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Para especialista, empresa é a maior interessada em seguir a lei anticorrupção

Advogado destaca os principais pontos discutidos pelos especialistas, desafios e perspectivas para o cenário empresarial.

9/9/2013

Publicada no DOU em 2/8, a lei 12.846/13, conhecida por lei anticorrupção, tem gerado importantes discussões entre especialistas, especialmente no que concerne aos desafios do mercado empresarial para adequação à nova legislação.

O texto dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Com a lei - que entra em vigor em fevereiro de 2014 - as empresas passam a ser as maiores interessadas em prevenir e descobrir os desvios e violações à lei, aponta o advogado Rafael Mendes Gomes, especialista em Direito Empresarial e Compliance e sócio do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó e Aragão Advogados.

Em uma avaliação da novel legislação, o advogado destaca os principais pontos discutidos pelos especialistas, desafios e perspectivas para o cenário empresarial.

1. Após tudo o que foi dito e escrito sobre a nova lei, o que há realmente de novo ?

O mais importante, ao menos do ponto de vista prático para as empresas, é o crédito para a empresa que demonstrar ter um programa efetivo de compliance, e também para aquela que cooperar com a administração pública na apuração dos fatos, além da previsão da possibilidade de acordo de leniência para a empresa que, tendo participado de uma violação, se apresentar e colabor de forma efetiva para o desbaratamento do esquema e responsabilização dos demais envolvidos.

2. Quais tem sido as principais críticas à nova lei e qual a sua avaliação ?

Preocupam as pesadas sanções previstas, a injustiça que muitos veem na responsabilidade objetiva, o risco de decisões tecnicamente pobres e arbitrárias, a falta de clareza quanto aos parâmetros para avaliação de programas de compliance e dosimetria das sanções, dentre outras.

Outra crítica que me pareceu pertinente é de que nossa lei anticorrupção não permite que uma empresa que demonstre e comprove boa fé, que tenha tomado todas as medidas de prevenção e combate à corrupção em seu negócio, mas que tenha sido supostamente beneficiada pela ação de empregados ou terceiros que pratiquem os atos buscando vantagem pessoal, não pudesse simplesmente ser inocentada e ter seu caso sumariamente arquivado, como recentemente aconteceu com o Banco Morgan Stanley nos EUA.

3. Quais aspectos positivos podem ser elencados ?

A nova lei coloca as empresas num papel protagonista no combate à corrupção, e muitos apostam que as empresas investirão mais em programas de compliance, o que a meu ver também é bastante positivo, seguindo uma tendência global.

4. Em sua avaliação, qual o maior problema da nova lei?

Sem dúvida nenhuma a desastrosa regra dos artigos 8º e 10º , que, em conjunto, estabelecem que caberá à autoridade máxima de cada órgão ou entidade da administração pública instaurar e julgar o processo administrativo para apuração de responsabilidade da pessoa jurídica, e que o processo será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora, composta por dois ou mais servidores estáveis.

Não é possível que não tenha ocorrido ao legislador a confusão e ineficiência que isso poderá causar, sem falar na insegurança jurídica e, pior, que em alguns casos poderemos ter colocado a raposa a cuidar do galinheiro. Todos esses ingredientes podem, sem dúvida, levar a situações de abuso, arbitrariedade e, até mesmo, mais corrupção.

A luz no fim do túnel é que o parágrafo 1º do artigo 8º prevê a possibilidade de delegação da competência, o que poderia abrir a possibilidade de que, por meio de convênios, pudéssemos ver alguma concentração de competência em um número menor de autoridades, permitindo que atuem com imparcialidade e, quem sabe, até desenvolvam certa especialização, pois esses casos não são simples. Cabe à sociedade civil pressionar, pelas vias legítimas, para que tais convênios sejam encorajados e celebrados.

5. Há algum desafio particularmente complexo para as empresas com relação à lei ?

Os casos que apresentarão maiores desafios e complexidade para as empresas serão aqueles envolvendo condutas ocorridas em várias jurisdições, incluindo o Brasil, e que abarquem violações a diferentes dispositivos de várias leis, tais como a lei 12.846/13, a lei 8.666/93, a lei de Improbidade, o Código Penal, a lei de Defesa da Concorrência, lei de Lavagem de Dinheiro, crimes eleitorais, e que, para somar ao problema, também envolvam financiamentos junto a bancos internacionais de desenvolvimento.

6. O que complica tanto esses casos ?

Nesses casos, a empresa terá que contratar uma equipe de especialistas que possa lidar com as diferentes áreas do Direito envolvidas, em várias jurisdições, com diferentes métodos e regras conflitantes de investigação, produção de provas, busca e apreensão, delação premiada, instrução judicial, obstrução à justiça, perjúrio, leniência etc., além de autoridades mais ou menos experientes, e melhor ou pior preparadas, equipadas e/ou motivadas para investigar e responsabilizar as empresas e indivíduos envolvidos.

Essa complexidade e diversidade de regras e variáveis exigirão profissionais muito mais sofisticados, que entendam e possam prever todos esses desafios, lidar com as diferentes autoridades, prever o impacto de teses de defesa conflitantes, evitar que documentos entregues a uma autoridade, com um objetivo, terminem na mão de outra para, então, serem utilizados contra seu cliente (ou, ao menos, prever essas situações para poder se preparar), examinar documentos em vários idiomas etc., tudo isso de forma a poder assessorar as empresas na tomada de decisões estratégicas e no relacionamento com múltiplas autoridades.

7. E quais os custos dessa complexidade ?

Não sairá nada barato. Como exemplo, o Wal-Mart está conduzindo uma investigação que, segundo noticiado na imprensa internacional, compreende principalmente o Brasil, China, Índia e México, e que já leva uns dois anos. Entre o que já foi gasto e o que a empresa reportou em suas demonstrações financeiras e relatórios à SEC (a “CVM” norte-americana) que, até o fim do ano, a conta do Wal-Mart chegará a trezentos milhões de dólares, gastos com a investigação interna e com medidas para aperfeiçoar seu programa global de compliance anticorrupção.

8. Em que medida a lei contribuirá para a diminuição da corrupção ?

Me parece óbvio que o resultado dependerá muito de como será aplicada, e com que intensidade e eficiência. Mas acredito que a nova Lei contribuirá em grande medida por atacar diretamente a fonte dos grandes subornos: as empresas. Além disso, é bem melhor prevenir do que remediar, o que levará muitas empresas a dedicarem muito mais atenção à questão. Outro aspecto importante é que, uma vez envolvidas em uma investigação, as empresas buscarão cooperar com as autoridades para reduzir suas penas e sanções. Isso implica prestar informações, apresentar documentos, fatos, nomes etc.. Assim, é esperado que mais indivíduos sejam implicados e responsabilizados criminalmente - no âmbito do Código Penal, frise-se - o que também poderá representar um grande fator de mudança de comportamento.

9. E o que muda para as empresas ?

A principal mudança é o fortalecimento do poder estatal para punir as empresa que agem de forma ilícita, desonesta e antiética, que deve provocar mudanças na mentalidade empresarial. A empresa passa a ser a maior interessada em prevenir e descobrir os desvios e violações à lei, até porque, mesmo sem a empresa ou seus dirigentes terem instruído ou tido conhecimento, a ação de um terceiro que supostamente a beneficie pode, de forma muito mais gravosa, prejudicá-la. É esperado, assim, que as empresas adotem práticas mais éticas e transparentes, e que invistam em programas de compliance.

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