A liberdade sindical, pilar do constitucionalismo social brasileiro e direito humano fundamental, enfrenta uma ofensiva contemporânea que reconfigurou suas formas de repressão. O cenário atual é marcado por estratégias sofisticadas e sutis que visam neutralizar a capacidade de organização e resistência coletiva dos trabalhadores, impactando diretamente o equilíbrio democrático no mundo do trabalho.
Essa é a essência da pesquisa "A Ofensiva Contemporânea à Liberdade Sindical: Análise das Modernas Práticas antissindicais no Brasil”, de autoria de Andréa Arruda Vaz (Andréa Arruda Vaz Advocacia) e Roberto Ferreira Filho, juiz da 1ª Vara Criminal do Estado de MS. O estudo será apresentado no "XIII Congresso Internacional de Direito CONSINTER", sediado na Universitat de Barcelona, Espanha, dia 23/10.
A pesquisa, classificada como uma reportagem científica, examina as transformações das práticas antissindicais no país, apontando que, embora os métodos tenham se tornado menos explícitos, seus efeitos continuam devastadores. Se no passado a repressão era direta, hoje ela opera sob formas estruturais, econômicas e psicológicas, desumanizando a representação sindical.
Um arsenal de práticas que silenciam
O estudo identifica um arsenal contemporâneo antissindical, caracterizado por três eixos principais: asfixia financeira, assédio moral coletivo e atomização do trabalho.
A asfixia financeira decorre de mudanças legislativas, especialmente da Lei nº 13.467/2017, que extinguiu a compulsoriedade da contribuição sindical. Essa alteração, segundo os autores, provocou um estrangulamento deliberado das entidades, impedindo que cumpram sua função essencial de defesa jurídica, fiscalização e mobilização.
O assédio moral coletivo surge como uma forma de coerção psicológica e institucional. Listas de proscrição, transferências punitivas e perseguições exemplares configuram um ambiente de medo que corrói a resistência coletiva. Cada punição individual, observam os autores, funciona como um "ato pedagógico de intimidação".
Já a atomização do trabalho, impulsionada por fenômenos como a "uberização" e a "pejotização", fragmenta as categorias profissionais e compromete a solidariedade de classe. A individualização extrema das relações laborais reduz o espaço para a construção de pautas coletivas e compromete a essência da organização sindical.
Democracia e dignidade em risco
A pesquisa ressalta que essas práticas configuram violações diretas às Convenções nº 98 e nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que protegem o direito de associação e condenam a discriminação política e sindical.
A repressão aos sindicatos e seus membros é, portanto, uma forma de discriminação institucionalizada que ameaça os fundamentos do Estado Democrático de Direito.
A "engenharia da desumanização", expressão usada pelos autores, descreve essa arquitetura de poder que busca não apenas silenciar os sindicatos, mas também enfraquecer os valores de cidadania e dignidade no trabalho. Para eles, "a autonomia é a espinha dorsal da liberdade sindical; sem ela, o sindicato se torna um apêndice do Estado ou do poder econômico, incapaz de cumprir sua função social".
Uma resposta jurídica necessária
O estudo propõe uma reação institucional robusta. Defende que o sistema de Justiça - em especial o Poder Judiciário e o Ministério Público do Trabalho - deve adotar uma atuação proativa, com medidas inibitórias e restauradoras.
A proposta central é uma hermenêutica emancipatória, capaz de interpretar a legislação à luz dos princípios fundamentais da República e de reconstruir um ambiente de trabalho hígido, livre e verdadeiramente democrático.
Um marco de relevância internacional
A apresentação em Barcelona simboliza mais que um reconhecimento acadêmico. Representa a consolidação de um trabalho científico de relevância internacional, fruto de pesquisa rigorosa, engajamento institucional e compromisso com a verdade jurídica.
Andréa Arruda Vaz, referência em Direito Constitucional e Liberdade Sindical, e Roberto Ferreira Filho, magistrado e pesquisador, uniram rigor científico e sensibilidade social para revelar as novas faces da repressão no mundo do trabalho.
A obra reforça que a luta contra as práticas antissindicais não é apenas uma pauta corporativa, mas uma causa essencial à preservação da democracia, da dignidade humana e da justiça social.