referências

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Art. 37 e § 6º.

Lei 14.133/21 – Nova Lei de Licitações e Contratos.

Lei 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Lei 14.230/21 – Lei de Improbidade Administrativa.

Código de Processo Penal – Arts. 6º e 7º.

SSP/SP – Painéis estatísticos de crimes digitais (2023-2024).

OAB/SP – Relatórios sobre o golpe do falso advogado (2025).

Migalhas – Parcerias da Verifact com órgãos públicos.

Defensoria Pública do Ceará e Tocantins – Convênios com a APECOF.

Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) – Dados processuais e relatórios.

Marco Aurelio Fernandes dos Santos
Fundador da M A Segurança Digital e Palestrante. Formado em Segurança Pública e Direito, com especialização em Perícia Digital Forense, atua em Direito Digital, Segurança da Informação e investigações

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