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Possibilidade da impugnação de crédito retardatária após a reforma da LRF: Controvérsia encerrada?

terça-feira, 13 de abril de 2021

Atualizado às 08:35

A aprovação da lei 14.112/2020 causou relevante alteração em diversos institutos do procedimento da recuperação judicial, previstos na lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência - LRF), entre os quais pode-se mencionar o da habilitação e da impugnação de crédito retardatária, questão, pode-se dizer, controvertida na prática forense.

Apenas para lembrança dos leitores, importante salientar que habilitação é instituto totalmente diverso da impugnação, pelo menos por quatro singelas razões.

Primeiro, em razão da fase em que cada requerimento é formulado: após o deferimento do processamento da recuperação judicial, será publicado o Edital contendo a 1ª (primeira) Relação dos Credores, apresentada pela própria recuperanda, com os créditos, sua importância e respectiva classificação. Após a publicação do indigitado Edital, os credores não contemplados na relação editalícia poderão habilitar o seu crédito, mediante procedimento de natureza eminentemente administrativa, a fim de incluir seu crédito em uma das classes de credores (art. 7º, §1º, LRF), ou, mesmo, divergir do crédito ali constante, seja para excluí-lo, seja para reclassificá-lo ou, ainda, retificar sua importância.

Após a apreciação das habilitações e divergências apresentadas ao administrador judicial e por este apreciadas, será elaborada uma 2ª (segunda) Relação de Credores, também veiculada mediante Edital, a qual poderá ser objeto de impugnação, por meio da instauração de incidente distribuído por dependência aos autos principais do procedimento recuperacional. A impugnação, portanto, apresenta natureza judicial, visando tanto a incluir crédito (ainda) não arrolado, quanto a atacar crédito arrolado, seja para excluí-lo da Lista de Credores, seja para apresentar divergência a um de seus elementos, tais como classificação ou importância do crédito.1

Segundo, em razão do destinatário do requerimento: a habilitação (não retardatária) será dirigida ao administrador judicial (art. 7º, §1º, segunda parte, LRF), ao passo que a impugnação de crédito, em razão de sua natureza judicial, é dirigida ao próprio juízo da recuperação judicial, lembrando, por meio de autos em separado ao processo principal da recuperação (art. 13, parágrafo único, LRF).

Terceiro, em razão do prazo para formulação de cada requerimento: a habilitação de crédito será apresentada em 15 (quinze) dias, contados da data da publicação do 1º (primeiro) Edital da Relação dos Credores no Diário Oficial (art. 7º, §1º, LRF), ao passo que a impugnação de crédito será requerida no lapso de 10 (dez) dias, contados da data da publicação do 2º (segundo) Edital da Relação dos Credores (art. 8º, caput, LRF). Ambos os prazos serão contados em dias corridos, nos termos previstos pelo (novo) art. 189, §1º, I, LRF, incluído pela Lei nº 14.112/2020, colocando (a princípio) termo à discussão quanto à forma de contagem dos prazos previstos na Lei nº 11.101/2005, especialmente após o julgamento do REsp 1699528/MG.2

Por fim, quarto, em razão da (im)possibilidade de sucumbência: inequivocamente que o requerimento de habilitação de crédito, formulado administrativamente, não ensejará ao requerente risco de condenação a título de sucumbência, ao passo que a impugnação judicial, por ostentar natureza de ação incidental, poderá implicar eventual condenação a título de sucumbência, embora haja vozes na doutrina que defendam o não cabimento de condenação a título sucumbencial em sede de incidentes processuais, em virtude da ausência de expressa previsão legal (art. 85, §1º, CPC).3 Outrossim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se apresenta inconsistente, uma vez que embora exista precedente defendendo a possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais em sede de habilitação de crédito, desde que haja pretensão resistida,4 o mesmo tribunal já sinalizou acerca do não cabimento de honorários advocatícios em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, pelo mesmo fundamento da ausência de previsão legal.5

Apresentadas essas singelas diferenças, poderíamos mencionar uma quinta, que envolve, definitivamente, firme divergência jurisprudencial, acerca da possibilidade (ou não) de veicular tanto impugnações quanto habilitações, igualmente, retardatárias. Analisemos, pois, a mencionada diferença.

É certo que pela rápida leitura da lei 11.101/2005, especialmente de seu art. 10, reconhece-se a possibilidade de veicular pleito habilitatório retardatário, isto é, após o prazo quinzenal previsto na LRF.6 Tal formulação se mostra razoável se pensarmos na hipótese de habilitação de crédito trabalhista.

