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Entre o compliance e o sigilo: Os limites da regulação da advocacia

A luta contra a lavagem de capitais pode justificar a relativização do sigilo da advocacia e do direito de defesa?

27/11/2025

O relatório da ONU e as recomendações ao Brasil

Desde o Tratado de Viena (1988), o Brasil vem assumindo compromissos internacionais de prevenção e repressão à lavagem de capitais. A lei 9.613/98 marcou o início dessa trajetória, complementada pela lei 12.850/13, que trata do enfrentamento ao crime organizado. Entretanto, o recente Relatório da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC 2025) destacou lacunas na regulação das atividades jurídicas e na inclusão dos advogados nos mecanismos de controle e comunicação de operações suspeitas.

O relatório recomenda expressamente que o Brasil 'regule as obrigações dos advogados e demais profissionais jurídicos independentes no que se refere à prevenção da lavagem de dinheiro (art. 14, §1º)'. Essa sugestão, contudo, abre um debate delicado: até que ponto a advocacia pode ser enquadrada como atividade sujeita às mesmas obrigações de reporte impostas a instituições financeiras ou notariais?

O sigilo profissional como direito do cliente

É imprescindível ressaltar que o sigilo profissional do advogado não é apenas prerrogativa da advocacia, mas também um direito fundamental do cliente - especialmente quando envolve fatos que possam incriminá-lo. Essa proteção é pedra angular do Estado Democrático de Direito e da ampla defesa.

O STJ tem reiterado esse entendimento em decisões paradigmáticas:

O papel institucional da OAB e a lei 14.365/22

A Ordem dos Advogados do Brasil, como guardiã das liberdades e da defesa da cidadania, desempenha papel essencial nesse debate. O Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) e a recente lei 14.365/22 reforçam que é vedado ao advogado celebrar colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente - sob pena de sanções disciplinares e criminais. [Fonte: OAB Nacional, 2022](https://www.oab.org.br/noticia/59811/nova-lei-veda-a-colaboracao-premiada-da-advocacia-contra-seus-clientes)

O §6º-I do art. 7º do Estatuto, incluído pela lei 14.365/22, é categórico ao proibir tal conduta, consolidando o entendimento de que o advogado não pode, sob nenhuma hipótese, atuar contra os interesses de seu constituinte. A norma harmoniza-se com o art. 133 da CF/88, que reconhece a advocacia como função indispensável à administração da justiça.

Esse avanço legislativo - fruto do trabalho das comissões da OAB e da mobilização nacional da advocacia - fortalece não apenas o exercício profissional, mas também o próprio sistema de garantias processuais constitucionais. A OAB reafirma, assim, sua vocação histórica de zelar pela legalidade, pela ética e pela independência técnica da defesa.

Entre controle e prerrogativas: O ponto de equilíbrio

As garantias processuais asseguradas pela CF/88 - como o direito à não autoincriminação e o sigilo profissional - constituem salvaguardas indispensáveis à ampla defesa e ao sistema acusatório positivado no art. 3º-A do CPP. Profissões com dever constitucional de defesa não podem ser compelidas a delatar ou incriminar seus próprios representados.

Por outro lado, o art. 2º, §2º, II, da lei 9.613/98 já prevê punição para quem participa de grupo ou escritório voltado à prática criminosa, o que significa que escritórios de advocacia envolvidos diretamente em crimes de lavagem já perdem as prerrogativas da profissão e se sujeitam às investigações cabíveis.

Em conclusão, combater a lavagem de dinheiro é dever de todos, mas preservar o sigilo da advocacia é proteger a própria Justiça.

O equilíbrio entre compliance e prerrogativas deve ser construído com base na Constituição - e não à sua revelia.

Marcos Délli Ribeiro Rodrigues
Advogado; Conselheiro Federal da OAB; Presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB Nacional; Doutorando em Direito; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil.

Rodrigo Cavalcanti
Doutor em Direito pela UNIMAR, Mestre em Direito pela UFRN, Vice-Diretor da ESA OAB/RN, Professor de Direito Penal da UFRN e da UNIFACEX, Professor de Pós graduação, sócio da MDR ADVOCACIA.

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