As multas tributárias são penalidades pecuniárias aplicadas em razão do descumprimento da legislação fiscal, configurando uma resposta estatal, de caráter punitivo e/ou sancionatório, ao ilícito tributário. Na maioria dos casos, os valores aplicados superam o próprio montante do tributo devido, transformando a dívida tributária em um passivo de difícil solução. Esse contexto expõe o contribuinte a um cenário de insegurança, conduzindo o sujeito passivo a disputas judiciais prolongadas para contestar penalidades desproporcionais e confiscatórias.
Classificação das multas e seus limites constitucionais
Tradicionalmente, a doutrina classifica as multas tributárias em três espécies: moratórias, de ofício e isoladas. As moratórias incidem pelo simples atraso no pagamento do tributo. As de ofício, por sua vez, surgem quando a autoridade fiscal verifica ausência de recolhimento do tributo por omissão, sonegação ou fraude. Já as multas isoladas são aquelas voltadas ao descumprimento de obrigações acessórias, ainda que não exista tributo a ser recolhido.
Diante do peso que essas penalidades são capazes de alcançar, a CF/88 delimitou parâmetros expressos ao poder sancionatório do Estado. O art. 150, inciso IV, se propôs a vedar a utilização de tributo com efeito de confisco, orientação que se estende às multas tributárias, já que estas também integram a obrigação principal. Além disso, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade foram utilizados como parâmetros indispensáveis: a multa deve ser suficientemente onerosa para desestimular a conduta ilícita, mas jamais pode alcançar patamares que inviabilizem a atividade econômica ou comprometam a dignidade do contribuinte.
A partir desses parâmetros constitucionais, bem como considerando a atuação confiscatória recorrente do Fisco, recaiu ao STF e ao STJ a responsabilidade de salvaguardar os direitos do contribuintes e, com isso, estabelecer parâmetros objetivos para a aplicação das multas tributárias.
Portanto, foi a jurisprudência quem assumiu o papel de uniformizar os limites na aplicação das multas tributárias, visando uma maior segurança jurídica tanto para os contribuintes, que enfrentam cobranças muitas vezes excessivamente onerosas, quanto para o próprio Fisco, que passa a dispor de critérios mais claros na aplicação das penalidades. Nesse contexto, destacam-se os precedentes recentes que fixaram percentuais máximos de acordo com a natureza de cada multa.
Multas moratórias
No julgamento do RE 882.461 (Tema 816), o STF definiu que as multas moratórias devem observar o limite máximo de 20% do valor do débito. O fundamento adotado pela Corte foi a necessidade de assegurar a proporcionalidade da penalidade e impedir que a mora no pagamento se converta em verdadeiro confisco, o que violaria o art. 150, IV, da CF/88.
Para o contribuinte, o precedente representa um importante freio a abusos fiscais, já que o simples atraso não pode gerar encargos que ultrapassem um quinto do valor do tributo devido.
Multas de ofício
Já no julgamento do RE 736.090 (Tema 863), o STF estabeleceu os limites aplicáveis às multas de ofício. A Corte fixou a tese de que tais penalidades devem se limitar a 100% do valor do débito tributário, podendo alcançar 150% apenas em casos de reincidência de fraude, sonegação ou conluio.
Essa orientação, em consonância com a lei 14.689/23, uniformizou o tratamento da chamada multa qualificada, assegurando maior previsibilidade aos contribuintes.
Multas isoladas
No julgamento do RE 796.939 (Tema 736), o STF declarou inconstitucional a multa isolada de 50% prevista no art. 74, §17, da lei 9.430/96, aplicada quando há mera negativa de homologação de compensação tributária. O Tribunal concluiu que o simples exercício do direito de pleitear compensação não constitui ilícito tributário, razão pela qual não pode gerar penalidade automática.
Ainda sobre as multas isoladas, no RE 640.452 (Tema 487), atualmente em julgamento, o STF discute os limites das multas isoladas aplicadas pelo descumprimento de obrigações acessórias. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, propôs a fixação de teto em 20% do tributo ou parâmetro equivalente, enquanto parte da Corte divergiu para admitir percentuais mais elevados. A definição final será fundamental para uniformizar a aplicação dessas penalidades.
Entendimento do STJ
O STJ, por sua vez, consolidou o entendimento de que não é possível a cumulação de multas isoladas e de ofício em um mesmo lançamento. Esse foi o posicionamento da 2ª turma no julgamento do REsp 2.104.963/RJ, de relatoria do desembargador Mauro Campbell.
De acordo com o Tribunal, aplica-se, nesse caso, o princípio da consunção: a infração mais grave, multa de ofício, absorve a de menor gravidade, multa isolada. Assim, evita-se a duplicidade de sanções sobre o mesmo fato, reforçando a necessidade de proporcionalidade também na esfera infraconstitucional.
Conclusão
Como se pode observar, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem desempenhado papel central na fixação de limites às multas tributárias. Hoje, já estão consolidados parâmetros importantes na aplicação das penalidades pelo Fisco, sendo eles: teto de 20% para multas moratórias e limite de 100% para multas de ofício, podendo chegar a 150% em casos de reincidências e inconstitucionalidade da multa isolada na compensação não homologada. Além disso, por orientação dominante, não é possível a cumulação de multas isoladas e de ofício em um mesmo lançamento. Portanto, o que se extrai desse cenário é um avanço no equilíbrio entre a função sancionatória do Estado e a proteção do contribuinte, assegurando maior previsibilidade e segurança jurídica na tributação.
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JOTA. STF e o teto da multa tributária moratória. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/women-in-tax-brazil/stf-e-o-teto-da-multa-tributaria-moratoria
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STF. RE 796.939 (Tema 736). Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4531713&numeroProcesso=796939&numeroTema=736
STF. RE 882.461 (Tema 816) – Limite de 20% para multa moratória. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4755293&numeroProcesso=882461&numeroTema=816