Suponha-se que após a publicação do Edital contendo a 2ª (segunda) Relação de Credores na recuperação judicial, determinado credor ainda estivesse discutindo perante o juízo trabalhista o dever de percepção de verbas rescisórias, com sentença favorável, porém com Recurso Ordinário ainda pendente de julgamento. Nesse caso, temos um crédito que, a despeito de ser reconhecido por sentença favorável, não pode ser lastreado por uma Certidão que autorize o credor a habilitá-lo, razão pela qual a posterior consolidação desse crédito, mediante Certidão lavrada após a publicação do Edital contendo a Relação dos Credores, viabilizará o credor trabalhista a postulá-lo de modo retardatário, perante o juízo da recuperação judicial, aplicando-se o regime de tratamento da impugnação à habilitação (art. 10, §5º, LRF).

No tocante à impugnação retardatária, a discussão se torna mais delicada. Fala-se delicada, pois a impugnação judicial (pelo menos até o advento do art. 10, §§7º, 8º e 9º da lei 14.112/2020), prevista pelo art. 8º, caput, LRF, abrigaria, conforme julgados recentes exarados pela 3ª Turma do STJ, prazo de natureza cogente e peremptório, cuja inobservância implicaria impossibilidade do requerente de perseguir o indigitado crédito nos autos do procedimento recuperacional.7 Na mesma direção, parcela da doutrina alinha-se à posição exarada pela 3ª Turma do STJ.8

Assim, os créditos já arrolados e que não foram, oportuna e tempestivamente, impugnados dentro do decênio legal, seriam alcançados pela preclusão, embora, ainda, seja reservado ao credor-impugnante o direito de discutir, por meio de ação autônoma pelo procedimento comum, os elementos de seu crédito submetido à recuperação judicial, a fim de exclui-lo, reclassificá-lo ou mesmo retificá-lo, nas hipóteses previstas pelo art. 19, LRF, não havendo, por isso, tratamento discriminatório entre o credor trabalhista do exemplo acima (cujo crédito ainda não estava arrolado) e o credor-impugnante.

Tal posição jurisprudencial, contudo, não está amparada em julgado firmado sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 927, III, CPC, e, assim, não constitui hipótese de precedente obrigatório, motivo pelo qual não tem o condão de vincular os demais tribunais brasileiros acerca da aplicação do art. 8º da lei (Federal) 11.101/2005.

Não por outro motivo, alguns tribunais têm formulado entendimentos a contrario sensu daquele aviado pelo STJ, como é o caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) que vem sinalizando, há algum tempo, a possibilidade de apresentação da impugnação retardatária, conferindo-lhe o mesmo tratamento dado pela legislação às habilitações retardatárias.9-10 Nesse passo, também, outra parcela da doutrina vem defendendo a admissibilidade da impugnação retardatária, tal como sinalizado pelo TJ/SP.11

A lei 14.112/2020 traz importante previsão sobre o assunto, reconhecendo, inclusive, a expressão impugnação retardatária, o que colocaria uma pá de cal na discussão aqui travada, passando a ser essa uma semelhança entre os dois institutos, especialmente no que toca ao disposto no art. 10, §7º, LRF, o qual prescreve que o quadro-geral de credores será formado com o julgamento das impugnações tempestivas e com as habilitações e as impugnações retardatárias decididas até o momento da sua formação.

Trata-se de questão que poderá ainda render muitas controvérsias, especialmente diante do fato de que o oferecimento da impugnação retardatária até a publicação do quadro-geral dos credores poderia ser interpretado como o reconhecimento de uma preclusão diferida, esvaziando-se, com isso, o prazo decenal previsto no caput do art. 8º, LRF, bem como o disposto no art. 223, CPC. Isso porque o impugnante, em verdade, estaria limitado cronologicamente até a publicação do indigitado quadro-geral e não mais ao prazo disposto no art. 8º para oferecer a impugnação a destempo, o que, curiosamente, acarretaria o reconhecimento de um prazo impróprio à parte/requerente.

Outra discussão que poderá ser aviada diz respeito à possibilidade de a recuperanda ostentar legitimidade para veicular o pleito fora do prazo decenal do art. 8º, caput, LRF, uma vez que os §§7º a 9º do art. 10 restaram silente nesse ponto, não estabelecendo nenhuma vedação a esse respeito e deixando dúvidas acerca da viabilidade de a impugnação retardatária ser veiculada pela recuperanda (como admitido, para a impugnação tempestiva, pelo art. 8º, caput, LRF), ou, apenas, pelo credor.

