A 5ª Turma do STJ decidiu, por maioria, trancar o inquérito policial instaurado contra 46 pessoas — entre elas 28 advogados — investigadas pelo crime de denunciação caluniosa após apresentarem ao CNJ pedido de providências sobre supostas irregularidades de desembargador do TJ/AL na falência da Laginha Agroindustrial.
Prevaleceu o entendimento de que faltaram os elementos objetivo e subjetivo do tipo penal e de que a investigação configurava constrangimento ilegal, já que o CNJ não instaurou processo disciplinar e a correição extraordinária confirmou indícios das irregularidades narradas, revelando boa-fé no exercício das prerrogativas profissionais.
Entenda o caso
Os recorrentes, advogados e procuradores que atuavam na representação de credores da Laginha, levaram ao CNJ um pedido de providências relatando condutas supostamente irregulares do desembargador responsável pelo processo.
A corregedora nacional à época, ministra Maria Tereza de Assis Moura, instaurou correição extraordinária que resultou em relatório apontando indícios de quebra do dever de imparcialidade, retenção indevida de recursos e favorecimento ao falido.
Apesar do relatório, o então corregedor Luiz Felipe Salomão arquivou o pedido por considerar que as condutas eram de natureza estritamente jurisdicional. Após o arquivamento, o desembargador representado pediu ao MP de Alagoas a instauração de investigação criminal contra os autores da representação, o que levou à abertura de inquérito por denunciação caluniosa.
Com a instauração do inquérito, as entidades representativas da advocacia passaram a atuar na defesa dos investigados, apresentando argumentos contra a legitimidade da investigação.
A defesa — composta pela OAB/AL, OAB/MG e Conselho Federal da OAB — sustentou a inexistência dos elementos do tipo penal, a ausência de competência das autoridades alagoanas e a violação ao direito constitucional de petição e às prerrogativas da advocacia.
Sustentações orais
Em sustentação oral, a OAB/AL afirmou que a denunciação caluniosa, sendo crime de consumação instantânea, se consumaria em Brasília, onde o CNJ recebeu o pedido, e não em Alagoas.
A seccional ressaltou ainda que o tipo penal exige a instauração de processo disciplinar, o que não ocorreu, e que o relatório da correição extraordinária confirmou irregularidades, afastando o dolo dos advogados.
Já o Conselho Federal da OAB destacou que a investigação representava uma ameaça às prerrogativas profissionais e ao direito de petição, citando precedentes do STF que reconhecem sua atuação institucional em defesa da classe.
Segundo o Conselho, criminalizar advogados por representações ao CNJ violaria a Constituição, o Estatuto da Advocacia e tratados internacionais de direitos humanos.
O MPF, por sua vez, também opinou pelo provimento do recurso, reconhecendo a atipicidade da conduta e a ausência de justa causa para o prosseguimento do inquérito.
Relator vê instrução insuficiente e defende continuidade do inquérito
O relator, ministro Carlos Cini Marchionatti, votou por negar provimento ao recurso. Para S. Exa., não havia prova pré-constituída suficiente para o trancamento, apontando lacunas na instrução, como a ausência do julgamento do recurso administrativo no CNJ e de informações sobre a continuidade do inquérito após despacho inicial do delegado.
Marchionatti também entendeu que a apuração preliminar conduzida pela Corregedoria Nacional afastaria a tese de arquivamento sumário e que a discussão sobre dolo específico exigiria dilacão probatória incompatível com o habeas corpus. Assim, votou pela manutenção da investigação.
Constrangimento ilegal e boa-fé dos advogados
Em voto-vista, o ministro Joel Ilan Paciornik abriu divergência para reconhecer a atipicidade da conduta e determinar o trancamento do inquérito. Para S. Exa., o crime de denunciação caluniosa exige resultado naturalístico — a instauração de processo disciplinar — o que não ocorreu, já que o CNJ apenas instaurou apuração preliminar.
Paciornik destacou que a representação não era anônima nem temerária: tratava-se de petição extensa, fundamentada e assinada por 46 pessoas, entre elas 28 advogados, atuando no exercício regular da profissão.
O relatório da correição extraordinária, ao confirmar indícios de irregularidades, afastaria o dolo específico dos advogados, demonstrando que as suspeitas não eram infundadas.
O ministro ressaltou que responsabilizar criminalmente advogados por representações dirigidas ao órgão competente geraria intimidação indevida e violaria o direito de petição e a inviolabilidade profissional previstos nos arts. 5º, XXXIV, “a”, e 133 da CF, reforçados pela ADIn 7.231 do STF.
Como ponto adicional, afirmou que, se houvesse crime, a competência territorial seria da Justiça do Distrito Federal.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca acompanhou integralmente a divergência, apoiado no parecer do MPF.
Ressaltou que o relatório da correição extraordinária — produzido por magistrados designados pelo CNJ — corroborou a narrativa dos advogados ao reconhecer indícios de quebra do dever de imparcialidade, afastando qualquer hipótese de imputação falsa e confirmando a boa-fé no exercício profissional.
Os ministros Messod Azulay Neto e Ribeiro Dantas também acompanharam o voto de Paciornik.
Resultado
Por maioria, a 5ª turma deu provimento ao recurso ordinário e concedeu a ordem de habeas corpus para determinar o trancamento do inquérito policial, nos termos do voto do ministro Joel Ilan Paciornik, que lavrará o acórdão.
Ficou vencido o ministro relator, Carlos Cini Marchionatti.
- Processo: RHC 212.599