O concurso público é um dos pilares da democracia meritocrática: nele, a força do esforço individual deve prevalecer sobre o privilégio. No entanto, essa premissa se desfaz quando o candidato é avaliado em um ambiente sem transparência, sem filmagem e sem relatório técnico, o que o impede de comprovar seu desempenho ou questionar eventuais erros de avaliação. A ausência de registro transforma o teste físico em um ato de fé - quando deveria ser um ato de prova.
Em um Estado de Direito, não existe mérito sem prova.
A CF/88, em seu art. 5º, inciso LV, assegura a todos o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Quando a Administração aplica o TAF - Teste de Aptidão Física sem filmagem, sem relatório e sem assinatura dos avaliadores, nega ao candidato a possibilidade de contestar o resultado, o que viola frontalmente o devido processo administrativo.
Em muitos concursos, o candidato é simplesmente informado de que “não atingiu o desempenho mínimo”, sem qualquer documentação que demonstre como foi feita a contagem de tempo, o número de repetições ou o cumprimento da técnica exigida.
Sem registro, não há como provar se o avaliador errou, se o cronômetro falhou ou se a execução foi correta. A eliminação, portanto, deixa de ser um ato técnico e passa a ser um ato de autoridade - imune à verificação.
A falta de filmagem e relatório também compromete o próprio interesse público. A Administração, ao agir sem registro, perde a capacidade de fiscalizar a conduta de seus avaliadores e de garantir uniformidade nas avaliações. Trata-se, portanto, não apenas de um prejuízo ao candidato, mas também de uma falha institucional, que ameaça a credibilidade do certame e expõe o Estado a demandas judiciais evitáveis.
A prova documental é essencial não só para o controle judicial, mas também para a transparência administrativa. O art. 844 do CPC prevê o direito da parte de requerer a exibição de documentos indispensáveis à defesa de seus direitos. No âmbito dos concursos públicos, isso significa que o candidato tem direito de acessar as filmagens, relatórios e fichas de avaliação - e que a ausência desses documentos pode tornar o ato administrativo nulo.
Em diversas decisões, o Poder Judiciário reconheceu que a falta de registro impossibilita o exercício pleno da defesa e, por isso, autoriza a reaplicação da prova física ou a reinclusão do candidato no certame. A transparência, portanto, não é um favor da Administração - é um dever constitucional.
A Administração Pública deve compreender que a credibilidade dos concursos depende da segurança jurídica de cada etapa. O candidato que confia no sistema precisa saber que será avaliado com técnica, imparcialidade e transparência. Sem registros, o concurso perde legitimidade, e o Estado perde autoridade moral.
O verdadeiro mérito só é legítimo quando é comprovado, documentado e filmado - como exige o Estado de Direito.