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Recuperação judicial e falência em tempos de pandemia da Covid-19

terça-feira, 12 de maio de 2020

Atualizado às 09:30

Texto de autoria de Paulo Furtado de Oliveira Filho

A Constituição Federal garantiu aos juízes vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, em nome de um bem maior e em prol da cidadania: a solução dos conflitos com independência.

O juiz não está obrigado a seguir este ou aquele entendimento, deste ou daquele Tribunal, exceto em situações excepcionais, como a da súmula vinculante enunciada pelo Supremo Tribunal Federal.

O juiz deve estar equidistante das partes, ouvir os litigantes, oferecer-lhes oportunidades de produzir provas e proferir o seu julgamento, de acordo com a interpretação adequada da lei, apta a melhor solucionar o conflito.

É comum, no Direito, que não haja uma adesão absoluta e geral de toda a comunidade jurídica quanto à melhor aplicação da lei para a solução de determinado conflito, sendo uma constante a existência de pontos de vista contrários e respeitáveis.

Por isso mesmo, a lei protege os magistrados contra medidas judiciais ou administrativas que busquem puni-lo por eventual interpretação que faça de um dispositivo legal.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que, em não havendo impropriedade ou excesso de linguagem, ao magistrado não pode ser cerceada sua liberdade de julgar com independência.

A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB já ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da denominada "Lei de Abuso de Autoridade" porque interferiria na independência do julgador na sua missão de julgar.

Nessa linha da raciocínio, cabe aos juízes de falências e recuperações judiciais, com equilíbrio e serenidade, no exercício de sua relevante missão constitucional, ponderar todos os aspectos envolvidos no cumprimento de um plano de recuperação.

Liberar um devedor do pagamento de obrigações, sem prova da real incapacidade de cumprimento do plano, pode repercutir de forma grave na situação financeira dos credores, a ponto de falirem, com maior dano econômico-social.

Pode ocorrer que um devedor em recuperação judicial integre um dos segmentos econômicos que aumentaram as vendas com as medidas de combate à pandemia da Covid-19. É de se perguntar: podem os credores, diante de uma elevação extraordinária da receita de 50% dessa recuperanda, pedir que o deságio de 25% constante do plano aprovado seja reduzido? Ou que a dívida retorne à condição originária?

Há casos de devedores em recuperação com as portas fechadas e com produtos consignados. Não seria razoável permitir que parte dos prejuízos dos produtores fosse reduzido, permitindo-lhes a restituição de parte dos produtos, a fim de que pudessem se valer de outros canais de vendas?

Também há devedoras que já estavam com seus planos descumpridos e cuja decretação de falência tornou-se inevitável, não havendo como evitar-se a continuidade de um negócio que consome recursos mês a mês em detrimento de credores que aguardam a satisfação de seu crédito há muito tempo.

O juiz tem como seu auxiliar o administrador judicial, que, na fiscalização das atividades da devedora, pode ser intimado para apresentar um relatório acerca da realidade econômico-financeira decorrente das medidas sanitárias de combate à pandemia e o impacto no cumprimento do plano.

O juiz poderá ouvir os credores e tomar alguma medida urgente ou não, e convocar ou não a assembleia geral de credores, mas sempre atento à realidade para a qual a professora Paula Forgioni chamava a atenção: "a empresa não existe sozinha, mas somente na relação com outras empresas e com os adquirentes de seus produtos e serviços".