De modo geral, em uma primeira vista, não parece fazer sentido a recuperanda impugnar a Lista de Credores do administrador judicial, seja para retificar, seja para incluir novos créditos, quanto mais de forma retardatária, na medida em que ela própria quem elaborou a 1ª (primeira) Lista de Credores que serviu de base à lista do administrador judicial. Não à toa que há julgados do TJSP contrários à habilitação de crédito retardatária pela recuperanda, com fundamento na ausência de legitimidade.12

Nada obstante, há debate sobre os casos de créditos que se consolidem em definitivo após a publicação das Listas de Credores, embora se refiram a fatos geradores anteriores ao pedido de recuperação judicial. Num cenário em que o credor não promova a habilitação e continue executar a recuperanda na ação própria, considerando a competência do juízo da recuperação judicial para decidir acerca da natureza concursal do crédito,13 conviria levar em conta a possibilidade de a recuperanda apresentar ao menos habilitação retardatária de crédito.

Por fim, ainda, vale destacar que a admissibilidade do mencionado pleito retardatário poderá gerar morosidade processual, em clara afronta ao princípio da duração razoável do processo, aplicável, por certo, ao procedimento recuperacional, à luz do disposto no art. 189, caput, LRF c/c art. 4º, caput, primeira parte, CPC, em virtude da necessidade de o juízo recuperacional (também competente para julgar os incidentes de impugnação) direcionar esforços e despender de tempo para resolver pleitos retardatários, cuja morosidade se torna inevitável especialmente em grandes recuperações judiciais.

São questionamentos desta natureza que (ainda) subsistem, a despeito da edição da lei 14.112/2020 e, com isso, desaproximam o objetivo do legislador de equiparar institutos que, dada as diferenças, foram desenhados para serem distintos entre si.

*Rodolfo Mascarenhas Lopes é pós-graduando em Direito Processual Civil pelo CEPED/UERJ. Bacharel em Direito pela UFRJ. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC). Advogado no FASV Advogados.

**Pedro Simas de Oliveira é bacharel em Direito pela UERJ. Advogado especializado em contencioso cível e empresarial/insolvência no FASV Advogados. 

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1 SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Almedina, 2016, p. 147.

2 "RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ADVENTO DO CPC/2015. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. FORMA DE CONTAGEM DE PRAZOS NO MICROSSISTEMA DA LEI DE 11.101/2005. CÔMPUTO EM DIAS CORRIDOS. SISTEMÁTICA E LOGICIDADE DO REGIME ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA." (STJ, REsp 1699528/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 10/04/2018, DJe 13/06/2018).

3 Nesse sentido, cf. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 14ª ed. reform. Salvador: Jus Podivm, 2017, v. 3, p. 184; ROQUE, Andre Vasconcelos. Questões controvertidas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial. Migalhas, São Paulo, 20 out. 2020. Coluna Insolvência em foco. Disponível aqui. Acesso em: 06 jan. 2021.

4 "(...) 5. Com relação à fixação de honorários advocatícios, a orientação pacífica da jurisprudência desta Corte Superior dispõe que é impositiva a fixação de honorários sucumbenciais na habilitação de crédito, no âmbito da recuperação judicial ou da falência, quando apresentada impugnação, o que confere litigiosidade à demanda." (STJ, AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1816967/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 30/08/2020, DJe 08/09/2020).

5 "RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. ART. 85, § 1º, DO CPC/2015. RECURSO ESPECIAL PROVIDO." (STJ, REsp 1845536/SC, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 09/06/2020).

6 "Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias." (grifos nossos).

7 Nesse sentido, cf. STJ, REsp 1704201/RS, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 07/05/2019, DJe 24/05/2019; STJ, AgInt no AREsp 1433517/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, Terceira Turma, j. em 10/02/2020, DJe 13/02/2020.

8 AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 205.

9 Nesse sentido, cf. TJSP; Agravo de Instrumento 2112507-74.2017.8.26.0000; Relator (a): Carlos Alberto Garbi; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Jaboticabal - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/11/2017; Data de Registro: 16/11/2017).

10 Nesse sentido, ainda, cf. TJSP; Agravo de Instrumento 2190317-23.2020.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Mairinque - 1ª Vara; Data do Julgamento: 10/11/2020; Data de Registro: 10/11/2020; TJSP; Agravo de Instrumento 2147600-93.2020.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Mairinque - 1ª Vara; Data do Julgamento: 09/10/2020; Data de Registro: 09/10/2020.

11 SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Almedina, 2016, p. 146-147. Ainda, em sentido favorável à impugnação retardatária, cf. COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 49.

12 Cf. TJSP; Agravo de Instrumento 2083481-26.2020.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Mogi Guaçu - 3ª V. CÍVEL; Data do Julgamento: 13/11/2020; Data de Registro: 13/11/2020; TJSP; Agravo de Instrumento 2205747-83.2018.8.26.0000; Relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Sorocaba - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 20/02/2019; Data de Registro: 22/02/2019.

13 Cf. STJ, AgRg nos EDcl no CC 136.508/PA, Rel. Min João Otávio de Noronha, Segunda Seção, j. 12/08/2015, DJe 20/08/2015.